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A Ilha de Man ( Isle of Man, ou Manx) fica no arquipélago do Noroeste da Europa em um notável pedaço de terra, no meio do oceano Atlântico. Mais exatamente no Mar da Irlanda (Irish Sea), com 48 km de comprimento entre 13 e 24 km de largura, totalizando 572 km². Fica localizada entre o Oeste da Irlanda, Norte da Escócia e Leste da Inglaterra.

Nela caminhavam guerreiros Vikings no século VII e muitos anos depois foram os Noruegueses em 1164 que cederam para os escoceses em 1266. Finalmente os Ingleses tomaram posse em 1765 e aesar da troca de poder, com o passar dos anos, a Ilha de Man sempre foi um local calmo e pacato. Isso valeu apenas até 1904 quando a Gordon Bennett World Cup Race, uma prova para automóveis, foi realizada nas estradas ao redor de Douglas, a capital da Ilha.

O sucesso de publico foi imediato, trazendo muitos turistas do mundo todo. Já em 1905, a “pista” foi utilizada para uma corrida classificatória para a International Motor-Cycle Cup de 1906 na Áustria. Em 1907 , a ACU, Federação Nacional Inglesa fundada em 1903, apoiada pelo marquês de Mouzilly SaintMars, parlamentar e entusiasta do motociclismo, anunciou a criação do Tourist Trophy, TT (Troféu Turista), uma corrida de estrada (road racing) apenas para motocicletas.

moto-com-pedal, das primeiras edições da prova

moto-com-pedal, das primeiras edições da prova

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As primeiras corridas foram realizadas no Saint John’s Course, trajeto triangular com 25 km de extensão, passando pelo lado oeste da ilha. Foi em 28 de maio de 1907 que os motores zumbiram para completar 10 voltas, nesta época as motos não tinham muita potência, por isso deviam possuir o estilo “turismo”, obrigatoriamente, contando com freios, para-lamas e caixa de ferramentas. Desde o inicio, o sistema de classificação é o mesmo. Largando dois competidores por turno, tem que terminar mais rápido, sendo que o tempo cronometrado é comparado com as outras duplas, até definir quem precisou de menos tempo para completar o circuito.

Nestas primeiras edições do TT, após cinco voltas completadas, as motos paravam por dez minutos, retornando a seguir para completar as outras cinco. Apesar de todos os problemas que os pilotos enfrentavam quedas e falhas mecânicas, a corrida foi um sucesso.

O primeiro a receber o troféu foi Charlie Collier, além de piloto era engenheiro e dono da Matchless. Ele disputou na categoria monocilindro, com consumo mínimo de 33 km por litro, contra outros 17 participantes. O troféu foi criado e doado pelo marquês, feito de prata representando o Deus romano Mercúrio (Hermes, em grego), cavalgando sobre uma roda alada. Esse troféu ficava com o vencedor do ano até a prova do ano seguinte, quando passava ao outro que venceria na categoria principal. O mito diz que Hermes é filho de Zeus e Maia deusa da fecundidade, conhecido como o mensageiro dos deuses e patrono da ginástica.

Nesta primeira corrida, uma das maiores dificuldades foram os trechos de subida. Como as motocicletas não possuíam muita potência, alguns pilotos usavam os pedais ou desciam da moto e a empurravam morro acima. Por este motivo a vitória de Colier foi contestada por Jack Marshall, o segundo colocado. Ele afirmou que sem a ajuda dos pedais (naquela época era comum moto ter pedais iguais a de uma bicicleta) a Matchless não cumpria a regra de consumo. Por este motivo nos anos seguintes foi proibido o uso de pedais na competição.

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Moto Fowler de 1907

Moto Fowler de 1907

Outro vencedor deste ano foi Harry Rembrandt “Rem” Fowler, ferramenteiro e ex-piloto de fora-de-estrada, na categoria bicilindro, utilizando uma Norton com motor Peugeot de 5hp, que rodava, incríveis, 68 km\h. Durante a prova, Fowler precisou parar a moto inúmeras vezes para trocar pneus, correia e velas, deixando o piloto extremamente cansado, por pouco não abandonou a corrida se não fosse por um espectador, avisar que ele, Fowler, estava a meia hora de vantagem sobre o segundo colocado. Sim, ele não tinha ideia que era o líder da prova. Isso o motivou a continuar e terminar a primeira TT, com exatas 4 horas, 21 minutose 52 segundos desde a largada. Treze minutos a mais que Collier, que correu em outra categoria, mostrando a gravidade dos problemas que Fowler teve de enfrentar.

Em 1908 o regulamento foi bastante modificado. O consumo mínimo teve alterações, de 33 km por litro para 27 km/l na categoria moniciclindro e de 25 km/l para 22 km por litro na bicilindro, além da proibição dos pedais. Neste ano também foram mobilizados alguns funcionários públicos para a fiscalização da pista. O trânsito local era interrompido nos treinos e corridas.

Matchless Collier de 1911

Matchless Collier de 1911

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Uma sirene soava para informar os habitantes que as motos estavam passando no trajeto, continua sendo assim nos dias de hoje. Na categoria monocilindro os rivais Collier e Marshall se enfrentaram mais uma vez. O último levou o troféu, mesmo caindo e tendo problemas com seu esacapamento. Já na bicilindro o líder Fowler abandonou no meio da prova. Quem venceu foi Harry Reed com uma DOT (Devoid of Trouble) “desprovida de problemas”, moto feita artesanalmente por ele mesmo, sobre um projeto da Peugeot.

No ano de 1909, as categorias foram modificadas, passaram a ser classificadas por cilindrada, não mais por consumo de combustível. A monocilindro ficou limitada a 500cc e a bicilindro com até 750cc. Eram 54 motos, com as duas classes competindo juntas. Quem venceu foi Harry Collier para a Matchless, irmão mais novo de Charles e em segundo foi o americano Lee Evanscom uma Indian V2.

Em 1910, participaram da TT 83 motos, e houve nova vitória para os Collier. Com o passar dos anos a prova foi ficando cada vez mais famosa, pessoas do mundo inteiro queriam  ver e participar da perigosa competição, atrás de fama e fortuna. Era o sonho de qualquer piloto de motocicletas. Neste ano também foi apresentado o “Wall of Death” (muro da morte), uma passagem de nível feita de madeira na seção Ballacraine, mas o risco era tão grande que foi descontinuado no ano seguinte.

Indian V2 de 1911

Indian V2 de 1911

O circuito foi transferido em 1911, o TT passou a ser realizado na área montanhosa da Ilha deMan, incluindo o monte Snaefell, o mais alto da ilha. A cada volta era necessário percorrer 60km e 720 metros, o que significava na classe Sênior, 400 km de prova e mais de 2 mil curvas até a chegada. As categorias foram novamente modificadas e divididas. As motos também traziam novidades. A Indian, por exemplo, junto com a Scott tinham transmissão por corrente e possuíam duas marchas. As AJS junto com a Trimph traziam versões com três marchas e a Matchless com incríveis seis marchas. Como se não bastasse as novidades, no dia da corrida choveu forte, fazendo a “pista” ficar ainda mais difícil e perigosa para os pilotos. Os modelos que utilizavam a transmissão por correia, uma tira de borracha ou couro, eram penalizados por esta tecnologia, já que com a chuva o equipamento não tinha tração suficiente. Percy J. Evans venceu na categoria Junior, com uma bicilíndrica Humber de 340 cc, à frente da Matchless monocilindrode Harry Collier. Charles, irmão de Harry foi desclassificado por um reabastecimento em local indevido, na categoria Sênior, e infelizmente aconteceu um acidente fatal, entre tantos outros sem vitimas. No pódio subiu três pilotos da Indian “pele-vermelha”.

Pela dificuldade apresentada em 1911, algumas equipes não compareceram no ano seguinte, mesmo assim houve corrida. Neste ano as motos Scott venceram a Sênior.

Em 1913 foram 147 inscritos na competição e foi anunciado um troféu para novos fabricantes. A corrida foi marcada pelo falecimento de Frederic Bateman, ele liderava a prova na classe Sênior, quando um pneu estourou e o fez perder o controle da moto, bateu na lateral de uma ponte. Ainda houve mais outros dois acidentes fatais em 1914, obrigando a ACU exigir o uso de capacetes, que até então podiam utilizar qualquer coisa que desejassem, como chapéu, gorros ou até mesmo nada.

A Primeira Guerra Mundial fez parar as competições do Trouféu Turista entre 1915 e 1919. Apenas em 1920 retomaram as atividades costumeiras, também neste ano competiu a ultima moto de marcha única.

Em 1922 foi o ano das cores no TT, a Harley-Davidson de amarelo, a Scott de roxo, a Rudge de verde, e a Sunbeam, campeã da classe Sênior, de preto e dourado. No ano seguinte nasceu a classe de sidecars, suspensa dois anos depois por excesso de perigo.

Tomaso e sua Guzzi

Tommaso Omobono Tenni e sua Guzzi

Em 1937, Tommaso Omobono Tenni, com 32 anos, apelidado de “Diabo Negro”, por causa da cor do cabelo e da sua forma arrojada de pilotar, sagrou-se como o primeiro italiano a vencer o TT. Dois anos antes, Tommaso vinha fazendo uma ótima corrida, conquistando a volta mais rápida, mas atropelou um corvo numa curva que o fez cair, fraturou duas vértebras da coluna cervical. Naquele ano a Moto Guzzi venceu e durante a corrida, dois pilotos da mesma equipe brigavam pela ponta.

No dia do acidente de Tommaso, ao ser atendido pelos médicos, eles lhe disseram que nunca mais poderia correr. Apesar dessa declaração médica, ele não esmoreceu e se recuperou, em março de 1937, dois meses antes da TT, treinava numa estrada próxima de sua residencia, infelizmente foi vitima de um acidente com um carro e como consequencia perdeu dois dedos do pé. Estes que guardou num bolso e foi para o hospital, mas os médicos não conseguiram fazer o reimplante.

A caminho da competição, ainda estava com a ferida aberta, os jornais na época faziam manchetes do tipo: “ O rei das curvas” e “Aquele que desafia a morte”. Mesmo com hematomas, cortes, feridas e dores musculares Tommaso correu soberando na Ilha de Man, poucos metros da linha de chegada sua moto apresentou problemas, teve que trocar as velas o mais rápido possível, montar de novo e completar a ultima curva que faltava. Neste momento a Itália inteira acompanhava pelo rádio, e depois de muita tensão o locutor berrou: “Tenni há vinto!” levando a galera a loucura. Foi o primeiro estrangeiro, numa moto estrangeira, a Moto Guzzi, a levar o grande TT, em 25 anos de competição.

Tommaso Omobono Tenni possui uma estátua no Museu Guzzi, por ter vencido 47 corridas para a marca. Em 1948 morreu num acidente nos treinos para o GP da Suíça.

O ano de 1939 a BMW com apoio nazista participou do TT, mesmo com a perda de um piloto nos treinos, a equipe correu e venceu a classe Sênior com Georg Meier de 29 anos, ex-policial, pilotando a BMW RS 500 Supercharger.

Voltamos a ter a competições apenas em 1947, depois da Segunda Guerra Mundial. Nos anos de 1948 e 1949 a Ilha de Man fez parte da primeira temporada do mundial de motovelocidade.

Em 1976 deixou de ser o GP da Inglaterra pelo perigo e perda de vidas. Como no mundial a largada era conjunta, todos de uma vez e as ruas da Ilha de Man não comportavam a corrida, ainda contando com as motos cada vez mais potentes. Mesmo assim o TT continua ativo, completou um século em 2008, se tornando a competição mais tradicional do motociclismo de estrada. Apesar de tudo, a Ilha de Man se transforma todos os anos na capital mundial do motociclismo, na primeira semana de Maio, com provas e atrações.

Aqui esta um pouco da história dessa corrida mágica, que fascina muitos motociclistas que gostam de velocidade. Mesmo tão perigoso, tão antigo, e às vezes até esquecido, o TT é sem sombra de dúvida um símbolo, uma marca, ele representa toda a transformação que as motos sofreram e fizeram. Ainda há muito que dizer, mas por enquanto, ficamos por aqui.

Sem a ajuda do livro Motocicleta do Fausto Macieira, Ed. Alaúde, de onde tirei muitas informações, este artigo não seria possível, também lembrando o Wikipédia e do site oficial daTT.

Nomes famosos que fazem parte dessa história: – Giacomo Agostini,  Geoff Duke, Joey Dunlop OBE, Mike Hailwood,  Steve Hislop, David Jefferies, John McGuinness, Bob McIntyre, Dave Molyneux, Stanley Woods