Projetado para durar menos de 12 anos, inexistência de manutenção preventiva, técnicas de construção oriundas dos anos 1960 e menos de 13% de rodovias pavimentadas. Estas são algumas das constatações que surgiram de um extenso e profundo estudo realizado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).
A CNT fez um verdadeiro raio-x das rodovias brasileiras para buscar as razões para que nossos pavimentos sejam tão frágeis e escassos. Para isso, desenvolveu um trabalho de pesquisa ao longo dos últimos 13 anos considerando uma série de fatores e métodos de coleta de dados. E somente agora tornou público o resultado do estudo “Transporte Rodoviário – Por que os Pavimentos das Rodovias não Duram?”.
Os dados são alarmantes e refletem a sinuosa realidade que encaramos todos os dias ao trafegar (seja lá em qual tipo de veículo) por estradas do nosso país. Como método de pesquisa, a CNT considerou os resultados da Pesquisa CNT de Rodovias (anual, no período entre 2004 e 2016), realizou entrevistas com especialistas da área de pavimentação de diferentes instituições (como Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – Dnit, concessionárias e especialistas de universidades), levantou resultados de auditorias feitas por órgãos de controle e também pesquisou métodos e normas que regem as obras rodoviárias no Brasil e em outros países.
Como é feito o asfalto no Brasil?
Para fins de comparação, foram considerados métodos de dimensionamento de pavimentos flexíveis (com asfalto e não concreto) adotados no Brasil com as técnicas dos Estados Unidos, Japão e Portugal – sendo que estes três países estão entre os 13 com melhor colocação no ranking de qualidade de rodovias, no qual o Brasil ocupa a 111ª posição. Enquanto nos EUA emprega-se o método batizado de ‘MEPDG’ (Mechanistic-Empirical Pavement Design Guide, ou Guia de Dimensionamento Mecanístico-Empírico de Pavimentos), revisado tecnicamente pela última vez em 2015, o sistema utilizado no Brasil é conhecido por DNER (Método do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) está defasado desde 1960, ano em que teve sua ‘mais recente’ revisão técnica. Então o asfalto brasileiro começa aí, com 40 anos de defasagem em relação aos padrões atuais.
Além disso, o método brasileiro considera três fatores: tráfego, clima (é considerado um fator único para o país inteiro, que tem características climáticas diferentes) e capacidade de suporte CBR (California Bearing Ratio, ou Índice de Suporte Califórnia, que mede a capacidade de suporte do subleito e dos materiais constituintes das camadas). Já em outros locais consideram-se até cinco variáveis, também tomando como base o nível de confiabilidade do projeto e as propriedades mecânicas de cada um dos materiais empregados, além de considerar o clima específico daquela região.
Outro exemplo: enquanto Portugal, país do tamanho do Estado de Pernambuco, utiliza três zonas para calcular o impacto das variações climáticas sobre as técnicas e os materiais utilizados na construção de rodovias, o método empregado no Brasil não faz essa diferenciação importante para dar mais precisão ao projeto.
Segundo: enquanto outros países projetam seus pavimentos para uma durabilidade mínima de 25 anos (caso dos Estados Unidos, por exemplo), no Brasil ele é pensado para durar de 8 a 12 anos. Neste contexto, entra a falta de manutenção preventiva e periódica, uma vez que quase 30% das rodovias federais não estão cobertas por contratos de manutenção. Por falar em asfalto, no Brasil 99% do pavimento utilizado é ‘flexível’, via massa asfáltica, que tem durabilidade menor do que o pavimento ‘rígido’, que utiliza concreto.
Principais problemas
Papel e caneta na mão, pois a lista é extensa. Além do já citado método de construção, a falta de fiscalização é apontada como um dos principais problemas do pavimento que temos no Brasil. De acordo com o estudo, muitas obras são entregues fora dos padrões mínimos de qualidade, exigindo novos gastos para correção de defeitos que podem corresponder a até 24% do valor total da obra. Aliás, até 2013 o Dnit não tinha parâmetros técnicos para recebimento das obras concluídas (fato tão absurdo quanto real, infelizmente).
A falta de fiscalização também ocorre após a entrega das rodovias, visto que com poucas balanças em operação e sem fiscalização adequada, também cresce o problema do sobrepeso no transporte de cargas, cujo impacto reduz a vida útil do pavimento. Por falar em transporte de cargas, pasmem: apesar do Brasil ter mais de 9,2 mil quilômetros de costa (para não falar em rios, aeroportos e na escassa malha ferroviária), 60% do transporte de cargas no país se dá via setor rodoviário, além de mais de 90% do transporte de passageiros no país.
Ademais, o desgaste é a principal deficiência constatada no período de 2004 a 2016, através da realização anual da Pesquisa CNT de Rodovias. O percentual de trechos com pavimento desgastado (que possui sinais de desgaste, com aspereza superficial no revestimento, porém não há buracos. Também pode haver, isoladamente, fissuras e trincas transversais ou longitudinais) passou de 13%, em 2004, para 49%, em 2016.
Enquanto isso, o índice de pavimento perfeito (que apresenta ótima condição e perfeita regularidade na camada de revestimento) no país caiu de 48% para 32% no mesmo período, fazendo referencia à gestão pública. Já nas rodovias sob gestão privada, também foi constatado aumento da extensão do pavimento classificado como desgastado e com trinca em malha/remendo, coincidente com os aumentos da extensão total o que, na avaliação da CNT, pode ser reflexo da situação prévia das rodovias transferidas para a gestão privada nas concessões realizadas no período analisado.
Possíveis soluções para o asfalto brasileiro
“Mesmo sendo essencial para a nossa economia, mais uma vez, constatamos que o setor não vem recebendo a devida atenção por parte do poder público”, lamenta Clésio Andrade, presidente da CNT. “Sem uma malha rodoviária de qualidade e proporcional à demanda do país, a economia brasileira terá dificuldades de crescer de forma dinâmica e na rapidez de que o país necessita”, continuou. Outro dado que emergiu no estudo, aponta que somente em razão da má qualidade do pavimento, em 2016, o setor de cargas registrou um gasto excedente de 775 milhões de litros de diesel, que provocou um aumento de custos da ordem de R$ 2,34 bilhões.
Diante deste cenário, o trabalho de pesquisa indica algumas possíveis soluções e oportunidades de melhorias. Dentre elas, a adoção de critérios de contratação de obras de execução do pavimento, que considerem a qualidade técnica como fator preponderante sobre o preço; realização da análise do custo do ciclo de vida do pavimento e de ensaios de materiais para seleção dos melhores insumos e alternativas tecnológicas para se empregar nas obras; integração entre áreas responsáveis pela manutenção e gestão dos pavimentos para otimizar os recursos aplicados; e atualização do método de dimensionamento utilizado pelo Brasil com adoção de novas técnicas e softwares capazes de dar maior confiabilidade e precisão aos projetos.
Confira o projeto na íntegra clicando aqui.
Opine sobre suas experiências
Você também pode dar sua opinião e relatar suas experiências em trafegar sobre o pavimento brasileiro. Isto porque o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Empresa de Planejamento e Logística (EPL) estão realizando uma pesquisa online (batizada que Qualirodovias) para medir a percepção dos usuários sobre a qualidade e a segurança das rodovias brasileiras. Abrangendo todo o território nacional, o objetivo do trabalho é atingir 10 mil participantes.
A ideia central é traçar um panorama detalhado dos aspectos mais valorizados pela população para a escolha de seus deslocamentos rodoviários pelo País, bem como as experiências que os participantes já obtiveram. Para isso, a Qualirodovias considera os hábitos dos usuários e os elementos tidos como fundamentais pelos motoristas para eleger uma determinada rodovia, incluindo segurança, tempo de viagem, qualidade da pavimentação, custos de pedágios, serviços e assistência ao usuário. Segundo os realizadores, as informações coletadas também serão utilizadas para embasar outros estudos das organizações para a formulação de políticas públicas.
A duração média da pesquisa é 10 minutos, e você pode participar clicando aqui.
Fontes: CNT, IPEA e Empresa de Planejamento e Logística / Ilustrações e imagens extraídos do estudo Transporte Rodoviário – Por que os Pavimentos das Rod