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A nossa relação com a dualidade vida e morte, sob todas as crenças e estigmas dessa nossa existência terrena, nos acompanha desde o primeiro momento do nosso despertar para o mundo até o não acreditado último dia.
Esta abertura acima não é nenhum prenuncio de que descobrimos algo revelador ou fato novo. A nossa atenção está noutro ponto.
 

Para viajar basta existir (Fernando Pessoa)

Para viajar basta existir (Fernando Pessoa)

Olhando toda essa trajetória, e imaginando-a até o seu final, me pergunto sempre se deveria escrever ou elaborar algo que prestaria conta a tantos nos momentos seguintes a este último suspiro.
Inoculando este pensar, os motivos desta prestação de contas teriam duas principais razões.

A primeira delas, no sentido que a companheira, os filhos, familiares e amigos pra sempre, se dessem conta que o que estaria ali postado num estado pós-moribundo não é o meu ser, é apenas uma imagem degradada da “cápsula” que me foi concedida para um exato tempo de uso em uma parte de toda a nossa existência. O meu ser, ao contrário disso, continuaria intacto e inabalável, pois na sua essência ele é imaterial. Tudo isso com o intuito que este pensar lhes traria conforto, confirmando que eu estaria bem e que eles tratassem de ficar também.
E que por acreditar piamente que todo este nosso plano de existência conjunta sempre esteve muito além de qualquer estado que nos encontremos, que se confortem mais, pois temos muito a existirmos juntos ainda na eternidade. Esses nossos vínculos estão firmados há muito no universo. E perdurarão.

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Estou preparado. Neste momento já estou preparado, mas não desejoso que isso venha acontecer brevemente. Não por não acreditar que o dito seja verdade realmente, mas por influência do medo de mudança, doença viral transmitida enquanto “cápsula”, dentre tantas outras que este estado permite adquirir e dificultar o tratamento e cura.

Mas enfim, o simples fato de pensarmos em escrever algo desse cenário “auto-pré-fúnebre”, imaginando o seu conteúdo e leitura, mesmo não o realizando, nos possibilita uma enorme oportunidade de mudar, recebendo um extrato da nossa qualidade como pessoa. Algo como se utilizar da possibilidade de morte pra implementar boas mudanças na nossa vida.

Nesta seara, a segunda razão diz respeito a relatar os nossos “por quês” de tudo que fizemos, sem censura e com toda honestidade e sinceridade. E não fazê-lo pra se orgulhar, desculpar ou justificar do que fizemos de certo e errado, apenas pra relatar os “por quês”. E pensar.

Nestes imaginários relatos reais deveriam estar todos os por quês das nossas tentativas de fazer as coisas certas em que tudo deu errado.
Dos por quês de nosso sacrifício, mesmo com todas as tentações, de sermos exemplos para nossos filhos.
Dos por quês de quando fraquejamos e não fizemos na íntegra e com correção o que deveríamos ter feito.
Dos por quês de pelo fato de não estarmos sendo observados, praticamos por tantas vezes pequenos atos que repugnamos em outrém.

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Seguindo, nos imaginando em relatos reais, sem censura e com toda honestidade e sinceridade.

Dos por quês das nossas mentiras, que mesmo pequenas e por algum propósito, continuaram a ser iguais a uma grande mentira.
Dos por quês da nossa baixa tolerância em diversos momentos na lida com nossas crianças e indefesos, e que no momento seguinte nos sentimos um ser repugnante.
Dos por quês dos nossos discursos como doutrinador e dono da verdade num contexto, e noutro, à seguir, não parecendo ser a mesma pessoa.
Dos por quês de nossa incapacidade de lidar com a linha tênue que separa o certo e o errado em muitas situações.

Dos infinitos por quês.

Imaginando relatos reais, pra viver a morte com o objetivo de aprender a viver a vida.

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“O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela” (Fernando Pessoa)