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Pneus Esportivos

Muito do que se fala sobre pneus esportivos é pura especulação. Conheça algumas verdades

Por Geraldo Tite Simões

A expressão “senso comum” é utilizada para definir tudo aquilo que a gente ouve falar, repete e acredita, sem pesquisar para saber se é verdade, ou não. Nós crescemos ouvindo “leite com manga faz mal”, e coisas do tipo. Quando se trata de motos, o número de pessoas que caem – literalmente – neste senso comum é assustador. E o principal alvo das crendices motociclísticas diz respeito aos pneus. Principalmente os pneus esportivos.

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Muitos donos de moto esportiva vêem as motos de competição equipadas com pneus de especificação racing e acreditam que tudo que é bom para as pistas deve ser bom também para rodar nas ruas e estradas. O raciocínio é falso, porque nas condições de corrida os pneus atingem temperaturas muito elevadas, que são ideais para o seu funcionamento.

Imagine as motos esportivas cada vez mais potentes. Para transferir esta potência toda para o chão é preciso pneus de alta tecnologia. Não apenas para oferecer ótimas condições de estabilidade em curvas, como também – e isto é esquecido pela maioria dos motociclistas – proporcionar aderência nas frenagens.

Os pneus devem cumprir três papéis: estabilidade, aderência em frenagem e conforto. Ainda têm de suportar os obstáculos das estradas e durar o suficiente para o motociclista não se sentir lesado.

Estabilidade

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Não é novidade para ninguém que as motos esportivas inclinam para fazer curvas. Nesta posição, a área de contato do pneu com o solo é representada pela lateral da banda de rodagem. Quanto maior for esta área, mais borracha estará em contato com o solo e a moto terá mais aderência. Por isso os pneus ficaram cada vez mais largos, medida determinada pelo primeiro número que aparece na especificação, por exemplo 200/55-17. Neste caso, 200 é a largura em milímetros. Porém, tudo na vida tem limites e com pneus não é diferente. A largura é limitada pela balança traseira da suspensão, que não pode ficar muito larga, sob risco de provocar torções quando submetida às forças de gravidade nas curvas.

A solução, então, seria oferecer compostos mais macios. Mas isto também não seria bom, porque a borracha muito mole iria fazer os pneus deformarem nas frenagens e acelerações. Qual a solução? Usar compostos diferentes num mesmo pneu. Manter a parte central do pneu (de maior perímetro) mais dura e fazer as laterais mais moles. Assim, o pneu ficaria bom para curvas e frenagens.

Para conseguir isto foi preciso ajuda da química e da tecnologia aeroespacial. A química entrou com uma solução, com cristais de sílica, que se rompem quando a temperatura do pneu chega a um determinado valor, sempre acima de 60o C. Nesta temperatura os cristais liberam a sílica que altera a composição química da borracha nas laterais. Desta forma o pneu fica mais “macio” nas laterais, mas conserva o centro – onde não tem os cristais – rígido o suficiente para não deformar nas frenagens e acelerações.

Aqui começa um dos problemas dos motociclistas que usam pneus de competição em motos de rua. Nem sempre a condição climática leva o pneu às temperaturas acima de 60o C. E abaixo desta temperatura o pneu esportivo é tão eficiente, ou mesmo pior, do que um pneu touring. Além disso, depois que estes cristais se rompem, eles não são recuperados. Se observarmos os pneus de competição usados, poderemos notar um tom azulado nas laterais, como se tivesse passado sobre o óleo. Isto significa que este pneu já não vai oferecer a mesma eficiência de um novo. Por isso as equipes utilizam cobertor de pneus, para que eles nunca esfriem e mantenham o composto químico inalterado.

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Alguns motociclistas que compram pneus usados de competição podem nem estar cientes que estes pneus já não oferecem a estabilidade que imaginam. E mais: os pneus de competição não têm sulcos nas laterais, o que é uma temeridade no piso molhado. Quando chove, os pilotos de corrida trocam os pneus por compostos especiais que drenam a água com rapidez e eficiência.

Frenagem

A revista Das Motorrad, do grupo Luike Motorpress, realizou testes com pneus esportivos, de especificação racing. A dúvida era saber se este tipo de pneu oferece frenagem mais eficiente do que um pneu sport-touring. Para evitar as deformações nas frenagens, os pneus recebem fibras sobrepostas nas carcaças, que podem ter nomes como PenTec, Rayon ou Kevlar, materiais desenvolvidos em pesquisas aeroespaciais. As fibras são posicionadas em ângulos radiais que variam de 60 a 75o, mas ainda recebem uma cinta em ângulo 0o para evitar a deformação radial.

Os pilotos da Motorrad utilizaram uma Kawasaki ZX-12 e testaram quatro pneus de marcas e compostos diferentes, inclusive dois de competição: um da categoria Supersport e um slick da categoria MotoGP. Os testes comprovaram o seguinte:

– Os pneus de competição necessitam pré-aquecimento para oferecer o desempenho desejado. Quando a moto começa a rodar, nem sempre o calor é mantido, porque o ar fresco arrefece a borracha, a menos que o asfalto esteja a mais de 45o C. Mesmo assim, basta parar de rodar alguns segundos para que o pneu arrefeça. Foram feitas seis repetições e o modelo utilizado na categoria Supersport foi perdendo eficiência à medida em que esfriava. Sua capacidade máxima de desaceleração (medido com acelerômetro, ou medidor de G), foi de 9,8 m/s2.

– O pneu da MotoGP consegue manter a temperatura por mais tempo e sua frenagem é mais modulável, no entanto, o desenho “bicudo”, em ângulo fechado, para dar mais área de contato nas curvas, dificulta a dirigibilidade nas frenagens mais fortes. A capacidade de desaceleração é a maior de todas, atingindo 10,4 m/s2.

– Os dois modelos Sport-Touring de marcas diferentes oferecem poder de desaceleração entre 9,8 de 10,0 m/s2, ou seja, igual ou acima da força da gravidade (9,8 m/s2), sendo que uma das marcas conseguiu manter-se mais equilibrada nas frenagens fortes do que seu concorrente.

Pode-se concluir que, em termos de eficiência de frenagem, o pneu sport-touring consegue um rendimento tão bom quanto o sport-racing, com a vantagem de menor custo, maior durabilidade e imunidade às variação de temperatura.

Conforto e calibragem

O conforto é outro item desprezado pela maioria dos donos de motos esportivas. Quando os projetistas desenham uma moto já sabem que nível de conforto pretendem dar aos seus consumidores. Pensando nisso projetam a suspensão, posição de pilotagem e o tipo de pneu que será utilizado. Quanto maior for o perfil do pneu, representado pelo segundo número na medida-padrão (65,60,55,50), maior será o efeito amortecedor, portanto mais confortável para o motociclista. Alguns usuários alteram a medida original e depois não entendem porque suas motos ficaram “duras”.

Além disso, o perímetro do pneu é um dos componentes da relação final de transmissão (que inclui ainda o câmbio, pinhão e coroa). Quanto maior o perfil, maior será o perímetro. E quanto maior o perímetro, maior (ou mais “longa”) será a relação final de transmissão. Quanto um motociclista troca o pneu original, de perfil 65, por exemplo, por um de perfil 55, ele está diminuindo a relação final de transmissão e a moto ficará mais “curta”. Consequentemente a velocidade final será menor, mas terá mais respostas em aceleração e saída de curvas.

Já a calibragem é outro foco de informações desencontradas. Em primeiro lugar: a calibragem recomendada pelo fabricante já prevê condições diversas, como piso seco, molhado, quente ou frio. Portanto, não se deve alterar a calibragem em função destas variáveis. No caso de piso molhado o erro é gravíssimo. Muitos motociclistas, principalmente os mais antigos, costumam reduzir a calibragem para deixar o pneu mais mole. Só se esquecem que isso vai fazer os sulcos (encavos) dos pneus ficarem mais estreitos e vai piorar o escoamento da água. Ou seja, nada de mexer na calibragem sobre piso molhado.

Outro erro é calibrar o pneu quente. Somente as motos de corrida calibram o pneu quente, mas utiliza-se nitrogênio e não ar (atmosfera). Entre os componentes da nossa atmosfera está o oxigênio, gás carbônico, nitrogênio, outros gases e água. A tal umidade relativa do ar significa o quanto de H2O tem na atmosfera. O ar do cilindro que infla os pneus contém água. Quem já ferveu água sabe que as partículas de H2O se atritam com o calor e aumentam de tamanho, fazendo a pressão subir. Por isso existem as válvulas nas panelas de pressão, para evitar que elas estourem. Quando o ar dentro do pneu esfria, as moléculas voltam ao tamanho natural e a pressão reduz.

Como a vedação da roda nunca é 100%, quando a pressão aumenta, parte do ar se perde, por isso devemos calibrar constantemente os pneus, mas com eles frios. E também recomenda-se trocar a válvula (bico) da roda, no caso dos pneus sem câmera, sempre que trocar os pneus, mantendo uma boa capacidade de vedação.

A vantagem do nitrogênio na calibragem é a ausência de H2O na composição, o que ajuda a manter a temperatura interna mais baixa, sem elevar a pressão.

Mais uma dica para finalizar. Lembre-se que os pneus ficam não apenas gastos, mas também velhos. Desde o momento em que o pneu sai da linha de montagem ele já entra no seu período de envelhecimento. A mistura do pneu tem elementos naturais e sintéticos que perdem sua capacidade mesmo sem nunca rodar nem um quilômetro sequer. Portanto, fique de olho nos pneus de motos que rodam pouco. O primeiro sinal de envelhecimento são minúsculas trincas dentro dos encavos (sulcos), como se fosse cracelê de porcelana. Mesmo que ainda tenha mais de 2,5mm de sulco, este pneu já está comprometido.

Costumo dizer que donos de motos esportivas não podem pensar como donos de motos utilitárias. Uma moto que vale mais de R$ 20 mil merece sapatos finos, sempre novos e confortáveis. Economizar em pneus pode sair muito mais caro do que se pensa.

*Geraldo Simões, jornalista e instrutor do Curso SpeedMaster de Pilotagem.

Tite
Geraldo "Tite" Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos BikeMaster e Abtrans.