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Foto: Para a prefeitura de SP esse ‚ um motoboy com garupa!

Foto: Para a prefeitura de SP esse ‚ um motoboy com garupa!

O mundo ‚ cheio de coisas que me irritam profundamente. At‚ parece que as pessoas vieram ao mundo s¢ pra me irritar. Por exemplo, quer coisa mais irritante do que velha fumando? P“, a velhinha est  quase morrendo de enfisema pulmonar, mas continua fumando, tossindo e catarrando na cara da gente. Outra coisa que me irrita ‚ homem segurando bolsa de mulher em Shopping Center, enquanto a patroa prova roupa. D  vontade de chegar no cara, arrancar a bolsa da mÆo dele e botar ordem na casa, do tipo:

– Qual‚, mermÆo, nÆo te deram educa‡Æo de macho?

Gente que fala errado tamb‚m irrita muito, porque h  muitos anos falar corretamente virou brega nos meios intelectuais brasileiros. A ‚tica do Seo Craysson se espalhou por a¡ que nem catapora em jardim da infƒncia. Pior ainda quando ou‡o erros prim rios saindo de boca de profissionais que tˆm o poder de difusÆo. Neste cap¡tulo, merece destaque as transmissäes da F¢rmula 1. Al‚m do marasmo que a gente percebe em cada domingo de corrida, tenho de ouvir patadas do tipo:

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– O piloto foi penalizado com stop and go!

O verbo penalizar significa sentir pena de algu‚m. Quando o Rog‚rio Ceni perde um pˆnalti eu fico penalizado, pois d  pena ver a cara de frustra‡Æo dele. Quando o Felipe Massa perde uma corrida por causa de um regulamento imbecil, eu fico penalizado. Mas quando um piloto queima a largada ou xinga a mÆe do outro, ou corre demais na  rea dos boxes ele ‚ PUNIDO! Ou seja, sofre uma puni‡Æo e paga a puni‡Æo com uma parada no box. E antes que um advogado me escreva dizendo que existe a expressÆo “penalizado”, eu afirmo: sim, da mesma forma que existe a forma “perca” do verbo perder, mas nÆo ‚ recomend vel usar expressäes como “perca de potˆncia” e nem “o piloto foi penalizado”.

Outro v¡cio de linguagem que est  na moda ‚ o insuport vel “eu, particularmente”. Os comentaristas da Globo adoram usar este s¡mbolo m ximo da hipocrisia, j  que pressupäe a existˆncia de v rios “eus”. Por exemplo, o “eu coletivo”, que emite uma opiniÆo na frente dos outros e o “eu particular”, que tem uma segunda opiniÆo quando est  “num particular”. Esta manifesta‡Æo de personalidade de plan ria j  contaminou v rias pessoas, inclusive os entrevistados. Parece uma pandemia de esquizofrenia psic¢tica que leva as pessoas a desenvolverem v rias personalidades, uma para cada ocasiÆo, como se trocassem de roupas. Todo eu s¢ pode ser particular, caso contr rio tornar-se-ia imediatamente “n¢s”. A¡ entra em cena outro v¡cio que me irrita, sobretudo em esportistas: o plural majest tico, que nada mais ‚ do que usar “n¢s” no lugar de “eu”.

Outra p‚rola da comunica‡Æo global ‚ a transferˆncia de sujeito. Vocˆ j  ouviu a c‚lebre frase do GalvÆo Bueno:

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– A¡ vocˆ tem de largar com tanque cheio e administrar…

Vocˆ quem? Eu? Vocˆ, leitor? Ou o piloto?

Uma vez uma amiga me ligou, reclamando:

– Ai, sabe estes dias que vocˆ acorda menstruada?

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Na hora interrompi e argumentei que jamais tinha passado por esta rica experiˆncia de acordar menstruado. Pelo menos que eu lembre, pois numa encarna‡Æo passada eu poderia ter acordado menstruado, com TPM, c¢licas e at‚ gr vido.

Esta “transferˆncia de sujeito” ‚ mais uma heran‡a do american way of life, j  que os americanos transformaram toda comunica‡Æo em manuais de auto-ajuda. NÆo existe mais sujeito em inglˆs, s¢ “you”. Essa irritante mania j  impregnou nossos jornalistas. Chega a ser engra‡ado ouvir o GalvÆo narrando:

– A¡ vocˆ tem de frear no limite na entrada do box.

Eu estou em casa, sentado no sof , tomando caf‚ e nem por sonho vou entrar no box.

Finalmente, a terceira coisa que me irrita profundamente ‚ “jornalista” falando sobre trƒnsito. Desde que as motos entraram na m¡dia como as grandes vilÆs do trƒnsito parece que todo jornalista virou especialista no assunto. A r dio CBN, capitaneada por dois dos jornalistas mais preconceituosos que j  conheci, Her¢doto Barbeiro e Milton Jung, diariamente fazem coment rios tÆo difamat¢rios com rela‡Æo …s motos e motociclistas que d  vontade de mandar prender ambos!

Especialmente o Milton Jung tem o h bito de conduzir as entrevistas e usar de ironias para desmoralizar os entrevistados quando o assunto ‚ seguran‡a de motociclistas. NÆo d  chance de o entrevistado defender a teoria, interrompe e ironiza. Pra completar, encerra a entrevista com algum coment rio notoriamente preconceituoso sobre o assunto.

Quando fui estudar jornalismo (amarrado e debaixo de porrada), j  havia a eterna discussÆo sobre a validade do diploma. Os “diplomistas” alegavam que a faculdade dava uma base cient¡fica para evitar que os futuros jornalistas cometessem erros graves de senso-comum. Por causa desta briga toda fui obrigado a estudar textos de sociologia, antropologia, metodologia cient¡fica, pesquisa, an lise de dados, estat¡stica e um inferno de mat‚rias. Tudo isso para nÆo sair por a¡ escrevendo batatadas sem base cient¡fica. E, ironia do destino, um dos meus professores foi o Her¢doto Barbeiro!

E aprendi que conclusäes sem base cient¡fica se tornam senso-comum e terminam no preconceito. O preconceito nada mais ‚ do que formar uma id‚ia pr‚-concebida sobre um assunto sem a devida an lise com base cient¡fica.

Pois ‚ isso que pratica o jornalismo da CBN, refor‡ado por outro “jornalista”, o Gilberto Dimenstein, que se auto-proclamou defensor da cidadania paulistana. Toda vez que Dimenstein se mete a falar sobre seguran‡a de motociclista ele comete as piores manifesta‡äes preconceituosas, como se todo motociclista fosse um potencial criminoso, a exemplo da teoria do “homem lambrosiano”.

J  mandei dezenas de cartas ao departamento de jornalismo da CBN, todas respondidas com uma mensagem autom tica, mas obviamente eles preferem entrevistar pessoas sem bagagem cient¡fica para defender os motociclistas. Assim podem ironiz -los e ridiculariz -los sem medo de passar por um debate inteligente.

O resultado ‚ que a administra‡Æo da cidade de SÆo Paulo manda e desmanda na vida dos motociclistas e a imprensa de modo geral ap¢ia os maiores absurdos porque nÆo tem nenhum especialista capaz de contestar essas leis rid¡culas, in¢cuas e, eventualmente, inconstitucionais, como a proibi‡Æo de rodar de moto com garupa.

Confesso que cansei. NÆo queria mais escrever sobre o assunto. E pretendo nÆo escrever mais porque j  existem entidades que deveriam fazer isso, como Abraciclo, Abram, sindicato dos Motoboys e outras agremia‡äes corporativistas. Eles recebem remunera‡Æo para isso. Se nÆo conseguem mudar a atual situa‡Æo discriminat¢ria dos motociclistas est  na hora de rever a fun‡Æo dessas entidades. E essa falta de representatividade me irrita demais!

Recomendo a releitura desse editorial no link abaixo: