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Moto grande, média ou pequena?

Já dizia nosso sábio Doctor Tite que a moto ideal são duas, já que a especialização exacerbada dos modelos atuais acabou resultando em modelos pouco versáteis. Ou existe uma moto ideal?

Antes que digam que eu surtei ou que bebi demais, esse breve comparativo entre uma Harley Electra Glide 1600, uma XT600 e uma XTZ 125 (juro que não estou louco!) serve para ilustrar uma dúvida muito comum entre os novos motociclistas. Qual a moto ideal?

A idéia de fazer essa coluna surgiu da oportunidade de estar com essas três motos em casa, ao mesmo tempo, e ter a “obrigação” de testar diariamente as duas recém compradas antes de levar para Penedo, na serra de Itatiaia, onde ficarão a maior parte do tempo. Antes, é sempre bom contar um pouco de história para apresentar os personagens. A Harley Electra Glide 2006 surgiu na minha vida após ter tomado a decisão de comprar uma moto para viagens longas, e infelizmente a moto escolhida foi uma Drag Star, que teve parte da sua história contada na coluna Aventuras e desventuras com uma Drag Star. Como a Drag Star não resolveu o problema, troquei pela Electra Glide poucos meses antes da linha 2007, com novo motor 1600cc, ser anunciada. Que ducha fria! Poderia ter esperado mais um pouco e pego o modelo 2007!

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FLHTCI Electra Glide Classic

Como tudo na vida tem um lado bom e um ótimo, resolvi mexer no motor da versão 2006 trocando o kit de pistões pelo original Harley (com garantia da fábrica) de 1550cc e um novo comando de válvulas da linha Screaming Eagle SE204, também garantido pelo fabricante. Essa aventura foi citada em detalhes na coluna Modificando o motor TC88 para TC95 e teve comentários nas colunas sobre compras nos EUA pela Internet, dicas para ajustar uma injeção eletrônica, além de uma experiência com os modelos Harley 2007 aqui no Brasil, entre outras. O resultado foi uma moto espetacularmente forte e econômica, significativamente melhor do que o modelo original 2006 e também melhor do que o modelo 2007 com o novo motor. Adoro minha Electra!

A duas recém chegadas, uma XTZ 125 K para a Claudia e uma XT600E para mim vieram quando decidimos ter duas motos mais leves para passear na região de Itatiaia, incluindo passeios por Visconde de Mauá, região de Resende e quem sabe até uma ida ao parque de Bocaina, todos próximos e com acessos ruins, impossíveis para a Harley. A compra dessas motos, especialmente os transtornos com a XTZ 125 estão na coluna Mulher e motos: casamento difícil!

Eis que em pleno inverno no Rio de Janeiro estou com as três motos em casa, e passeando com as três quase que diariamente para testar os ajustes de carburação com a 125, ou regulando detalhes na XT600 ou ainda passeando com a Electra para ela não ficar com ciúmes. Sabe como são as mulheres…

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Não preciso dizer como são imensas as diferenças entre essas motos, mas acho que essas observações podem ser úteis para qualquer motociclista que esteja pensando em comprar uma moto nova para viajar ou para andar na cidade, ou ainda para presentear a esposa ou o filho. A novidade é que não estamos falando só das motos isoladamente, mas especialmente do comportamento humano, do seu próprio (o motociclista), dos pedestres e dos demais motoristas e motociclistas que dividem conosco o mesmo trânsito. Vamos começar pela XTZ 125:

A moto é uma delícia, leve, fácil de dirigir, não é muito alta e tem excelentes suspensões e freios. Andando no trânsito pesado do Rio de Janeiro notei que os demais veículos ignoram completamente a presença dessa pequena 125, mesmo estando com os faróis ligados, o que me rendeu alguns sustos no início. A baixa potência da moto acaba nos levando a uma condução mais agressiva, buscando sempre estar à frente dos carros e costurando sempre que possível já que as retomadas são muito lentas e até perigosas se os carros estiverem em velocidade maior do que a sua. Finalmente entendi porque os motoboys parecem tão loucos no trânsito! Você literalmente tende a andar sempre mais perto do limite, em uma região de potência e velocidade onde essas 125 funcionam muito bem, que é entre 60 Km/h até no máximo 80 Km/h. Só que andar a 60 Km/h em um trânsito lento e pesado é sem dúvida uma condução muito agressiva, sujeito a retrovisores quebrados e alguns bons sustos. Não foram poucas vezes que apoiei os ombros na lateral dos ônibus, em plena curva, para chegar ao sinal com um motoboy encostado ao meu lado dizendo “e aí, mano?”.

Boatos sobre a vinda da Transalp ao Brasil circularam na mídia recentemente

Saindo de casa, muitas vezes eu opto por pegar um trecho do Aterro do Flamengo, onde o limite legal é de 80 Km/h, mas quase todo mundo anda a 100 Km/h. Com a XTZ 125 esse trecho é perigosíssimo, pois a moto chega relativamente fácil aos 70 ou 80 Km/h, mas depois só avança muito lentamente, chegando a uns 90 Km/h já comigo ligeiramente curvado sobre o tanque. Tenho certeza que a moto atinge uma velocidade maior do que essa, mas não nesse pequeno trecho em curva de apenas dois quilômetros que eu costumo pegar. Outro dia fui testar a moto subindo a estrada que vai para o Cristo Redentor, pelo lado do Cosme Velho. Não dá! Quando as ladeiras em paralelepípedo ficam realmente acentuadas só dá pra subir em primeira ou segunda marcha, e nos melhores trechos, relativamente planos, só dá pra conseguir um bom ritmo se a condução for bem agressiva, rápida mesmo, para pegar todo e qualquer embalo possível. Nas decidas com paralelepípedos, por outro lado, gratas surpresas: o freio a disco dianteiro é ótimo e a suspensão mantém a moto perfeitamente segura e estável, nada daqueles “cabritos” que acostumamos nas motos street.

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Com a XT600 a história muda sensivelmente. Embora o “respeito” no trânsito continue inexistente, mesmo com o farol ligado, há uma compensação pela moto ser muito ágil, permitir fortes retomadas, além de possuir freios excelentes, e as suspensões melhores ainda, tudo quase perfeito. As críticas ficam por conta da pouca proteção aerodinâmica, notada várias vezes em trechos de maior velocidade, como no Aterro do Flamengo, na Perimetral, Túnel Rebouças, entre outros, onde a postura ereta e o peito de frente para o vento tornam o trajeto cansativo. Em uma das vezes eu estava com um capacete de trilha recém comprado, aberto, e a aba superior forçava minha cabeça para trás com força mesmo aos 90 Km/h. Com um capacete fechado, um Shoei citado na coluna Capacete bom é ótimo! o conforto aumenta bastante, mas não é suficiente para uma condução em estrada a uns 120 Km/h por várias horas, nesse ponto a maior pressão é na altura do peito mesmo, e o banco duro só complica as coisas (o da 125 também é, diga-se de passagem).

A subida do Cristo Redentor é feita com muita velocidade, segurança e conforto. Locais onde a pequena 125 só subia em primeira são feitos em qualquer marcha, basta acelerar e ir trocando as marchas para cima. A moto ignora as subidas, e nas descidas com paralelepípedo você pode abusar que as suspensões garantem a tração necessária para a frenagem. No trânsito pesado noto que a altura do banco poderia ser menor, mas em trajetos curtos não incomoda tanto. É engraçado como a postura do condutor muda com essa XT600: não é necessário pilotar com agressividade, dá pra resolver qualquer enrosco só com o acelerador e chega a ser estranho como passei a chegar rapidamente aos destinos dentro da cidade, mesmo sem perceber tal vantagem imediatamente. Com a 125 eu chego cansado, assustado, pilotando feito um louco. Já com a XT600 o esforço é menor, a agilidade é ótima, a condução bem mais tranqüila, mas é preciso ficar atento aos assaltos. Infelizmente ainda é uma moto muito roubada.

Com a Harley Davidson Electra Glide o cenário muda completamente. A moto é muito pesada, quase 400 kg depois de abastecida, mas basta colocá-la em movimento que a criança fica dócil e gostosa de andar. No trânsito todos dão passagem, os pedestres até esperam você passar antes de atravessar a rua, talvez para poderem olhar melhor a moto. No sinal todo mundo cumprimenta, e nos corredores basta dar um toque na buzina que os carros vão abrindo espaço, como se fosse uma ambulância. Nada de sustos, o respeito é total, até os ônibus dão passagem e os motoristas ainda fazem um sinal pelo retrovisor. É curioso ver o olhar atento das crianças ou dos passageiros dos coletivos, mas engraçado mesmo são os sorrisos dos motoboys quando param ao seu lado curiosos com o som que está rolando: “É rádio?” perguntam… “MP3” eu respondo…

A Suzuki V-Strom 650 é uma versão menor da nossa atual V-Strom 1000, só que ao preço de uma Drag Star 650 nos EUA

Seria ótimo se as suspensões não fossem tão ruins. Atravessar bairros como Botafogo ou Copacabana, que não possuem um metro sequer de asfalto liso, é um tormento. Há trechos que, dependendo da velocidade, chego a sair do banco (e a Claudia também) nos saltos mais altos. É comum encontrar tudo revirado dentro do bagageiro, ou até quebrado como já me aconteceu mais de uma vez. Guardo uma lanterna em uma das malas laterais e estou pensando em desistir: já é a segunda que se quebra completamente, soltando a lâmpada, a lente, as baterias e tudo mais. Não dá! Com apenas 76 milímetros de curso na suspensão traseira é impossível andar com conforto na buraqueira do Rio de Janeiro. Só pra vocês terem uma idéia a XTZ 125 tem 180 mm de curso tanto na dianteira quanto na traseira, enquanto que a XT600 tem cerca de 225/220 mm de curso (o manual não é claro). Suspensão de moto Custom foi feita pra paises do primeiro mundo, não para o nosso.

Já fui ao Cristo Redentor com ela algumas vezes e é um tormento. Na ida, nas subidas de paralelepípedo, a moto parece um cabrito bravo, ruim de segurar. Nas decidas é quase impossível controlar, especialmente se estiver molhado ou com areia, como eu encontrei uma vez (não foi chuva, mas vazamento de tubulação). Como as suspensões são ruins, ocorrem travamentos na rodas enquanto o freio é acionado com mais força se a pista não for completamente lisa, isso sem contar com a dificuldade de se fazer uma manobra com a moto parada em plena subida ou decida. É preciso ter muito jeito para não cair. Há ainda um agravante nos quebra molas (infelizmente uma praga nacional) que é a baixa altura do solo da Harley. Se o quebra molas for do tipo “longo” até dá pra passar sem susto, no máximo tirando uma diagonal, mas se for do tipo curto e alto, fatalmente irá bater o quadro embaixo do motor. É melhor ir bem devagar…

Fiquei pensando se existe no mercado uma moto “ideal” que combine boa versatilidade em uso urbano com algum conforto para uso em estradas. Creio que para uso urbano a moto ideal estaria entre 250cc e 500cc e teria suspensões de uso misto ou “Dual Purpose” como se diz em inglês, com pelo menos 150 mm de curso. Aqui no Brasil a Falcon é a que mais se aproxima desse conceito, mas é uma moto que não tem agradado muito aos consumidores. Se a intenção é viajar um pouco, sem compromisso, o motor já deveria ter 600cc ou mais, para assegurar uma velocidade de cruzeiro compatível com os 120 Km/h da maioria das estradas interestaduais e é fundamental ter uma boa proteção aerodinâmica. Nessa hora me vem à cabeça a velha XT600 Teneré de 2 faróis, lançada entre 90 e 92, que aliava bom preço com versatilidade. Quem sabe não aparece por aqui uma Transalp de baixo custo, uma XT660 com carenagem integral ou ainda uma V-Strom 650 que custa lá fora o mesmo que uma Drag Star? É incrível que não haja no Brasil nenhum modelo “Dual Purpose” com essas características estradeiras. A mais próxima que temos é a ótima XT660R, mas ela carece de proteção aerodinâmica para viagens longas.

Infelizmente aqui no Brasil os buracos fazem parte do asfalto, só variam de tamanho, daí a importância das suspensões, mesmo que não se vá pegar uma terra com ela. É surpreendente ver o sucesso que as motos Custom estão fazendo por aqui, que embora sejam lindas e confortáveis com piso bom, são terríveis quando são obrigadas a enfrentar buracos e lombadas de nossas ruas e estradas. São distorções típicas de um país que ainda não se conhece muito bem, e de um mercado concentrado em motos de 125cc que nunca viram uma auto-estrada na vida.

p_c