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Por: Doctor Tite

Se é mecânico tem conserto! Assim meu avô Renato costumava se justificar para manter uma oficina totalmente abarrotada de todo tipo de máquina: de moedor de cana a uma Jawa 250cc; de uma máquina de lavar roupa a um Gordini 1966. Naquela casa em Suzano se consertava tudo, “só não tem conserto pra morte”, ele completava. Minha mãe herdou essa capacidade e até hoje eu a pego com chaves de fenda e rolos de fita isolante consertando aparelhos eletrodomésticos.

Quanto a mim, terceira geração de consertadores, transferi essa capacidade de consertar tudo para as motos. Até tento reparar um liquidificador aqui, ou um VW Passat ali, mas admito que carros e aparelhos pequenos nunca me saciaram tanto quanto as motocicletas. Desde a pré adolescência tinha mania de desmontar tudo pra ver como era por dentro e, logo em seguida vinha minha mãe montar tudo de novo. Quando eu quis trocar as velas do Fuscão dela descobri que a colocação dos cachimbos deveria obedecer a uma ordem e o motor não pegava nem a pau! O mecânico foi chamado, ele olhou para minhas unhas sujas de graxa e sentenciou:

– Vê se da próxima vez cola uma fita em cada cachimbo pra saber qual vai aonde!

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Assim que ganhei a primeira moto, aos 12 anos, passei a devorar todas as publicações especializadas. Ainda não havia revistas no Brasil e precisava recorrer às caríssimas revistas italianas vendidas no aeroporto de Congonhas. A mesada ia toda embora em Motociclismo, Tutto Moto e Moto & Tecnica! E para desespero da minha família, tudo que eu aprendia nas revistas tentava repetir na minha moto. Foi um aprendizado duro para mim, minha moto e o saldo bancário dos meus pais!

Foi em uma dessas revistas que li uma matéria inesquecível sobre “gambiarras” pra não ficar parado na estrada. Tinha dezenas de truques que acabaria usando ao longo da vida. Um deles, por exemplo, destinado aos motores dois tempos, era usar óleo de cozinha na falta do lubrificante específico para o motor. E cheguei mesmo a colocar óleo Mazola na minha Suzuki A 50II e não é que funcionou! O problema era o cheiro de fritura…

Aprendi outro macete para contornar um furo de pneu longe de qualquer borracharia. Segundo a reportagem, bastava retirar a câmara, encher o interior do pneu de capim e sair rodando. O capim funcionaria como amortecedor pra não detonar a roda. Tite observa o mapa na KTM 350 e descobre que está mais perdido que um peru bêbado. Note a fatídica mousse amarrada no bagageiro da XLX 350 Dionísio Malheiros tenta consertar o pneu da XLX350 sob olhares assustados de dois peruanos, afinal, não é todo dia que alguém enche o pneu de capim!

Tite e o cavaleiro que o ajudou a tirar a moto de dentro do rio gelado! Foi assim que Dionísio comemorou nossa chegada a um vilarejo qualquer, pelo menos não estávamos mais perdidos!

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Muitos anos mais tarde, durante o Rally dos Incas, em 1989, no Peru, eu estava pilotando uma KTM 350, acompanhado do Dionísio Malheiros, de Honda XLX 350. Éramos os apoios da delegação brasileira composta por uma dúzia de pilotos. Assim que chegamos ao Peru descobrimos que as equipes estavam usando um tal de mousse no lugar da câmara de ar. É uma espuma de alta densidade que funciona como câmara, mas em vez de ar tinha a espuma. Os pilotos brasileiros compraram aquela mousse – uma fortuna, diga-se de passagem – e enfiaram nas rodas. Só que obviamente as medidas eram diferentes. Resultado: encontramos o Marcelo Bessa na especial mais longa, parado com sua XLX 350R e a mousse toda esparramada pra fora do pneu.

Sem tempo pra encontrar outra solução, arrancamos a roda traseira da XLX do Dionísio e passamos pra moto do Marcelo. Que foi embora e nos largou abandonados em qualquer lugar entre Cuzco e Puerto Maldonado. Olhei em volta e quis chorar!

– Karaka, Diona, e agora? Como vamos embora daqui???

Naquela altitude (alto pacas) o sol parecia lâmpada de geladeira: iluminava, mas não esquentava nicas. O frio era de gelar as intimidades e pra piorar minha situação, quilômetros antes eu tinha caído com moto e tudo dentro de um rio.

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Foi então que veio a lembrança da Motociclismo italiana:

– Já sei! Esbravejei – vamos encher o pneu de capim!

Saí cortando alguns hectares de capim seco, sob olhares ameaçadores de lhamas e alpacas e socamos tudo dentro do pneu. Montamos a roda e partimos para qualquer lugar longe daquela friaca siberiana.

Não sei que espécie de capim tem na Itália. Ou se as mulas italianas se alimentam melhor e são mais fortes que as peruanas, mas o fato é que em menos de 1 km o capim tinha virado pó junto com minha esperança de uma Itália mais avançada tecnologicamente que o Brasil. Quando já me imaginava um legítimo estalacTite nas serras peruanas, encontramos uma casa com uma Hondinha 125 literalmente abandonada no quintal. Naquela época o grupo Sendero Luminoso tocava o terror nas vilas peruanas e eu morria de medo de me aproximar de uma casa e ficar mais esburacado que um queijo suíço.

Fui devagar, me aproximando da porta quando um porco saiu gritando de dentro e quase me matou do coração! Atrás dele veio uma família tão assustada quanto eu e o porco. Oferecei um punhado de Intis (a moeda da época) em troca da câmara e eles quiseram me empurrar a moto toda pelo mesmo valor. Tremenda pechincha, se pelo menos tivesse a tampa de válvula.

Tiramos a roda, pegamos a câmara aro 18 polegadas, montamos na roda 17 polegadas da Xizelona e voltamos ao calor do hotel em Cuzco… à meia-noite, depois de nos perdermos como dois perus bêbados por aquelas serras!

Uma situação bem mais quente e menos desesperadora vivi na aprazível Ilhabela, litoral norte de São Paulo. Estava com minha saudosa Yamaha DT 180 curtindo as trilhas da ilha. E estreava um capacete de cross novinho, presenteado por um fabricante que não existe mais. Tudo perfeito e bucólico até descobrir que num segundo de distração alguém malufou meu capacete!

Naquela época a lei só exigia capacete na estrada e eu teria de passar por três barreiras policiais até chegar a São Paulo. Domingo, em 1983, na Ilhabela e sem capacete pra voltar pra casa. Procurei uma loja de moto, oficina, desmanche, ferro-velho e … nada! Até que uma criança brincando na praia me deu a idéia: fazer um capacete!

Peguei uma daquelas bolas coloridas de plástico, cortei em formato de capacete e meti na cabeça. Ótimo, mas tinha de resolver o problema do vento querer arrancar o meu “capacete” de plástico. Fiz uma cinta jugular com a tira da mochila e ainda usei meus óculos de natação por cima. Ficou tão perfeito que a cada barreira policial eu buzinava e acenava para os guardas, que devolviam o aceno àquele alegre, responsável e colorido motociclista.

Melhor sorte não teve um amigo, colecionador de Vespas e Lambrettas. Durante uma viagem pelo interior com sua Lambretta de rodas aro 8 polegadas – isso mesmo OITO polegadas – passou por cima de uma placa de ferro e rasgou o pneu. Isso não seria problema, afinal as motonetas têm estepe. Menos a dele, claro, porque o pão duro já tinha usado o estepe na roda dianteira (sim, era o mesmo pneu na frente e atrás) quando o pneu da frente ficou irremediavelmente gasto.

Ele estava diante de situação desesperadora, afinal quem teria um pneu aro 8 polegadas em pleno século 21??? Claro, porque essa é uma história recente. A solução veio de dentro de uma obra. Mais especificamente, em um carrinho de mão. Colou o nariz no pneu e só viu a medida: 2.50×8 “É isso! Estou livre!”, gritou, oferecendo uma bela grana pelo pneu do carrinho, rapidamente aceita pelo pedreiro.

Montou tudo em 5 minutos e se mandou de volta pra estrada. Mal chegou a 60 km/h começou a notar um sacolejo estranho, reduziu a velocidade e PÓU!!! Estourou o pneu! Foi assim que ele descobriu que pneus de carrinho de mão foram feitos para rodar a velocidades bem pequenas, afinal é movido a propulsão humana e ainda no meio da obra. Esse foi um improviso que poderia ter saído muito mais caro!

Já passei por um que realmente saiu caríssimo! Foi numa revista Duas Rodas dos anos 70 que li o relato de uma viagem incrível feita por um mecânico do meu bairro chamado Nivaldo Corrêa. O Nivaldo percorreu a América do Sul em uma Jawa 175cc dois tempos e levou um monte de pistão na mochila porque toda hora furava um pistão por causa do ar rarefeito dos Andes. Quando acabaram os pistões conseguiu se safar do problema com muita criatividade. Ele enfiou um parafuso de cabeça plana por cima, com uma porca por dentro do pistão. E conseguiu viajar até o destino dessa forma! Muito educativo!

Alguns anos depois lá estava eu na estrada com uma Yamaha 125, dois tempos, de dois cilindros, subindo a serra de Caraguatatuba (sem carta!) quando de repente um dos cilindros morreu. Nessa época era normal queimar vela e fui direto na minha mochila pegar uma vela nova. Mas nada! Continuava com o cilindro mortinho da silva. Fiz o teste de compressão e percebi que o cilindro da direita estava mais fraco que suor de alma. Tirei o cabeçote e descobri um furinho como se um rato tivesse comido a cabeça do meu pistão.

Lembrei imediatamente da lição da revista e saí à procura de um parafuso. Tapei o buraco, mas não tinha nenhuma chave soquete para segurar a porca por dentro. Decidi apenas apertar o máximo que meus dedos aguentavam, montei tudo e fui embora, bem devagar, claro.

Quando já estava na marginal Pinheiros, o motor fez um barulhão, travou e quase fui atropelado por uma Kombi! Foi aquela velha história de chamar amigos (numa época pré-celular), rebocar a moto até a oficina e esperar pelo pior. Bota pior nisso: levei a moto no mesmo mecânico, o Nivaldo Corrêa que só perguntou:

– O que você JOGOU dentro do motor?

Pra resumir: a porca se soltou, foi parar lá no virabrequim causando um estrago fenomenal. Mas o pior mesmo foi o parafuso, que além de ser triturado no cabeçote, partes dele correram pelo buraco aberto no pistão e riscaram toda a camisa. Foi o improviso mais caro da minha vida! Teria saído muito mais barato pagar um guincho até minha casa! Hoje, o máximo de improviso que me permito é pedir um celular emprestado!

Tite
Geraldo "Tite" Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos BikeMaster e Abtrans.