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Perguntou no fórum o nosso grande motonliner Douglas 00 :

“Criei este tópico para trocarmos experiências na restauração de motos clássicas, antigas, ou mesmo aquela reformadinha básica, pois você ficou com pena de vender a moto. Será que vale a pena restaurar, ou por que não entrar num financiamento de um zero, etc.O que me dizem, amigos?”

Certamente ele deveria encontrar uma chuva de posições e respostas para essa questão tão ampla, e de certa forma restrita.

Como não sou louco, comecei a escrever sobre a restauração das antigas e das clássicas (afinal essa é minha praia), mas foi ficando tão longo que acabei reduzindo um pouco e transformando nessa matéria.

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Não existe um manual propriamente dito para esse tipo de trabalho, pois cada caso é um caso, mas tentarei disponibilizar a minha atual experiência no assunto, fazendo a primeira e grande pergunta: qual é a moto?

Vou partir da premissa que seja uma com pelo menos 20 a 25 anos de idade, e ai cabe a segunda boa pergunta: você já tem ou vai comprar?

Se você já a tem é mais fácil, pois você sabe da origem, conhece bem os pontos fracos e os pontos fortes da peça como um todo. Agora se você vai comprar, fora todo àquele ritual de compra de uma moto convencional, começa um trabalho paralelo de `traça de biblioteca’.

Moto antiga ou clássica só é compra de impulso se, e somente se, você conhece bem a história da moto, se você tem uma casta de profissionais conhecidos em seu rol de amigos, e se você conhece bem o mercado; caso contrario coloque os óculos e vamos falar com o Tio Google.

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Antes de bater o martelo, se municie de toda informação possível sobre o modelo, às características da fabricação, fale com quem tem, procure informações em clubes e sites de colecionadores, e assim por diante …

Nunca se esqueça que a grande diferença da linha do tempo está na aplicação de tecnologias diversas como, por exemplo, soldas, matérias, etc.

Agora que já se passou aproximadamente um mês de negociação e estudos, você conseguiu finalmente colocar a preciosidade em sua garagem.

Divida-a visualmente feito aqueles desenhos de boi em açougue; roupagem (pára-lamas, laterais, tanque, iluminação e instrumentos), quadro ou chassis, chicote elétrico, suspensão, rodas e pneus, e motor. Veja a quanto anda o seu orçamento e comece pelo que mais lhe convier, sempre deixando os cromados e a pintura para o final.

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Dependendo das dimensões das rodas, possivelmente os pneus terão seu lugar de destaque na lista de partes difíceis. Muitas medidas somente serão encontradas fora do Brasil, e ainda, conforme o modelo, nem existem mais ! … coisas para modelos dos anos 20.

Examine detalhadamente o quadro procurando rachas e antigas soldas; de maior ênfase às partes baixas, pois são nelas que se represa mais os líquidos e, por conseguinte, a maior incidência de ferrugem. Aproveite e veja se os furos e os dutos precisão ser refeitos ou embuchados para dar continuidade ao processo, com destaque também para a cabeça do quadro onde abriga os roletes da caixa de direção.

Evite toda e qualquer aplicação de jateamento a base de areia, pois alem de ecologicamente errado, este tende a retirar material provocando furos indesejáveis às partes e peças. Procure sistemas de decapagem química, e posterior aplicação de fósfato, que colabora para se evitar corrosão.

Feito isso, invista ainda em uma pintura epóxi na cor exata, ou o mais próximo possível da original, pois ela tem uma capacidade de resistência única.

Nem vou me deter em explicar que tudo deverá ser desmontado com ferramentas próprias ao serviço, e catalogar tudo ordenadamente é no mínimo obrigatório!

Aproveite nesse processo e examine cada parafuso e avalie a necessidade de sua substituição ou não, não esqueça de tentar manter o acabamento visual original, e não saia cromando tudo indiscriminadamente. Originalidade também é comprometimento com a verdade da época.

Passemos ao motor. Se você não tem dotes para `meter a mão na graxa’, acredite nisso e passe o serviço a quem entende, pois é crucial para o projeto que a parte mecânica tenha uma nova chance em ser funcional e confiável; afinal você esta restaurando uma moto e não pintando uma tela para a sua sala. Tente sempre buscar soluções muito próximas à realidade. Injeção eletrônica é coisa de ponta, mas uma heresia em um modelo do pós-guerra.

Hoje, graças a essa tecnologia de ponta referida, temos maquinas CNC computadorizadas que conseguem reproduzir quase tudo em metais, me levando a acreditar que mecanicamente não existe nada impossível, somente o caro e o demorado.

Procure dar o acabamento real ao motor, infelizmente tenho visto muitos polidos, cromados, e até mesmo pintados em PU … antigamente não se tinha técnica para cromar alumínio, por vezes em até soldá-lo; e pintura resistente ao calor é algo muito recente.

O chicote elétrico também é um capitulo interessante, os mais antigos eram isolados por tecido, e esses são difíceis, mas não impossíveis de serem achados. Seja fiel e tente manter o código original das cores dos fios, pois isso também lhe será útil caso você consiga uma cópia do sistema elétrico da sua moto.

Platinado lembra coisas de Fusca, mas acredite, funciona! Seja precavido e sempre tenha alguns de reserva; bobinas são facilmente replicáveis.

As rodas têm que ter um exame minucioso em seus aros, pois muitas delas têm seu interior podre sob a pintura ou cromado, e poderão comprometer sua segurança no futuro.

Do mesmo modo, cubos e sapatas de freio poderão sofrer decapagem química e voltar a exibir suas características originais. Hoje temos algumas oficinas que já conseguem colar uma nova lona em uma sapata antiga, e você pela espessura da mesma, poderá compensar o desgaste natural dos anos.

Cabos de comando nunca foram problemas, pois ou você acha um que sirva, ou manda fazer, ou ainda compra aqueles famosos `quebra-galhos’ para solucionar essa questão. Não deixe de usar as cores originais nas capas dos cabos, e suas coberturas das extremidades.

Ufa … já se passaram alguns meses. A vizinhança, os parentes, e principalmente o gerente do banco, estão morrendo de curiosidade em saber no que você está se endividando tanto … a garagem é zona proibida e inviolável; nem filho entra !

Não faltará oportunidade em se ver no domingo, na sala com a família, assistindo o Faustão, e lapidando um pedacinho de plástico que será o futuro botão da buzina, fora outras tantas situações como essa, alem de infindáveis desavenças com a não muito entusiasmada esposa.

Falando em esposa, atenção, cuidado: se o telefone tocar e você for atender, não limpe a mão de graxa na cortina enquanto fala … isso é fatal.

Amortecedores, bengalas e dutos irão apenas requerer um bom acabamento posto que hoje já estão se recuperando de tudo, e retentores são disponíveis em muitas medidas. Isso não quer dizer que seja barato, isso quer dizer que é plausível.

Chegou a primeira grande montagem. De um lado várias caixas de papelão, de outro, um espaço vazio na garagem, depois de alguns fins de semana, algo que lembra uma moto.

Calma não acabou. Faltam as parte que compõem a roupagem …

Os relógios poderão ser restaurados em seu miolo, sem problemas. As capas e frisos externos nem sempre; algumas vezes copos de chopp em alumínio poderão ser a solução para o restauro dessas capas; frisos podem ser extraídos de velhas tampas de metal dos antigos frascos de maionese, e assim por diante.

Se ela estiver com pintura original, tente procurar meios em mantê-la, pois quanto maior o índice de originalidade, maior o valor residual da peça. Não estou falando que uma moto restaurada de ponta a ponta não tenha seu valor, mas tente imaginar a utópica situação de uma moto dos anos 20 quase zero quilômetros, guardada em uma caixa, fora do alcance das pessoas, e das intempéries!

Se a pintura for necessária, use DUCO e não PU. Faixas e símbolos poderão ser pintados por um bom profissional; a logotipia poderá ser extraída em molde de uma outra peça, e reproduzida em alumínio.

Protetor de corrosão para interior do tanque, deixo aqui o meu conselho: aplique antes da pintura real, e não se esqueça disso ! … tive que pintar um tanque 3 vezes por conta disso. Para o banco só diria para ter critérios, e não se utilizar materiais com aparência de coisa nova.

Pronto ! … churrasco marcado, amigos seletos convidados, e vamos a apresentação da sua grande obra.

Tome um calmante e esteja preparado para ouvir perolas como:

– O que você tem na cabeça ? – Agora você endoido de vez ? – Que coisa velha ! … isso funciona ? sem contar umas outras tantas que não seria educado comentá-las.

Mas o que te irá divertir mesmo será quando tudo isso passar e um belo dia você chegar em casa, olhar no fundo dos olhos de sua esposa, e falar: Vem aqui na garagem ver o que eu consegui comprar!

Finalizando, quem desse regato a água beber, ira perceber que de tudo que se estava procurando, a única coisa que terá valor serão os amigos formados no meio do caminho.

Mais que biblioteca, que o Google, que a Internet, são eles que vão te mostrar o verdadeiro `caminho das pedras’, e assim como eu, você terá se tornado um colecionador, um colecionador de amigos antes de tudo.

“Antes de destruir, preserve … ”