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Na época do ginásio, uma professora de Português chegou na classe com uma questão inédita: qual peça do carro tinha um nome que retratava uma verdade existencial? Muita gente chutou afogador, acelerador, limpador, etc. Qual não foi a surpresa quando a professora respondeu: amor tece dores, assim mesmo, separadamente para reforçar que o amor tece dores.

Muitos anos depois (muitos mesmo) numa viagem a Visconde de Mauá, entre Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, eu estava subindo a serra numa Aprilia Pegaso 650 quando encontrei um casal, à beira da estrada, com uma moto parada e algumas ferramentas no chão. Quando me viram, começaram a acenar pedindo ajuda: estavam com a corrente de transmissão quebrada.

Parei a moto e perguntei se tinham uma corrente reserva. Obviamente não tinham. Nem uma emenda? Não. Então a única coisa que poderia oferecer era o telefone celular para ligar pedindo socorro. Mas, para confirmar minha teoria que nada é tão ruim que não possa piorar, naquela região não havia sinal de telefonia. Uma hora depois começou a chover! E o fim de semana daquele casal naufragou solenemente na estrada.

Continuei a viagem pensando naquela cena, os dois, próximos de um final de semana perfeito, com frio, céu azul, numa cidade romântica, colocando tudo a perder por um descuido na manutenção da relação de transmissão. Aquilo ficou na minha cabeça “descuido na manutenção da relação”. Lembrei da professora, e daquele amor que tece dores, e fiz uma analogia mecânico-matrimonial que gostaria de expor a vocês.

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As motos com corrente de transmissão exigem um cuidado periódico e todo mundo que teve uma bicicleta na vida sabe disso. Quando a corrente começa a gastar, apresenta sinais claros como barulho, vibração e até trancos, quando a folga já virou férias. Basta um simples procedimento para ajustar a corrente e tudo voltar ao normal, além de algumas gotas de óleo para lubrificar. Tudo muito simples.

Ou seja, aquele motociclista ignorou todos os sinais de fadiga da relação de transmissão e assim mesmo viajou por uma estrada de terra e com garupa! Não deu outra: a relação quebrou!

Num relacionamento interpessoal a regra é a mesma. Seja entre marido e mulher, namorados, pais e filhos, colegas de trabalho, parentes, amigos, qualquer relacionamento exige um trabalho mínimo de manutenção. Mas, em vez de pingar umas gotas de óleo, esta manutenção é feita com carinho, respeito, atenção, cordialidade, gentileza e outros atributos humanos meio enferrujados.

A relação entre pessoas também mostra sinais de fadiga que devem ser observados e, sempre que possível, corrigidos. É o tal “discutir a relação”. Tal qual a corrente da moto, a relação entre casais pode quebrar de forma inesperada se não forem tomados os cuidados de manutenção, nem interpretados os sinais de fadiga.

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Até que chega um ponto no qual aquela corrente não permite mais regulagem. É o fim! Troca-se por outra mais nova e tudo recomeça com uma longa jornada pela frente. Aqui está a maior diferença entre as “relações”. Porque no caso das pessoas que se relacionam, a troca é muito mais difícil e dolorosa. Muito embora algumas pessoas venham trocando de relação com mais freqüência do que os 30.000 km, em média, da moto. Talvez a grande culpada por esta excessiva troca de relações seja a falta do regulador graduado. Junto ao eixo da roda traseira da moto, uma peça indica a tensão da corrente. Quando os elos já estão muito folgados, esta regulagem aponta que é hora de jogar aquela corrente fora. Mesmo assim alguns motociclistas cometem a barbaridade de cortar alguns elos para prolongar a durabilidade da peça.

Novamente voltamos ao parâmetro dos relacionamentos interpessoais. Alguns casais também tentam paliativos para prolongar uma morte anunciada e arrastam a relação por mais algum tempo, na base do quebra-galho.

Esta é a maior dificuldade para medir o desgaste de uma relação interpessoal: as pessoas, ao contrário das motos, não têm aquela pecinha que indica visualmente que a relação chegou ao fim.

Tite
Geraldo "Tite" Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos BikeMaster e Abtrans.