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As motos Harley Davidson, como todos sabem, são motos “Custom”, ou seja, “customizadas” ou “personalizadas” pelos seus donos com uma infinidade de peças e acessórios oferecidos por diversos fabricantes, e é nisso que a marca Harley se diferencia de todas as demais marcas do planeta. Existem incalculáveis opções de peças disponíveis, só a própria Harley tem mais de 70 mil itens em seu catálogo, some os mais de 100 mil itens de uma única grande distribuidora americana de peças “after market” e já dá pra ter uma idéia de quantas opções existem para deixar a sua moto do “seu jeito”. Para os motores são centenas de opções de comando de válvulas, kit de pistões e cabeçotes, sistemas de admissão (carburadores ou EFI) e escape, até motores inteiros feito por empresas como a S&S e Jims, muito usados nas choppers do conhecido programa de TV American Choppers. Há quem fabrique até motores novos idênticos aos utilizados nos anos 40 para manter fiel ao estilo, mas será que vale a pena mexer no motor de uma moto, especialmente no meu caso, de uma moto 2006 praticamente zero quilometro? Assim que comprei a moto, vários vendedores de peças sugeriram que eu comprasse o kit chamado de “estágio 1” que é composto de três itens: um novo filtro de ar com elemento lavável, um novo escapamento (só a ponteira, ou muffler) de fluxo mais livre e o mapeamento da EFI para essa nova condição. A promessa com esse kit é conseguir cerca de 8cv a 10cv, além de ficar com um barulho bem mais “legal” do que o som de fusca que as Harley brasileiras 2006 tinham (nossa Harley é ligeiramente diferente das americanas, e utiliza um escapamento muito mais restritivo, com som de fusca na linha Touring). Comprei o kit aqui no Brasil, e confesso que fui literalmente “enganado” quanto à questão do mapeamento da injeção.

Aqui por enquanto, infelizmente, só há um único mapa padronizado para a gasolina nacional (e com a mistura muito pobre, diga-se de passagem) que é usado em todas as motos originais sem modificação no motor. Nas concessionárias, pelo menos no meu caso, foi dito que a injeção seria recalibrada, mas na prática apenas ajustaram a marcha lenta e mais nada, muito diferente do que existe lá fora que faz parte do kit um mapa totalmente novo, com o limite de rotação alterado de 5800rpm para 6200rpm e um comportamento mais “racing”. Quando se altera o filtro de ar e o escapamento, há muito mais ar entrando e saindo do motor por isso a necessidade de se enriquecer a mistura para obter consequentemente uma maior potência dentro desse novo cenário. Não mexer na injeção, nesse caso, resulta no empobrecimento da mistura já que o motor recebe mais ar do que antes enquanto o injetor permanece com a mesma vazão anterior, PIORANDO o desempenho ao invés de melhorar. Caramba! Comprei um kit caro que PIOROU a moto!

Fora esse problema, o escapamento do kit (Screaming Eagle Pro Performance) era muito barulhento, não dava nem pra ligar a moto na garagem à noite sem incomodar os vizinhos, aliás, essa ponteira foi proibida nos EUA (alto índice de emissão de ruído) e removida do catalogo da Harley em 2006, mas continua sendo vendido aqui no Brasil como a única opção disponível no kit. Devolvi a peça, montei novamente o escapamento original com som de fusca e dessa experiência ruim só sobrou o filtro de ar de 750 reais, que depois soube custar apenas 90 dólares nos EUA. Santa ignorância, mas é nessa hora que a gente aprende e vocês, motonliners, podem se beneficiar dessa experiência na coluna Guia de compras de peças no exterior, pela Internet! e aproveito para recomendar as colunas Andamos nas novas Harley Davidson 2007 , Os bastidores das novas Harley 2007 e Injeção é moleza! que abortam essas mudanças no motor da Harley.

Eu não queria aquele barulho de fusca, eu queria uma Harley com som de Harley, e o mapa da EFI original é pobre para a nossa gasolina, mesmo para a moto original sem modificações, por isso o motor esquentava demasiadamente e não oferecia uma potência satisfatória na minha opinião. Eu já havia andado em motos Harley no exterior e o torque em baixa, a maior característica desses motores, não era no tão vibrante assim TC88 brasileiro. Tinha algo errado, evidentemente. Um dos fatores que me chamou a atenção é que a taxa de compressão do motor TC88 é baixa, 8.8:1 quando a maioria dos motores a gasolina vendidos no país utiliza 9.5:1 ou até mais (algumas motos esportivas chegam a 12:1, e o novo TC96 da Harley usa 9.2:1).

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Nossa gasolina não é pura, é de baixa qualidade (poder calorífico) e baixa octanagem, razão pela qual recebe o álcool anidro na composição (agora 23%, mas era 20% há poucas semanas atrás). O álcool requer uma taxa de compressão maior para queimar bem, e a relação estequiométrica (proporção ideal de ar/combustível) da gasolina pura é de 14.5:1 e do álcool é 9:1 (9 partes de ar para 1 de álcool). Nota-se claramente que os motores a álcool usam menos ar (ou mais combustível, como queiram) na mistura ideal e é por isso que os motores a álcool consomem mais do que a gasolina para obter a mesma potência. É fácil perceber também que a nossa gasolina alcoolizada não pode utilizar a mesma relação estequiométrica da gasolina pura americana, e mesmo que o mapa original brasileiro já tenha algum ajuste, na minha opinião ele é insuficiente. Temos na Harley 2006, portanto, um motor com a compressão inadequada para o combustível brasileiro, um mapa de EFI pobre e sem opções de ajuste pela concessionária no caso da troca do escapamento e do filtro, um escapamento original com som de fusca e um proprietário indignado com a falta de opções para ajustar a injeção na concessionária. Está na hora de encontrar uma solução, e ela veio mais uma vez pela internet, participando de fóruns gringos.

A Harley Brasil, segundo seus próprios funcionários e gerentes, mantém a garantia de 2 anos da moto se todos os serviços forem feitos na concessionária utilizando peças originais. Eu já tinha um crédito na concessionária relativo à devolução do escapamento barulhento que eu poderia usar em serviços, e se eu optasse por fazer uma modificação mais profunda no motor a garantia seria mantida pelos 2 anos originais da moto, comprada dois meses antes. Comecei então a investigar as alternativas existentes para mudar o motor, e embora houvesse muitas referências positivas usando componentes de terceiros (peças S&S, comandos Andrews, kits de cilindros de alumínio com Nikasil, etc) tive que me concentrar nas peças originais Harley a fim de manter a garantia. Em um primeiro momento, o objetivo era apenas incrementar a taxa de compressão e adquirir um sistema que permitisse editar o mapa da EFI, enriquecendo-o, mas aos poucos fui percebendo que o custo de uma modificação mais abrangente era apenas marginalmente superior, já que o motor seria aberto de qualquer forma, e lançamento do TC96 foi o empurrão que faltava para decidir pelo kit que transforma o TC88 em TC95. Acima a estimativa de ganhos de potencia com o kit 1550 ST2 em um motor TC88 de 2006, valores medidos na roda divulgados no catálogo da Harley Screaming Eagle.

O motor TC95 é mecanicamente muito diferente do TC96 lançado nos modelos 2007, o primeiro tem um curso curto e um pistão largo, e no TC96 o curso é maior e o pistão mais estreito, além disso, há inúmeras pequenas alterações que tornam a maioria das peças de um incompatíveis com o outro, mas no final das contas o comportamento dinâmico, dependendo do comando de válvulas, é bastante parecido e a capacidade cúbica (cilindrada) também.

A lista das peças do kit 1550 é relativamente pequena, basicamente algumas juntas, parafusos, o kit de pistões mais largos, um par de comandos de válvulas, um novo diafragma para a embreagem agüentar a maior potência sem patinar e o Race Tuner (ou SERT) para manipular os mapas da EFI. A retífica dos cilindros, por sugestão da própria Harley Brasil, seria feita aqui, em São Paulo, em uma empresa homologada pela Harley, mais barato do que comprar cilindros novos. O custo dos serviços, incluindo a retífica, ficaria em 1200 reais e eu faria o serviço junto com a primeira revisão, que seria paga a parte. A garantia de 2 anos da moto permaneceria intocável, tudo dentro das regras.

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Pesquisei nos EUA os melhores preços para as peças e consegui na Zanotti Motors em média 25% a menos que a tabela oficial da Harley. Eu já havia comprado com eles antes e sabia da seriedade da empresa, e como eu iria para a Califórnia em setembro, comprei tudo lá e mandei entregar no endereço de um amigo onde eu pudesse pegar depois. A única exceção foi o escapamento, um modelo menos agressivo mas com som agradável, que mandei entregar aqui no Brasil direto, apesar do alto custo do frete e dos impostos. É que o escapamento é um trambolho que não iria caber na minha bagagem pessoal e certamente me causaria problemas na alfândega. O escapamento chegou à minha casa 10 dias depois com uma fatura de 450 reais em impostos, pagos na agencia de correios, o preço original com frete ficou em 750 reais, portanto 1200 reais no total com os impostos.

O resto das peças, acreditem, custou menos de 500 dólares com exceção do Race Turner que sozinho custou 370 dólares. Então o custo do upgrade total ficou assim:

1200 reais em mão de obra, incluindo a retífica. 1200 reais no escapamento, importado legalmente pagando os impostos. 1000 reais no kit 1550cc estágio 2 trazido na bagagem de uma viagem ao exterior. 800 reais no Race Turner trazido em outra viagem. ==================== 4200 reais no total. Sendo que os 1200 reais da mão de obra eu não precisaria desembolsar, pois já tinha um crédito sobrando na concessionária, portanto por 3 mil reais de desembolso seria uma solução muito mais barata do que vender a minha 2006 para comprar uma 2007.

O kit 1550cc eleva a taxa de compressão para 9.4:1, bem mais adequada para a nossa gasolina, e o comando de válvulas SE204 aumenta sensivelmente o cruzamento das válvulas fazendo com que haja um grande incremento de fluxo desde as mais baixas rotações, conseqüentemente aumentando a compressão dinâmica do motor (a quantidade de mistura real que entra e é comprimida pelo pistão, diferente da taxa estática que é uma relação matemática de volume). O comando de válvulas original do kit americano é o SE203, com características ligeiramente diferentes (muita potência em baixa rotação, mas com uma faixa estreita de uso), mas por sugestão da HD Brasil optei pelo SE204 (também muito forte em baixa, mas com uma faixa maior de utilização). O serviço foi feito na concessionária do Rio de Janeiro pelo mecânico André, e levou cerca de 15 dias aproximadamente por causa de um feriado no meio e do serviço de retífica do cilindro que foi feito em São Paulo.

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Depois da moto pronta, com o Race Tuner (que tem um CD com dezenas de mapas customizados) instalamos o mapa americano para o kit original (com comando SE203) e só, em seguida levei a moto para casa para pesquisar um pouco mais sobre a injeção já que não havia encontrado um consenso entre o pessoal da Harley em como ajustar o mapa americano do kit 1550cc ST2 para a gasolina brasileira. Nos EUA a relação estequiométrica do combustível é 14.5:1 (gasolina pura), e pelas minhas contas para a gasolina brasileira com 23% de álcool deve ser aproximadamente 13.3:1 (regra de três básica, partindo de 14.5 da gasolina pura e 9:1 do álcool na proporção de 77:23) e ajustei o mapa com esses valores. Ficou perfeito! Agora a moto está funcionando muito bem com esse ajuste, sem apresentar indícios de mistura rica demais. Estou com dúvida apenas no ponto de ignição, sei que precisa ser alterado (adiantado), mas não sei quanto ainda. Outro detalhe importante é converter o mapa do comando SE203 para o SE204, mas para isso eu preciso achar um mapa com o SE204 e comparar as diferenças na tabela VE (Volumetric Efficiency, ou eficiência volumétrica) com o SE203. Ainda não encontrei tal mapa, mas é questão de tempo. À esquerda o gráfico da eficiência volumétrica (volume real aspirado) do motor TC96 dos modelos 2007, e a direita o do motor 2006 com o kit 1550cc e comando de válvulas SE203. Note que o comando SE203 mantém o motor muito mais “cheio”, não importando muito a rotação ou a posição do acelerador. O comando SE204 provavelmente fechará aquele buraco no canto superior direito, tornando a distribuição de potência um pouco mais uniforme, mas ainda preciso pesquisar mais sobre isso.

O resultado prático da mudança no motor foi excelente. A moto está muito mais forte do que a original e mais forte até do que a modelo 2007, que tem praticamente a mesma capacidade cúbica. A embreagem com o novo diafragma ficou mais dura, infelizmente, mas já me acostumei e não está incomodando mais. Há torque em todas as faixas de rotação e é visível que o acelerador ficou mais sensível, respondendo mais rápido, e dificilmente uso mais do que 30% do curso dentro da cidade. O torque maior disponível deixou a moto ficou mais econômica, está fazendo em torno de 18 km/l na estrada (antes fazia 15 km/l) e na cidade também melhorou, mas ainda não tenho uma medida definitiva.

O motor ainda está amaciando, mas a estimativa é que a potencia tenha saltado dos originais 66cv para perto de 90cv (36% a mais) no eixo, e o torque está em aproximadamente 13.5 kgmf (22% maior que o original), mas um dia vou aferir esses números em um dinamômetro só para ter certeza. Até minha esposa notou a diferença, dizendo que a moto está “uma delícia” agora. Depois que eu andei na Harley 2007 com o novo motor, que é ótimo por sinal, e comparando com a minha “mexida”, não tenho dúvidas que foi um excelente negócio, as invoices abaixo com os custos das peças não me deixam mentir.

O preço da farra em dólares americanos!! Acima o custo do kit inteiro, e abaixo o custo do escapamento enviado ao Brasil, notem os 103,89 dolares de frete!

p_c