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Não se mata por engano

Policial atirou e matou um motociclista sem perguntar nada; depois alegou que foi um “engano”. Quando o aposentado JoÆo Rodrigues Ribeiro, de 77 anos come‡ou a passar mal, v¡tima de um enfarte, no dia 3 de novembro, na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ), deu in¡cio a um drama de terror e violˆncia. Desesperado ao ver o pai em sofrimento, o jovem entregador de pizza Bruno Ribeiro de Macedo, de 19 anos, pegou sua moto e saiu em busca de um t xi, porque os motoristas nÆo entram na favela por medo da violˆncia. Com ajuda de um amigo pararam um t xi e Bruno entrou no carro para voltar e socorrer o pai.

S¢ que o policial J£lio C‚sar de Oliveira Lira entendeu que Bruno estava assaltando o taxista e decidiu atirar. O proj‚til atingiu o rosto do Bruno, que ainda foi levado ao hospital Salgado Filho, onde morreu. Sem saber de nada, o pai do Bruno, socorrido por amigos, foi levado ao mesmo hospital em uma perua Kombi, mas tamb‚m morreu.

Bom, esta ‚ a versÆo que circulou na imprensa paulista e carioca com algumas diferen‡as e talvez detalhes mais apurados. Segundo a Folha de SÆo Paulo, a pol¡cia alega que Bruno estava tentando assaltar o t xi quando o policial deu a voz de prisÆo e os dois jovens teriam reagido. Na noite do dia 4, um dos policiais voltou atr s e confirmou que atirou porque pensou que era assalto, “mas foi um engano”. Em suma, Bruno morreu por engano.

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Não se mata por enganoS¢ que nÆo ‚ bem assim, faltou explicar melhor que os dois estavam em uma moto e quando uma moto circula com duas pessoas a pol¡cia nÆo pergunta nada: tem certeza que ‚ um assalto. Motociclistas, motoqueiros seja l  que nome for ‚ um suspeito em potencial diante dos olhos da pol¡cia. A m¡dia contribui para refor‡ar o preconceito sempre priorizando o motoqueiro em qualquer a‡Æo, acidente ou crime envolvendo motociclistas. Pode reparar: “motoqueiro acidentado p ra a av. 23 de Maio”; “presos dois motoqueiros que assaltavam nos Jardins”; “motoqueiro estuprava na regiÆo do Parque do Carmo”.

No entanto, quando um motorista de “nibus dorme ao volante, provoca um acidente com dezenas de mortes, a m¡dia descreve assim: ““nibus cai no barranco e faz 20 v¡timas”; “Acidente com “nibus provoca 20 v¡timas”. Por que a m¡dia nÆo usa a mesma estrat‚gia: “Motorista cochila e provoca acidente”; “motorista trabalha dobrado e dorme ao volante”. Ou ainda, se dois aviäes se chocam em pleno ar a not¡cia nunca destaca os pilotos, tipo: “piloto de aviÆo erra e provoca acidente”.

 mais do que evidente que os motociclistas e motoqueiros ganharam o status de gen‚rico de tudo que tem de ruim na sociedade. Como eu mesmo j  descrevi, somos a Geni do trƒnsito, como a personagem da àpera do Malandro. S¢ que j  extrapolou o trƒnsito e se espalhou pela sociedade. Bruno, al‚m de motoqueiro, entregador de pizza, era mulato. Pior, porque se a pr¢pria pol¡cia ‚ a primeira a tratar os negros e mulatos como suspeitos, imagine se estiver em cima de uma moto! “duplamente suspeito!”.

Em SÆo Paulo um dentista negro foi assassinado pela pol¡cia ao ser confundido com um assaltante. Tempos atr s um jovem mineiro foi assassinado pela pol¡cia inglesa ao ser confundido com um terrorista. Agora o policial do Rio matou Bruno “por engano”. Trˆs enganos que tiveram a pior conseqˆncia que um erro pode provocar: a morte!

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Eu nÆo sei o que est  acontecendo com esses policiais, com as pessoas, com a sociedade. Mas tem algo de muito perigoso … nossa volta, porque morrer por engano ‚ uma “pegadinha” de p‚ssimo gosto! Imagine esses policiais se explicando: “desculpe, eu me enganei, por isso preferi atirar primeiro para esclarecer depois”.

Lembro da ‚poca do regime militar, quando as pessoas andavam olhando pro chÆo e s¢ falavam de lado. poca que meu pai repetia como um mote: “aqui ‚ assim, atiram primeiro e perguntam depois!” Na minha ingenuidade de quase cinqentÆo pensava que esse tempo tinha ficado para tr s.

Pai e filho foram velados e enterrados no mesmo dia no cemit‚rio de Inha£ma. O policial responder  o processo em liberdade porque se apresentou espontaneamente. Ou seja, assumiu o erro e nÆo fugiu. Ele ser  indiciado a um processo por homic¡dio doloso (com inten‡Æo) e poder  pegar at‚ 20 anos de prisÆo se for condenado. Condenado ou nÆo, uma coisa ‚ certa e independe de qualquer investiga‡Æo: nÆo se mata por engano!