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por M. Barthô – Fotos: Ryo Harada e Barthô.

Poucos motoboys que trabalham diariamente na imensa metrópole de São Paulo (estima-se que sejam cerca de 300 mil) contam com os direitos básicos de qualquer trabalhador: carteira de trabalho assinada, fundo de garantia, seguro-doença, seguro para acidentes e vale-refeição.

MOTONLINE encontrou dois deles. Pode-se dizer que são dois raros “abençoados” pelas leis trabalhistas. Um é o motoqueiro Kleber Eduardo, 21 anos, que trabalha como motoboy registrado em uma grande empresa durante o dia. De noite, ele trabalha como entregador na Pizzaria Manuela, no bairro do Planalto Paulista, Zona Sul da Capital. Esforçado, Eduardo é motoboy desde os 18 anos. Atua em dois lugares: além das entregas noturnas e nos finais de semana (um reforço no salário), bate o ponto durante o dia numa empresa de comércio exterior, a Zigma, que lhe oferece todos os benefícios legais.

– Faço cerca de 20 entregas por dia na Zigma, e umas trinta por noite na pizzaria – diz. Eduardo afirma que, para ele, a moto “é um meio de ganhar dinheiro e sobreviver”. O motoboy “oficial” comenta sua situação. Ele se considera um privilegiado pelos benefícios que recebe. E é. A maioria não tem nenhuma garantia básica que dê dignidade e segurança ao seu trabalho diário.

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– Nós enfrentamos a chuva, o sol, os perigos do trânsito e cumprimos a nossa parte. Ser motoboy não é facil. Na minha opinião, os motoqueiros devem receber um tratamento mais digno da sociedade. Motoboy não é vagabundo e sim, trabalhador! – comenta.

Motoboys Molinari e Kleber Eduardo

Ao seu lado, o colega Vicente Molinari, 30 anos, casado, pai de uma linda menininha, outro “abençoado”, apóia a mão no guidão de sua Honda CG 150. E concorda. – Eu trabalho como motoboy diariamente há sete anos, na empresa Net. Lá, sou técnico de instalação. À noite, faço entregas de pizzas para reforçar meus ganhos – conta. Como se vê, os dois são registrados, têm seus direitos trabalhistas assegurados e atuam em empresas responsáveis. Estão longe dos chamados “cachorros loucos” – uns desesperados que imprimiram uma imagem negativa à categoria. Por causa da alucinada correria e imprudência da cachorrada, os motoqueiros responsáveis são execrados. Os “cachorros loucos” (como fazem questão de se autodenominar) têm um perfil definido. São jovens, sem formação alguma e, na sua maioria, temporários. Sua paranóia no trânsito passou a toda uma imensa categoria a pecha de gente desqualificada.

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Certa vez, um cachorro louco chegou a puxar o blusão deste repórter que vos escreve. A história é bem real. Eu trafegava pelo corredor de carros parados da avenida 23 de Maio, em São Paulo, como faço quase diariamente. Pilotava com com cuidado (gosto dos meus joelhos), a uns 40 km/h. O cara veio por trás, buzinando, desesperado, e forçou a ultrapassagem. Eu mandei ele passar por cima de mim, já que não havia como abrir espaço entre a fila de carros. Então, aconteceu o inesperado: com a mão, o cara puxou meu blusão pelo ombro pra me tirar do caminho! Eu não acreditei! Tudo durou um segundo! O cara acelerou e passou por um vão, do lado esquerdo, quase estourando seu joelho numa caranga. Eu fiquei abismado! Frenei a moto pra não acertar sua traseira e não cair. Depois, claro, xinguei. O cara também xingou, como se eu fosse uma espécie de palerma que estava atravancando sua sensacional pilotagem, e desapareceu no corredor, acelerando (calculo) a uns 80 km/h. Detalhe: na garupa, espremida junto ao baú, estava … uma criança! Infelizmente, esse otário está implorando por uma cadeira de rodas.

Molinari sugere que para melhorar a imagem negativa passada por esses nóias “é preciso separar os motoqueiros que apenas fazem bicos, sem nenhuma responsabilidade, dos profissionais.” – Isso aconteceu na categoria dos taxistas, há muitos anos – lembra ele. “Na Net, eu tenho até seguro de vida e vale-refeição”, afirma. Embora seja responsável, atuando numa empresa de reconhecida idoneidade, Molinari revela que não pode, por exemplo, declarar-se motofrentista na hora de pedir um financiamento para comprar um moto. – Quando falamos que somos motoboys, as financeiras fecham as portas – diz, contrariado.

Para os dois motoboys, as leis destinadas à categoria são, em sua maioria, “erradas e criadas por pessoas que estão muito distante da realidade”.

Alguém duvida dessa afirmação?

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PERFIL REALISTA

O dr. Koshiro Otani, 59 anos, Coordenador da Área de Saúde Trabalhista na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, estuda há anos o perfil dos acidentados com motos na cidade. Ele tem nas mãos todos os números dos acidentes. E revelou, em primeira mão, que morrem três motoqueiros por dia no local nos acidentes na Grande São Paulo. Isso foi há mais ou menos três anos, quando este repórter trabalhava no Caderno de Motos, do jornal Diário de São Paulo. A partir daí, esse informação caiu como uma ficha na cabeça da população. Na época, ele lembra, o número de acidentados com motos virou um problema de saúde pública. Os arrebentados tomavam os leitos de hospitais e o trabalho dos profissionais de saúde “em massa”. Mas parece que o quadro não melhorou. Otani afirma que em 2007 o número de mortos continuou aterrador.

– Ano passado (2007) foram 331 mortos recolhidos no local dos acidentes – diz. Quase um por dia. Isso é o número de uma guerra sangrenta – aliás, muito mais sangrenta que a eterna briga de judeus e muçulmanos no Oriente Médio, por exemplo, onde um míssil ou um homem bomba mata uns 15 ou 20. Detalhe: outro míssil ou homem bomba só explode uns três meses depois. Para Otani, essa carnificina tem uma causa mais que conhecida: a imprudência. Ela surge tanto do lado dos motoqueiros e motociclistas quanto do lado dos motoristas. Outro dado que mancha esses números sangrentos é o aumento gradual da frota veicular e dos motoqueiors novos de carta. Há também o acréscimo da circulação de carros mal-conservados (com seus motoristas idem). O volume de autos trafegando diariamente já ultrapassa a casa dos milhões na Grande São Paulo.

Há, claro, outros fatores que atuam no elevado número de acidentes com motos. O ímpeto dos jovens, seu despreparo educacional, a falta de prudência e o desrespeito às regras de trânsito são apontados pelo Dr. Otani. – Há também a obrigatoriedade dos motoboys de trabalharem por produção. Por isso, são obrigados a correr – lembra o doutor.

As motos mal-conservadas, desreguladas e com freios e pneus na lona são o reflexo dos baixos rendimentos dos motofrentistas. A média de salário fica entre R$ 600,00 e R$ 1.000,00 por mês. Isso também agrava a situação. – Vejo cada coisa no trânsito que até me arrepia – diz Otani. Ele também é motociclista, e pilota há mais de trinta anos. Por isso, sabe do que fala. Atualmente, o doutor possui uma Honda Shadow 750, que muitas vezes costuma pilotar diariamente de casa para o trabalho. – Muitas vezes, observo a discriminação feita aos motoboys – diz. “Afinal, eles estão apenas trabalhando. Por outro lado, observo seus erros e exageros” – nota. Otani diz que “acima de tudo, a união dessa categoria é extraordinária. Ela é motivada pelo fato de que eles são frágeis e correm enormes riscos de vida a cada quilômetro rodado”, comenta.

O médico explica que, aos poucos, as leis trabalhistas estão sendo adequadas ao serviço prestado. – Na cidade de Jundiai, interior de São Paulo, por exemplo, os entregadores de esfihas da rede Habib’s não são mais obrigados a se apressar dentro dos minutos estipulados pela rede. Isso ocorre por uma decisão judicial, que é benéfica a todos os envolvidos – afirma.

Otani dá uma dica: quem desejar obter os dados atualizados de acidentes envolvendo motos na cidade de São Paulo pode acessar o site www.prefeitura.sp.gov.br, no ícone pro-ain. E o velho conselho, que todos conhecemos de cor: embora as leis ainda sejam um tanto distantes da realidade, manter a calma e a prudência ao guidão garante um retorno tranquilo ao lar. O que, convenhamos, vale muito.