Publicidade

Eventualmente, acabo andando com caras muito mais rápidos do que eu, em ambientes diversos, desconhecidos. Isto não é novidade. Pilotos comprometidos com o calendário de um campeonato experimentam isso em bases regulares.

Numa competição aberta, pessoas desconhecidas, de diferentes níveis técnicos, se confrontam a cada etapa, em lugares distintos.

Dentro deste padrão, ao final de cada ano, após o período de adaptação às regras e características da modalidade, cada um, tem uma boa noção do seu nível técnico, comparado a um grupo de praticantes do mesmo esporte. Ocorre que, a grande maioria dos pilotos que conheço, é composta por caras que têm muito pouco, ou nenhum, contato com as competições. Estas pessoas, raramente andam em lugares diferentes dos que estão acostumados a andar, ou, na companhia de “estranhos”. Muito provavelmente, faria parte deste mesmo grupo, não fosse eu um viciado em mato, morando numa cidade de asfalto e concreto.

Andar num lugar onde você conhece todas as curvas e, em geral, anda na frente (no “pelotão” da frente), é, de fato, altamente prazeroso. Não há lugar para stress, cobranças ou decepções. Entretanto, apesar dos tantos anos, eu ainda não me sinto em paz, com a idéia de aceitar esta ilusão. É lógico que todo mundo anda melhor no seu quintal, porém, neste ambiente, as possibilidades de desenvolvimento, são restritas. Os rótulos, títulos e preconceitos que, em geral, são atribuídos por membros de diferentes “clubes”, não passam de conversa fiada. Reconheço e dou valor aos caras que não se limitam e, na medida do possível, se esforçam para entender e aprender técnicas variadas.

Publicidade

As incertezas do mercado neste início de ano me pegaram. Fiquei acelerando em ponto morto, em profundas reflexões sobre, “como seria se fosse” e, acabei com uma baita gripe. Vacilei. Depois de dez dias com problemas de carburação e certa leseira, decidi que era hora de retomar.

Pra não me expor a uma das odisséias comuns aos meus amigos enduristas (viagens de 120/150 km pelo meio de picadas, algumas quase intransponíveis, num sol de 35 graus), resolvi, que o melhor, seria retomar os trabalhos num circuito. Assim, poderia dosar o esforço e me recuperar, sem atrapalhar ninguém. Poderia ter escolhido um circuito de XC, mas o vírus da provocação me levou a uma pista de MX.

O circuito era maravilhoso. Uma pista larga, gradeada a cada duas ou três horas e irrigada. Uma ampla área de “convivência” e, uma macarronada muito honesta na hora do almoço. Coisa fina. Não bastasse todo esse mimo, a pista é uma unanimidade. Qualquer um se diverte lá.

Não há nada perigoso ou intransponível para um novato ou praticante de outra modalidade e, ao mesmo tempo, oferece ampla diversão aos mais experientes (evidentemente, estes, andam num ritmo diferenciado, pra não dizer, muito mais rápido). Talvez estivesse fazendo um ano, que não andava numa pista de MotoCross. Mas, me senti muito a vontade nas primeiras baterias. Apesar do chão recém gradeado e da minha total falta de intimidade com saltos, me diverti muito na primeira hora. Depois, o astro rei e a macarronada se incumbiram de drenar minhas energias e eu fiquei ali, observando os caras. O padrão de “pregos” é igual ao vigente em muitas trilhas e pistas espalhadas por todo o canto.

Publicidade

A exceção de uma meia dúzia de caras que realmente têm absoluto domínio da técnica e fazem tudo com mínimo esforço e, muita segurança, a grande maioria, inclusive eu, se esforçava pra fazer um arroz/feijão, sem bife.

Diferente do enduro, a ampla exposição de uma pista de MotoCross, permite a observação mútua e, a fácil visualização do traçado, não deixa dúvida a respeito da velocidade e da técnica de cada um. Patético, é o termo que, em minha opinião, melhor descreve a atuação da grande maioria dos pilotos que conheço… (eu inclusive). É difícil dizer isso, mas é real. Impressionante a falta de preparo, técnica e noção da grande maioria de nós. Aquela situação me levou a uma reflexão imediata. O que efetivamente a gente faz pra melhorar nossa pilotagem, além de andar, malhar e assistir meia dúzia de vídeos? Pra não dizer que, poucos são os que cumprem esta mínima rotina, à risca. Participei de um curso de técnicas de pilotagem, há cerca de dois anos. Muito rápido, com foco numa modalidade que não é a minha e, compartilhado com um grupo grande de pessoas de diversos níveis. Surpreende-me pensar que, mesmo tendo sido uma experiência absolutamente superficial, há instruções recebidas naquele dia que nunca mais foram esquecidas. Dá pra imaginar isso?

Um curso de poucas horas compartilhadas em mais de vinte anos de pratica… ? ! Evidentemente, o mais importante, todos nós fazemos: andar e se divertir. Mas parar para observar, entender e aprender a técnica correta, é coisa que nós, praticamente, nunca fizemos. A trilha não é um lugar muito bom pra aprender a andar de moto. A não ser que você seja um talento nato, boas serão as chances de você trilhar durante anos e evoluir muito pouco tecnicamente. O MotoCross parece mais “didático”.

O fato de se estar praticando o tempo todo num local com ampla visibilidade e a presença de pilotos de diferentes níveis no mesmo circuito, possibilitam uma observação constante. No MotoCross você pode observar caras que dominam a técnica, em diversas oportunidades. No enduro, não. Se você anda na frente, não tem em quem se espelhar ou quem observar. Se você anda atrás, também não. Considerando que o cara que está logo à sua frente, também não é nenhuma referencia. Neste caso, muito provavelmente, o cara que esta aplicando a técnica correta, esta quilômetros à sua frente. Isso causa certo, “isolamento”.

Publicidade

No enduro, você não tem a oportunidade de fazer vinte ou trinta vezes a mesma curva ou o mesmo salto num único dia. Você raramente vê alguém fazendo aquilo da forma mais correta (a não ser que você treine com um pró e tenha velocidade suficiente, pra andar na bota dele).

Mesmo que tivesse esta oportunidade, você, provavelmente estaria fazendo o seu movimento naquele momento e, dificilmente, conseguiria aprender e assimilar ali, na adrenalina da competição. No MotoCross, você pode, simplesmente, sentar-se ao largo da pista entre uma e outra bateria e, analisar exatamente o movimento feito por alguém que domina a técnica. Ocorreu-me que, dentre todos os meus compadres de motociclismo, no decorrer destes anos todos, o que mais evoluiu, o único que realmente se transformou, foi justamente aquele que fez uma pista e treinou com um pró durante muitos e muitos anos. Esse cara se dedicou, evoluiu, passou para outra dimensão do esporte. Fez o que todos deveriam ter feito. Traçou (conscientemente, ou não), uma trajetória de aprendizado, criou um ambiente e, executou o “plano” em todas as etapas. Durante todo este mesmo tempo, eu andei. Muito provavelmente, andei mais do que ele, em numero de horas. Mas certamente com muito menos eficiência no que diz respeito à busca por melhorias. Isso foi um erro. Um enorme erro. Como poderia eu achar que iria evoluir, simplesmente andando… ?

É estranho como é que, de repente, a gente se dá conta de que, mesmo diante de uma imensurável dedicação, fez tudo errado… É ainda mais estúpido, pensar que o processo é obvio. Se alguém me perguntasse hoje: “Como faço pra aprender a andar e melhorar minha técnica?”. Minha reposta certamente, não seria outra diferente de: “Procure um instrutor e treine”.

Ou seja, desde o princípio, a gente sabe o que deve ser feito, mas simplesmente, não faz. À noite, em casa, assistindo um “Hells Gate” (aquele onde o Mike Metzger acompanha o Taddy Blazusiak), ouvi algo que tem tudo a ver com isso. O Metzger, que não havia nem se classificado pro evento principal, longe da sua tradicional cara de “mau” e onipotência, reverenciava os pilotos de outra modalidade e mandava o recado: “Você tem que dar 110% de você, no que quer que você faça. Você tem que dar tudo de si para ser melhor”.

Lembrei-me do longo caminho que ainda tem que ser percorrido. Eu, apesar dos esforços, definitivamente não tenho dado 110% nos meus “treinamentos”. Não dediquei nem 10, muito menos 110% , ao aprendizado da técnica correta. Tenho me divertido muito, andando cada hora num lugar diferente, com compadres novos. Mas, isso agrega muito pouco ao desenvolvimento da pilotagem.

Aos que assim procedem, só restam duas opções: a ilusão (de achar que é o que não é) ou, a decepção (de se confrontar com a realidade, numa oportunidade qualquer). Ambas, em minha opinião, são mais doloridas do que tirar a máscara, reconhecer, e fazer alguma coisa pra mudar essa realidade.

Ainda quero ser um piloto melhor, independentemente da disciplina apresentada. Acho que nunca vou abdicar do desejo de andar melhor. Aos 40, eu já não faço isso por ninguém, faço pela simples satisfação pessoal. Minha meta é simples, modesta: Ser melhor que ontem, evoluir. Tive agora, a oportunidade de contemplar uma possibilidade que ainda não havia me ocorrido. O caminho existe e os exemplos estão aí. Sempre há uma chance pra quem realmente deseja.

MOTOHEAD