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Levantadores e organizadores estes que vêm fazendo uma história mundialmente reconhecida. Uma história única, que não obedeceu necessariamente um modelo, que reinventou modalidades de competição, que desenvolveu tecnologia própria. História esta, que consagrou, no decorrer dos últimos vinte ou vinte e cinco anos, provas lendárias, eventos de relevante grandeza no calendário mundial.

Jovem se comparado ao berço da modalidade, e restrito, por fatores econômicos diversos, o motociclismo off road brasileiro vem ganhando respeito e credibilidade nos quatro cantos da terra. Mesmo marginal que sou em relação ao mundo das competições, tive a sorte de conhecer alguns caras que fazem parte desta realidade. Um pequeno grupo de indivíduos com perfis muito semelhantes. Motociclistas, mateiros, desbravadores. Caras que, movidos pelo amor ao esporte, desenvolveram todo um padrão de trabalho, que hoje, resulta em campeonatos e provas isoladas de altíssima qualidade. Pilotos e equipes de renome internacional nas modalidades de maior interesse do circuito, já têm no Brasil, uma escala obrigatória.

Novas tecnologias são testadas a todo o momento e o “show” a cada etapa dos grandes campeonatos nacionais ganha destaque na mídia. Dentre os caras que conheço e que fazem esta história acontecer, uma característica é comum: o amor pelo que fazem. Nada cresce assim, com tanta consistência, sem dedicação. Sem amor.

Sem estrutura, sem equipamento, sem patrocínio, sem modelo e sem histórico, esses caras têm dado uma contribuição importantíssima para o estabelecimento, viabilização e consolidação do motociclismo off road nacional. Sem eles a base pro desenvolvimento do esporte, a competição regulamentada, não existiria. Sem competição, sem organização e sem a busca constante pelos melhores resultados e pela evolução da técnica, não haveria pilotos do nível que temos hoje, não haveria uma indústria tão saudável e promissora, não haveria um crescente interesse na exposição do “produto” em todas as instancias da mídia, não haveria o orgulho, que todos nós alimentamos, pelo enduro (em todas as suas formas), no Brasil dos dias de hoje.

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Estes caras, literalmente, prepararam e demarcaram a terra, por onde nós passamos e plantamos a semente, que, irrigada pela indústria, se transformou no verdadeiro espetáculo que assistimos a cada etapa dos maiores eventos do enduro e do rally nacional. O talento, na acepção do termo, é a capacidade inata ou adquirida de fazer bem alguma coisa. Um bom levantador, usualmente, tem uma noção de posicionamento diferenciada. Quando a grande maioria de nós já perdeu a referência e não tem a menor idéia de onde está, este cara tem, no mínimo, uma boa noção do sentido certo a seguir.

Um bom levantador, conhece o mato e os padrões de relevo e vegetação. Mesmo de longe, consegue visualizar possíveis linhas trafegáveis. Tem a experiência e a sensibilidade necessária para “ler” na paisagem, aparentemente homogênea, os veios e trilhos naturais, que a ação da própria natureza, perpetua. Por sorte, no Brasil, a incidência deste talento é considerável. Sem estes caras, e suas montarias curiosamente paramentadas com facões, GPSs, mapas e cronômetros, não existiria o enduro, muito menos, o rally.

O findê prometia. Na companhia de um dos caras que mais admiro no esporte (e na vida) me preparava para conhecer o circuito de uma das provas mais legais do calendário do enduro nacional. O TDI é uma prova de verdadeira endurance num formato compacto (sábado e domingo). Uma prova que acontece num lugar privilegiado pela configuração das propriedades e diversidade do terreno. Uma prova que faz jus ao reconhecido talento de seu idealizador e a cada edição, inova, elevando o nível do nosso esporte.

Tenho estado apreensivo com uma ocorrência recente. Depois de 26 anos em uso o circuito que iniciou a mim (e mais algumas dezenas de adeptos) no esporte, na minha terra natal, foi “fechado”. Triste.

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Uma pista natural de trinta ou quarenta quilômetros de infinitas curvas, muita segurança, pouquíssima interferência na comunidade, muita praticidade e velocidade off road: fechado…

Minha visita à Itatinga e o convívio com seus habitantes acendeu uma luz neste período “nebuloso” para o esporte, na minha terra. Taquaritinga (Taquara Branca), e Itatinga (Pedra Branca), têm muito pouco em comum no que diz respeito à divisão de propriedades. Uma é constituída por inúmeros sítios e fazendas relativamente pequenas, enquanto a outra é composta por um punhado de enormes propriedades. Menos propriedades, menos divisas, menos proprietários, maior “facilidade” de entendimento. Entendimento. Esta é a única chave que poderá trazer luz à escuridão. Nós, enduristas , não nos contentamos com circuitos fechados. Circuitos são legais pela praticidade , pra treinar, mas NADA se compara a um bom dia de rolê, “arruado” mato afora…

Ocorre que este “sonho”, esta se desintegrando a cada dia e o entendimento é a única possibilidade de mantê-lo vivo. Mais uma vez aprendi. Aprendi vendo a forma com que os caras em Itatinga lidam com esta questão. Os Dois Dias de White Stone transcorrem sob absoluto consentimento de todos os envolvidos. Tudo é feito da forma mais clara e respeitosa possível.

Andar de moto no mato é um esporte e, como tudo , deveria ser incentivado e apoiado pela comunidade. Esporte é vida! Andar de moto no mato quando há critério e respeito já se provou uma atividade inócua ao meio. Reflorestamentos e monoculturas sobrevivem ilesos à passagem de grupos orientados, “disciplinados” (velocidade é uma disciplina tb!) e a comunidade ganha com isso. Ganha um espaço de esporte, lazer e comunhão com a natureza, para seus “filhos” e …. pais também! Isso não tem preço.

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White Stone é mesmo um lugar de gente de talento. A começar pelo Ciro, um idealista nato que consegue servir uma das melhores pizzas do Brasil (sem exagero), de qualidade irrepreensível e sabor absurdamente bom! Numa cidade de não mais que algumas dezenas de quadras no meio de lugar algum, sem absolutamente nenhuma referencia gastronômica.

É surreal sair pelas ruas pacatas, vazias, da noite em Itatinga e numa esquina despretensiosa provar um belíssimo vinho (ou uma Original estupidamente gelada) e diante da recepção calorosa e competente do anfitrião, degustar, por exemplo, uma Rúcula com Gorgonzola. Textura, aroma, sabor e qualidade irrepreensíveis…. Pode crer!

Sobre a prova. , além do que todos já sabem (ou ouviram falar), além do histórico, além do lugar, acrescentaria uma nota do autor (autor da prova…!): “Acho que vou por o nome desta sessão de fliperama…. Us nego deviam treinar três horas por dia de bambolê pra se dar bem aqui….!!!!”

Palavras sábias de um cara simples que tem enduro no sangue. Ao meu redor, ao ouvir esta declaração para todos os lados, até onde a vista alcançava, um imenso bosque de eucalipto. Colorido aqui e ali pelos “bumps” que demarcavam uma sessão massiva de infinitas curvas e passagens em meio às arvores… Arvores estas, por vezes tão próximas quanto … a largura justa de um guidão… Coisa fina…, técnica…., seletiva…, “rápida”….

Dalí pra um leito de rio muito antigo com as tradicionais pedras molhadas, várias. Uma especial todinha dentro de uma caixa natural, de pedras molhadas. Grande. Bem grande. Grande o suficiente pra dissuadir qualquer um que tenha e idéia errada de brigar com pedras molhadas… Quem não tiver intimidade vai mastigar os músculos e nervos nos primeiros cem metros… São mais de trezentos…

É bom treinar bambolê e aprender a deixar a motocicleta “fluir” sobre as pedras. Não é força. É jeito. Eu sei que falar é fácil, mas é assim e é uma especial, cronometrada….!

Nota do autor (do texto) , instale um bom protetor de mãos. Pode ser bem útil.

Pra “relaxar” , trechos rápidos de pasto, rotas sinuosas e erodidas nos pequenos bolsões de mata e travessia de riachos que permeiam a imensidão de Eucalipto. Como se tudo isso não fosse suficiente, 48 horas de intensa movimentação e a energia, de numa cidade tomada por dezenas de pilotos e equipes, dentre os quais amigos, valentes, heróis e uma porção considerável da nata do motociclismo off road nacional. A tarde chegou a Itatinga e o frio que esteve lá durante todo o dia se intensificou. Molhados e enrijecidos pelo vento cumprimos um ritual corriqueiro nos rolês com nosso anfitrião.

Zaca é um cara super conhecido e faz absoluta questão de ajudar, reverenciar, agradecer, se envolver e se confraternizar com todos os “caipiras” que cruza no caminho. Diante de um autentico bar a céu aberto, no alto de uma montanha maravilhosa, sob intensa chuva, nevoa e frio, sujos, molhados e felizes, quebramos o protocolo e tomamos um bom gole de cachaça cada um! Cachaça esta , oferecida pelo proprietário do “bar”. Um sujeito que não bebe e nem compra álcool… O lugar é “aberto ao publico” e provido pelos próprios freqüentadores… Quem passa toma um copinho…, deixa uma garrafa, toma um gole, traz um agrado… e assim, de forma humanitária e democrática, se perpetua. A cachaça, àquela altura praticamente recomendada pelo ministério da saúde em razão do eminente estado de hipotermia do grupo, desceu macio. Sob chuva e neblina seguimos a viajem de volta com os corpos enrijecidos e a alma lavada. Aquecidos só pelo infinito prazer da velocidade e agraciados pelo insuperável cheiro do mato molhado e pela insubstituível presença da natureza….!

Go White Stone!

MOTOHEAD