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Nossa indústria de motos está engatando a segunda. Como? Quase um milhão de motos e ainda está na segunda marcha? Sim, se fizermos uma analogia com um câmbio, o nosso mercado está muito bem abastecido de motos utilitárias até 150 cc, mas acima disso as marchas estavam com as engrenagens claudicantes. Na faixa de 250, ascensão natural de quem sai da 125/150, apenas a Honda oferecia bons produtos, com a linha XR 250 Tornado e CBX 250 Twister. Esse domínio durou mais de 4 anos, até que começaram a ventilar notícias sobre a chegada das Yamaha 250. Primeiro, a revista Motociclismo fotografou a XT 250 em pleno teste. Logo em seguida nós do Motonline recebemos uma foto anônima com a Fazer 250, foto que acabou na capa da mesma Motociclismo.Tite e Tani no estande Yamaha

Tite e Tani no estande Yamaha

Foi uma excitação geral no mercado, afinal não dava para saber muita coisa pelas fotos, só que a simples notícia de uma concorrente para a Twister já foi suficiente para fervilhar boatos. Um deles afirmava que a Fazer teria injeção eletrônica, o que se confirmou, poucas semanas depois, de uma forma meio triste, pois a Yamaha apresentou a moto primeiro aos concessionários e não fez a apresentação oficial à imprensa. Os jornalistas especializados que sempre estão dispostos a veicular as novidades em primeira mão tiveram de amargar a chatíssima situação de ver fotos da Fazer espalhadas em sites na internet antes da data de embargo solicitada pela Yamaha.

Não vou torrar a paciência de vocês com a estranha política de marketing da Yamaha porque eu já desisti de entendê-los há uns 15 anos, mas o furor causado pelo anúncio de uma 250 injetada fez todo mundo imaginar que viria a melhor 250 do mundo, sobretudo por trazer estampado o nome Fazer, linhagem de excelentes motos no exterior.

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Qual não foi a decepção, não só minha, mas de muitos outros colegas realmente especializados quando a Fazer apareceu para os primeiros testes. Para brigar com a Twister esperávamos algo mais impactante, de melhor qualidade e não apenas um motor de duas válvulas e câmbio de 5 marchas, além de peças “made in China” em profusão.

 

Motor pequeno

Motor pequeno

Este é o motor da Tricker 250, parece o da Fazer!

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Motor Um motor só não faz verão. No Salão Duas Rodas (aquele mesmo dos “atores” vestidos de Valentino Rossi e de mulher), reencontrei com alegria o Massaharu Tanigawa, o Tani, um dos grandes gênios da mecânica, excelente pessoa e amigo de longa data. Ele me pegou pela mão e levou para ver uma Fazer desmontada. Mostrou o motor e sem papas na língua falou: “usamos a mesma tecnologia da R1, com pistão forjado, cilindro revestido de cerâmica e injeção Denso”. A alegria dele era visível porque ele foi um dos cabeças que desenvolveu o engenho. E perguntei: “mas Tani sam, por que duas válvulas, um cabeçote 4 válvulas não ficaria mais esperto?”. Foi então que ele explicou a necessidade de usar uma base que já existia (provavelmente o Tricker 250), mas com melhor resposta em baixa e muito econômico.

Neste aspecto, o motor obteve o total êxito e Tani sam está de parabéns pelo esforço, porque o motor SOHC de 2 válvulas é largamente conhecido por oferecer boa resposta em baixa rotação. Aliado ao sistema de injeção, que não engasga como a alimentação por carburador, a promessa de baixo consumo estaria muito fácil de ser cumprida. Só que não dá para esperar um rendimento em alta, pois a opção foi clara pelo baixo consumo. A potência não subiu muito em relação à TDM 225: 21 cv a 7.500 contra 18 cv a 7.500 da TDM.

Em tese estava tudo certo, porém na prática… Vou deixar as motos de lado um pouco para falar o que houve com um motor de carro. Quando a Fiat lançou o Palio Adventure (meu carro), optou pelo motor 1.6 de 8 válvulas, na premissa de dar melhor resposta em baixa, o que seria ideal para rodar em estradas de terra. Na prática, porém, foi um motor que bebe galões de gasolina e perde força facilmente na subida. Dois anos depois o mesmo carro saiu com motor 1.6 16 válvulas, mais potente e econômico.

Nem sempre o motor teoricamente mais econômico confirma sua vocação na prática, isso porque os testes realizados pelos fabricantes são feitos por pilotos experientes e que não simulam o uso real, uma vez que o usuário sai da concessionária e a primeira coisa a fazer é socar velocidade máxima pra saber “quanto dá”. Basta ler os scraps nos vários fóruns de Twister e Fazer para entender que motociclista brasileiro só conhece duas posições do acelerador: on e off! Ora, se um motor foi projetado para ser econômico em baixo e médio regime, na hora em que o ilustre motociclista enfia a mão lá se vai toda a vantagem técnica.

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Por isso muito do que é prometido na teoria não se confirma na prática. Se o motor da Fazer é mais econômico na faixa até 5.500 rpm imagine o que acontece quando o maníaco que pilota a mantém sempre na faixa de 8 a 9.000 rpm! Ainda mais com um câmbio de 5 marchas, que não prevê a função “overdrive”! A prometida economia vai por ralo abaixo. Foi isso que confirmei em dois dias rodando com a Fazer nas mais variadas condições (e antes do arranca-rabo com o marketeiro da Yamaha). Nas condições de pilotagem “tiozinho domingueiro” a Fazer chegou a impressionantes 34,8 km/litro, algo espantoso para uma 250. Mas na hora que incorporei o caboclo Valentino Rossi o consumo caiu pra 16,7 km/litro, menos do que uma 600 na mesma velocidade. Como os “psicopatas” vêem a Fazer como uma “esportiva”, é natural que o acelerador desconheça os primeiros milímetros de curso pra passar maior parte da vida a pleno! Portanto, está dada a receita: no uso urbano a Fazer é muquirana, mas se entrar na estrada e rodar acima de 120 km/h é bom preparar o bolso. E nesta moto a recomendação do fabricante é para uso de gasolina ADITIVADA, lembre-se que é um motor com injeção eletrônica.

Naquela mesma conversa com o Tani, ele deixou escapar que fizeram testes para um eventual motor flex (álcool e gasolina), mas concluíram (e eu concordo plenamente) que em um veículo tão econômico não compensaria o uso de álcool, mas não está totalmente descartada a possibilidade de uma Fazer a álcool, sobretudo para frotistas. A vantagem do álcool é ganhar um pouco de potência em função da maior taxa de compressão. Vamos esperar para ver como se comporta o mercado nestes primeiros meses para prever alguma ação mais ousada para a Fazer.

Desempenho Confesso que acho uma tremenda frescura essa ladainha de “quanto dá de final”, porque a velocidade máxima é um item que jamais deve pesar na escolha de qualquer veículo por uma razão muito inteligente: ninguém usa o veículo na velocidade máxima por mais de 1% da vida da moto ou carro. Nem os aviões a jato viajam na velocidade máxima! O mais importante na escolha de uma moto ou carro é COMO esta velocidade é atingida, ou seja, a distribuição de potência. Mas para você não ficar triste, peguei meus cronômetros, a trena de 100 metros e fui para minha estrada de teste em local que não revelo nem sob tortura. Fica ao nível do mar, bem protegida do vento, como manda o manual do bom testador. Fiz as 4 medições (duas em cada sentido) e obtive 128,7 km/h na média de quatro passagens (a soma das 4 medições dividida por 4) e 130,1 km/h de velocidade máxima. Ou seja, em termos de comparação pode-se dizer que é quase a mesma coisa da Twister, que chegou a 134,6 km/h nas mesmas condições.

A diferença está na forma como as duas alcançam a velocidade. A Fazer começa mais esperta, mas acima de 110 km/h (reais) parece que o motor fica preguiçoso e não quer mais sair desta situação. Já a Twister começa mais preguiçosa, mas depois de 100 km/h o motor continua crescendo até o ponteiro do conta-giros quase bater no fim do curso. Uma grande diferença entre as duas está no acionamento do acelerador. A Twister é carburada (não diga!) e o cabo do acelerador precisa puxar o mecanismo do carburador (pistonete), sob atrito natural do mecanismo. Já a Fazer tem um acelerador mais “mole” e de menor curso porque ele não aciona nada mecânico, mas eletrônico. Isso dá uma sensação de que a Twister é mais “lerda”, quando na verdade é culpa de um acelerador duro e de curso longo.

 

Roda dianteira da Fazer

Roda dianteira da Fazer

Não fiz medições de aceleração porque acho uma medida totalmente marketeira que não traduz nenhum benefício ao usuário, mas a retomada de velocidade sim, é um item importante. Só que também não fiz a medição porque é preciso obrigatoriamente um assistente, o que não consegui na emergência e sufoco que foi a produção deste teste. Mas o jornalista Felipe Passarella, da revista MOTO!, um cara muito rigoroso quando o assunto é medições, obteve 7,51 segundos de 40 a 80 km/h (aferidos) para a Fazer e 8,9 seg para a Twister. É o único resultado favorável à Fazer, certamente graças à injeção e ao câmbio de 5 marchas, obrigatoriamente mais curto na última marcha (0,852:1) do que o câmbio de seis marchas da Twister (0,814:1). Na aceleração de 0 a 80 km/h a Twister foi mais rápida, com 7,1 seg contra 7,3 da Fazer. Por isso o hábitat mais indicado para a Fazer é a cidade, enquanto a Twister se dá melhor na estrada.

Na curva

 

Anúncio publicado em 1989 mostra a roda igual à da Fazer

Anúncio publicado em 1989 mostra a roda igual à da Fazer

 

Estilo Muita gente quis me esfolar vivo porque após as primeiras fotos da Fazer que circularam pela internet eu achei a moto bonita. Mas depois de vê-la ao vivo comecei a ficar meio na dúvida, mas agora, depois de visitar o salão de Milão comecei a chamar a Fazer de feia e vou explicar porquê. O que vi em Milão foi o reflexo de uma tendência que já se observa há uns 3 anos. As linhas arredondadas estão sendo substituídas por linhas retas e ângulos bem vincados.

É bom fazer um parêntese. Desde que eu estava na escola, lá nos primórdios da humanidade, os professores de desenho e estilo me diziam que a moda é cíclica, ou seja, a cada período de tempo uma tendência já aposentada reaparece. Nos carros e motos as linhas arredondadas e retas se intercalam em média a cada década. Acabamos de sair da década do “gol boolinha” para entrar na década do “Fiat Stilo reto”. Mesmo a GM, que faz os carros mais caretas do Brasil, lançou o novo Astra com linhas retas e vincos no meio do capô. As novas motos, desde os scooters de 50cc até a sisuda BMW R 1200S revelam ângulos retos e linhas vincadas. Aqui no Brasil a Honda foi ágil e lançou a Twister e Tornado 2006 com linhas marcadamente retas. Até a caretíssima Shadow 750 tem vincos nos pára-lamas. Portanto, não se trata de “gosto pessoal”, mas resultado de uma visão mais aberta, reforçada por entrevistas com projetistas da Derbi e da Aprilia e que resultaram em uma matéria a ser publicada em janeiro na revista Duas Rodas (mas vcs podem esperar que vai sair aqui também!).

Aí vem a Yamaha e lança um produto com pretensões esportivas no meio desta tendência e as linhas são arredondadas!!! Karaka, os caras não têm departamento de pesquisa? Inclusive com uma roda de liga leve com raios curvos! Desde que vi essa roda fiquei com a pulga atrás da orelha, pois sabia que já tinha visto isso antes. Fui consultar meus alfarrábios e descobri: em 1989 a fábrica de rodas Caschi fazia rodas para Yamaha RDZ 135 exatamente iguais às da Fazer! Tudo bem lançar uma roda com uma década de atraso, mas ainda por cima mal acabada e feita na China, aí já é apelação!

Pelo menos a pintura da Fazer é muito bem acabada, pena que mais uma vez as cores são de uma caretice sem igual. As cores metálicas estão totalmente fora de moda, principalmente cinza, prata e o insosso cereja. Nisso a Twister também é um show de horror. Imaginem uma Fazer azul Gauloises, com rodas pretas e filete amarelo! E novamente a Honda foi up to date ao apresentar a Falcon 2006 em cores foscas com motivos tribais.

Show de horror mesmo é a tal barra de apoio do garupa. PelamordeDeus, aquilo é o ó. Pior ainda é quando se sabe que a própria Yamaha oferece opcionalmente uma belíssima barra de garupa estilo fibra de carbono para a Neo! Pô, a motoneta é mais modernosa do que a esportiva 250, qualé a dos caras? Continuando o estilo esquisito, o protetor do escapamento pela metade dá a impressão de que acabou o material de repente no meio do projeto. Falando em escape, ele tem catalisador de tamanho reduzido, muito eficiente e discreto. Aliás, toda Yamaha, carburada ou não, já está saindo catalisada.

Seguindo a análise de estilo, aquele painel é um divisor de águas. Segundo um grande (em vários sentidos) jornalista, parece que começaram a desenhar a Fazer de trás para a frente e quando estava chegando no painel acabou a inspiração. Claro que ele não publicou isso, mas a analogia é perfeita, porque o conjunto de rabeta/banco, com lanternas e piscas integrados ficou muito bem desenhado, incluindo o semi pára-lama traseiro de inspiração totalmente racing. Até as laterais, com capa de plástico imitando quadro perimetral (“inspirada” na Twister) ficaram muito bem casadas com a traseira. Mas aí chega a parte dianteira e tanto o tanque de linhas redondas, quanto o pára-lama dianteiro exageradamente prolongado, não combinaram com a traseira esportiva. Quanto ao painel, ele pode ter um visual meio antiquado, mas a iluminação é muito boa e conta com um hodômetro regressivo que começa a marcar a quilometragem quando o nível de gasolina atinge a reserva. Como já foi exaustivamente anunciado, a Fazer não tem nem afogador, nem torneira de gasolina. Abençoada seja a injeção eletrônica.

1 (continua) >>>

Tite
Geraldo "Tite" Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos BikeMaster e Abtrans.