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A CNH é só o começo: ela pode ser um passaporte para a vida ou...

A CNH é só o começo: ela pode ser um passaporte para a vida ou…

Amigos leitores, eu piloto minha moto todos os dias e trafego por uma rodovia e por duas grandes e importantes avenidas de trânsito rápido em São Paulo. Volto pelo mesmo caminho, sempre nos horários de pico de congestionamento. Tem que contar com a ajuda de Deus para enfrentar os perigos desse trânsito.

Algumas vezes, quando chego à minha casa penso que passei por um pesadelo enfrentando os corredores e desviando dos carros, pedestres que atravessam por entre os veículos e até motociclistas que, por querer ou não, entram a sua frente sem dar sinal ou qualquer outro tipo de aviso. Creio que muitos compartilham esse mesmo sentimento.

Uma aluna do curso de pilotagem, disse-me o que ela enfrentou quando se matriculou em uma moto-escola: “Eu queria aprender a andar de moto e perguntei a secretária da moto-escola se estudaria sinalizações e legislação específica para motos”. A resposta da secretária : ”Só você quer estudar! A maioria dos alunos não quer saber de nada, só pegar a C.N.H. (Carteira Nacional de Habilitação) e ir embora daqui.”

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CFCs devem ensinar especificamente algo sobre motocicletas para quem vai pilotar motos

CFCs devem ensinar especificamente algo sobre motocicletas para quem vai pilotar motos

Não é meu objetivo analisar aqui a imprudência ou irresponsabilidade do condutor, mas a formação dos motociclistas nas escolas de trânsito – as chamadas moto-escolas. Ao longo de minha experiência como instrutor, tive a oportunidade de observar por várias vezes aulas e exames práticos em moto-escolas e pude observar algumas atitudes dos instrutores com seus alunos.

Em algumas destas ocasiões, o lugar dos exames era fechado, como um estacionamento no pátio de uma escola de ensino médio estadual. Os alunos chegavam na garupa com seus instrutores pilotando. Não foram poucas as vezes em que notei que a maioria (mais da metade) dos alunos estavam com capacetes sem fechar a cinta jugular e com a viseira aberta. A situação dos instrutores era pior um pouco, usando capacetes com viseiras abertas e a cinta jugular afrouxada (resolução 203 de 29/09/2006), já que eles, como instrutores, devem dar o exemplo.

O uso de viseira aberta ou fechada depende do bom senso, pois sabe-se que a segurança não é somente proteger os olhos, mas também enxergar em situações de chuva ou embaçamento da viseira. Os instrutores devem explicar o que as leis dizem. Porém, o bom senso alertará para a segurança dos alunos e a conscientização às leis.

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Enfrentar as ruas exige treinamento e os instrutores são a primeira etapa deste processo

Enfrentar as ruas exige treinamento e os instrutores são a primeira etapa deste processo

Em outro local pesquisado, para adentrar ao pátio dos exames havia a necessidade de subir pela calçada para dar acesso ao portão do local de exame. A maioria dos condutores e instrutores não sinalizou para avisar este procedimento de entrada às pessoas que estavam aguardando em uma fila em frente ao portão. Se estas pessoas não saíssem da frente, sem dúvida seriam atropeladas na calçada. Essa atitude se caracteriza direção perigosa. Mais uma vez, vem o exemplo que um instrutor tem que dar. Afinal, ele está ensinando e não aprendendo! (artigo 311 do Código de Trânsito Brasileiro – Lei 9503/97). O que um aluno pensará disso? Que as leis não servem para nada! As leis servem para dar segurança aos que transitam a pé, de bicicleta, de moto, de carro, de caminhão…. Claro, desde que sejam obedecidas.

Em CFCs (Centro de Formação de Condutores), as aulas teóricas visam o carro. Os alunos que se matricularam somente para pilotar motos, não há informação específica para eles. Nos exames (prova) não é verificado se o aluno sinalizou, olhou para os espelhos ou para os lados. A preocupação se baseia em não colocar o pé direito no chão na hora de parar a moto. E se a moto desequilibrar para a direita? Isso prova o que, afinal?

O exame prático não ensina ninguém a enfrentar as ruas; é preciso reciclar todo o processo

O exame prático não ensina ninguém a enfrentar as ruas; é preciso reciclar todo o processo

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O motociclista tira a Carteira Nacional de Habilitação sem noção nenhuma do que realmente é uma motocicleta! Os comerciantes de moto são um dos elos desta corrente e eles querem vender motocicleta, independente se o comprador sabe ou não pilotar, ou mesmo se conhecem os componentes de segurança da moto que está vendendo. Muitos até procuram orientar seus clientes sobre como utilizar a moto com segurança, mas não é função deles. Já ouvi até histórias de compradores de scooters, que são consideradas motos fáceis de pilotar, que saem da concessionária sem saberem onde é o freio traseiro ou dianteiro!

Toda essa situação é erro do piloto? Com certeza não! Então isso é fruto dos erros dos instrutores e das moto-escolas? Também não. Isso é fruto de uma metodologia de ensino arcaica, sem noção de uma nova realidade social, onde a compra de uma moto se transformou em necessidade de locomoção e ganho financeiro para muitos nas grandes cidades. Eu vejo jovens se acidentando por não terem a mínima informação e conhecimento dos perigos de se transitar de moto neste trânsito maluco. Vejo adultos que compraram sua moto caríssima e não a pilotam, porque sua primeira experiência foi frustrante.

Na ocasião que se implantou a obrigatoriedade dos cursos de pilotagem para os profissionais da moto (lei Nº 12.009, de 29/07/2009) fiquei muito feliz com essa determinação. Porém, faltou o mais importante: reciclar os instrutores e oferecer infra-estrutura adequada para a demanda existente. As idéias existem, as leis também, mas não há uma continuidade para a efetivação dessas normas. Não há, também, quem fiscalize estes cursos. Essa lei só veio a beneficiar os centros de formação de condutores, mas a formação dos alunos ficou da mesma forma, ou seja, sem a função de educar para a vida. Os empresários e instrutores de moto-escolas devem também ter a preocupação com o bem estar de seus clientes e com a sociedade como um todo.

Qual é a solução?

Vai aqui uma sugestão para começar a debater o assunto:

  1. Reciclar os instrutores de cursos teóricos em direção defensiva e legislação de trânsito a conhecerem técnicas de pilotagem em motos. Em algumas CFCs  já possuem profissionais de ensino com essa metodologia. Mesclar moto e carro nos cursos teóricos funciona muito bem. As aulas tornaram-se fantásticas nestes centros de formação.
  2. Reciclar instrutores nas aulas práticas em técnicas de frenagem e curvas. Motivá-los com premiações a fazê-los sentir que esta profissão vale muito a pena. Algumas empresas do ramo motociclístico premiam instrutores através de concursos e competições sadias. Prêmios em dinheiro ou de outras formas fazem deles orgulhosos de seu trabalho.
  3. Mudar urgentemente a metodologia de ensino e dos exames práticos em moto-escolas.  Ao Invés de examinarem os alunos em não colocar o pé direito no chão, ou se a viseira do capacete está aberta ou não, passem a observar atitudes de usarem piscas, olharem nos espelhos, criar exames de frenagens, reduções de marchas, entradas e saídas em curvas etc. Criar, também, provas teóricas específicas para motos.

É claro que há muitas outras coisas a serem feitas, mas devemos começar por algo que já está ao alcance. Aos amigos instrutores, como eu, peço que entendam que a vida de muitos alunos pode depender dos nossos ensinamentos. Ensinem a viver o motociclismo plenamente e não somente a passar nas provas. Um forte abraço a todos!

Obs: Para facilitar a discussão sobre esse assunto criamos um espaço no final da página e no fórum para você inserir seus comentários.

Carlos Amaral
Carlos Amaral - Instrutor de pilotagem defensiva certificado pela Honda, instrutor de trânsito do Detran-SP na especialidade Direção Defensiva, palestrante da Porto Seguro Cia de Seguros Gerais, blogueiro e diretor operacional da Carlos Amaral Motorcycle Training