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da Harley Davidson com o SERT

Já faz tempo que estudo o Screaming Eagle Race Turner (SERT) para melhor ajustar os mapas de injeção americanos à nossa realidade, ou seja, ao nosso pobre combustível nacional. Os modelos Harley que chegam ao Brasil são ligeiramente diferentes daqueles vendidos nos EUA, a nossa versão é conhecida como HDI (Harley Davidson International) e se diferencia dos demais modelos principalmente nos aspectos legislativos específicos para cada país. Cabe ao importador fazer a adequada tropicalização desses modelos às realidades do país de destino, e no nosso caso o principal problema é o combustível composto de ¼ de álcool (a mistura varia de 22% a 25% dependendo da região, da safra, da vontade governamental ou pior, dos adulteradores de combustível). A Harley do Brasil alega que tal tropicalização foi feita adequadamente, mas sabemos que não: a moto aquece demasiadamente, tem baixo rendimento (isso é bastante evidente quando se anda com uma aqui, e com outra nos EUA, como fiz no ano passado) e apresenta descoloração nos escapamentos logo nos primeiros meses de uso.

Não sou químico, muito menos engenheiro mecânico ou eletrônico, minhas experiências se deram absolutamente na prática ou através de pesquisas pela Internet e apenas para uso pessoal, porém considero que meu estudo foi bem sucedido e, portanto, acho que transmitir essa experiência aos demais proprietários de Harley pode ser útil não só para os eventuais beneficiados por essa pesquisa como pra mim mesmo, pois algum usuário do Motonline mais experiente ou com maiores conhecimentos na área pode apontar alguma falha ou alternativa mais interessante da que eu encontrei. Aprender é antes de tudo compartilhar conhecimento.

Não custa lembrar, meu envolvimento com o SERT se deu por causa de uma modificação no motor que resolvi fazer e que está documentada na coluna Modificando o motor TC88 para TC95 publicada em Dezembro do ano passado. Como troquei o comando de válvulas e o kit de cilindros, não haveria outra forma de ajustar o motor após as modificações a não ser remapear completamente a EFI e o Race Turner, um acessório original Harley, serve exatamente para isso. Há duas formas de modificar o mapa de injeção de uma Harley: ou se faz um mapa completamente novo usando o Race Turner e o “aplica” na moto, ou se usa um dos diversos dispositivos eletrônicos disponíveis no mercado que vão corrigir para mais ou para menos o sinal elétrico do mapa original enviado ao injetor, resultando em uma mistura mais rica ou mais pobre. Esses dispositivos “corretores” são quase sempre mais baratos porém oferecem menos recursos na configuração e têm o inconveniente de permanecerem instalados na moto, portanto sujeito a falhas como qualquer outro dispositivo eletrônico de terceiros instalado a bordo de uma moto. O Race Turner é diferente, ele é uma interface de comunicação e um editor de mapas, uma vez que o mapa correto é desenvolvido e instalado na moto, o Race Turner não é mais necessário, pode ser guardado em uma gaveta em casa. Há um grande inconveniente no Race Turner: ele vincula seu hardware a uma única unidade EFI, portanto só serve para uma única moto, a primeira onde ele foi utilizado. Nunca compre um Race Turner usado ou já vinculado a um serial number, pois ele será inútil em qualquer outra moto.

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Sei que muitos vão achar estranha essa vinculação a uma única EFI, mas há uma razão para isso: se o SERT pudesse ser usado em qualquer moto, a Harley não conseguiria vender tantas unidades assim, praticamente só as oficinas especializadas comprariam tal dispositivo para “vender” o serviço de remapeamento. Por outro lado os dispositivos corretores como o Power Commander também são vinculados a uma única moto (afinal, ficam instalados permanentemente) por isso não é nenhum absurdo que o SERT também tenha tal limitação, por mais que ele fisicamente fique guardado em uma gaveta após seu uso.

O Race Turner ou SERT é baseado em tabelas com linhas (RPM) e colunas (geralmente a pressão no manifold, relacionada à posição do acelerador), resultando em células similares ao do Excel. Para cada combinação de rotação e posição do acelerador, temos um valor base para o pulso da injeção. Essas tabelas são depois codificadas e formatadas para serem gravadas na EFI e depois disso não permite que seus dados sejam lidos. É fundamental guardar uma cópia do mapa utilizado para uma eventual modificação ou ajuste posterior.

Firgura 1: A tabela AFR do SERT é a primeira de uma série de tabelas que podem ser modificadas. A lista suspensa nessa imagem mostra as demais tabelas disponíveis, desde o ponto de ignição até as condições de partida, aquecimento do motor, aceleração e desaceleração, marcha lenta, e muito mais.

Nesse exemplo utilizei o mapa base 141NP101 correspondente ao modelo Softail 2006 com motor original 1450cc com um filtro de ar SE (Screaming Eagle) de alta performance e “mufflers” (escapamentos) de maior vazão. Esses mapas de referência podem ser encontrados no CD que acompanha o produto. Nas minhas primeiras tentativas me pareceu obvio ajustar a tabela AFR (Air Fuel Ratio) para enriquecer cerca de 8% a mistura. O resultado prático não foi o que eu esperava e por isso adotei o método pela tabela VE, que comentarei em seguida. Porque esse ajuste de 8%? Pelas diferenças químicas do álcool e da gasolina pura, e pela diferenças entre o valor considerado ideal nas relações estequiométricas (mistura ar/combustível) entre os dois combustíveis “puros”, cheguei a uma conclusão matemática que a nossa pobre gasolina com 22% de álcool (em média) deveria sofrer um incremento de 8% para obter o mesmo resultado da gasolina americana. Na prática, acho que o valor ideal na Harley é da ordem de 10% e não 8%, mas isso eu descobri na base da tentativa e erro.

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Para operar bem o SERT é preciso conhecer suas tabelas (no menu Table Selection) e os modos de edição (menu Table Comparison) que estão no menu superior que infelizmente não aparece nessas imagens. Vamos usar apenas as tabelas VE e a Cranking Fuel nessa tropicalização amadora, e vamos recorrer sempre à comparação da tabela editada com o valor de referência do mapa, para não fugir muito do que foi considerado “ideal” pela Harley com a gasolina americana. Há um botão para mostrar um gráfico que será útil para corrigir distorções muito grandes na edição das células.

A tabela VE (Volumetric Eficiency) teoricamente mede a eficiência de preenchimento do cilindro conforme a rotação e a pressão no manifold. Sabemos que um motor de 4 tempos raramente atinge 80% de eficiência volumétrica mas estranhamente vemos nessa tabela valores acima de 100%, um indício de que ela significa mais do que apenas variar a eficiência volumétrica do cilindro. Descobri que a importância dessa tabela no cálculo do pulso resultante é maior do que a lógica faz supor, tanto é que nos mapas que tem variação de injetor (há modelos de 8 e 25 graus com vazões de bico bem diferentes) a Harley ao invés de ajustar a constante “vazão de bico” optou por alterar linearmente as tabelas VE em uma proporção menor do que a diferença de vazão entre esses os bicos indicaria.

Talvez por isso minha primeira tentativa pela tabela AFR não tenha dado tão certo quanto essa última, pela tabela VE, que efetivamente trouxe resultados mais precisos no enriquecimento da mistura. Selecione a tabela VE do primeiro cilindro e clique no botão RPM (canto superior esquerdo) para que todas as células fiquem marcadas, em seguida vá clicando no botão “increment” de forma que todas as células fiquem 10 unidades acima do que o modo original. Selecione a comparação com a tabela de referência para verificar se realmente 10 unidades foram adicionadas em todas as células. Essa abordagem não é linear, porque nas células que originalmente a VE estava com menos de 100% o aumento de 10 unidades é maior do que os 10% desejados, e o inverso acontece nas células onde originalmente o VE era maior do que 10%, mas preciosismos a parte, em média estamos enriquecendo a mistura em cerca de 10%. Eu uso o método avançado, que permite acesso a mais tabelas, mas no método básico existe a possibilidade de fazer incrementos percentuais, mas oferece algumas outras limitações. Fica a critério de cada um a escolha do melhor método.

Podemos fazer o mesmo na tabela VE do cilindro traseiro, mas vocês notarão que as células desse cilindro quase sempre estão mais ricas do que o dianteiro, mas algumas delas estão mais pobres, geralmente as de RPM mais baixo. Dá pra fazer essa comparação “copiando e colando” as células da VE do cilindro dianteiro no traseiro e depois comparando essas com os valores de referencia do cilindro traseiro. Eu obtive resultados muito bons, especialmente para reduzir o calor nas partes intimas que ficam logo acima do cilindro traseiro, deixando as células que estão mais pobres que o dianteiro pelo menos com o mesmo valor (ou seja, diferença ZERO). Recomendo que primeiro se corrija essas células mais pobres e depois incremente todas as células também em 10 unidades (ou 12 unidades, caso queira enriquecê-lo um pouco mais), tal como no cilindro dianteiro. Uma das vantagens de enriquecer mais o cilindro traseiro é acompanhar a coloração da vela. Se ambas as velas apresentarem colocação indicativa de mistura pobre, enriqueça mais um pouco os dois cilindros. Se o traseiro (mais rico) apresentar uma cor de vela melhor, sabemos que estamos bem próximos do valor ideal também para o cilindro dianteiro.

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Figura 2: comparando o cilindro dianteiro com o traseiro vemos que há áreas onde o traseiro é mais rico (parte azul do gráfico) e áreas onde é mais pobre (amarelo e laranja, curiosamente em rotações mais baixas, típicas dos centros urbanos).

A última modificação nesse guia é na tabela Cranking Fuel, que mostra quantos milissegundos o injetor ficará aberto no momento da partida. Notei que quando o motor está ligeiramente quente é melhor deixar passar (afogar) um pouco mais com o nosso combustível do que o indicado na tabela de referência, por isso aumentei em 8 milissegundos todas as células acima de 48 graus (temperatura do bloco). Não notei problemas quando o motor está completamente frio, por isso mantive as células abaixo de 48 graus intactas. Porque 8 milissegundos? Poderia ser 10 ou 12, na falta de instrumentos mais precisos tudo é feito na tentativa e erro, e nesse caso 8 me pareceu um bom número (cerca de 50% de incremento nos valores mínimos dessa tabela).

Figura 3: um ligeiro aumento na tabela Cranking Fuel ajuda a partida do motor quando ele já está aquecido. Nesse caso, aumentei 8 milissegundos nas células acima de 48 graus Celsius.

Esses ajustes ajudam bastante a resolver os problemas de calor intenso no motor (por causa da mistura pobre original), especialmente no cilindro traseiro, e na partida com o motor quente, que geralmente dá uma engasgada com a EFI original. Recomendo que se verifique a cor das velas antes e depois desse ajuste, e que a cada 500 km se faça uma nova verificação de velas até encontrar o ponto (ou a cor de vela) ideal.

Na minha moto fiz modificações muito mais profundas para adequar a tabela VE ao novo comando de válvulas (SE204) e alterei também a marcha lenta para cerca de 1000 rpm, pois esse comando deixa a marcha lenta menos estável. Mas cada caso é um caso. Conforme o tipo de escapamento podemos ter variações ainda maiores na tabela VE, mas esses ajustes mais precisos vão requerer um sensor de oxigênio no escapamento e um dinamômetro. Aqui no Brasil existem poucas oficinas com esses equipamentos e não conheço nenhuma que trabalhe com o Race Turner (SERT), embora algumas trabalhem com outros dispositivos de correção com bastante sucesso.

De tudo que eu pesquisei na Internet sobre o SERT, talvez as dicas mais importantes sejam essas: não mexa nas constantes e não mexa na tabela AFR. Caso altere as tabelas de ignição não deixe de usar o Data Mode do Race Turner para ler os sensores da EFI com o motor em funcionamento e verificar se não está acontecendo pré-detonação nos cilindros. No mais, apenas as recomendações de praxe: use um notebook confiável, de preferência ligado na tomada elétrica e com o cabo serial bem firme (eu uso um adaptador Serial/USB, já que meu notebook não tem portas seriais) e siga corretamente as instruções no manual para gravar o novo mapa na moto. Já li casos onde, por uma falha na gravação, a EFI simplesmente morreu… e a Harley não dá garantia a nenhuma alteração na EFI, seja com o SERT ou com qualquer outro dispositivo de correção.

Figura 4: acima a diferença nas tabelas do motor original 1450cc e o 1550cc com comando SE203 de referência da Harley. Note que o segundo é muito mais cheio do que o primeiro. Minha tabela VE (comando SE204) é uma adaptação dessa segunda.

p_c