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Texto de Roberto Negreiros, de Curitiba (PR)

Corria o ano de 2002, eu tinha 37 anos e vivia sob o risco manifesto de sofrer um infarto. Fumava 4 maços de cigarro Charm 100’s por dia, comia compulsivamente, pesava mais de 100 kg e vivia estressado. Dormia mal, só pensava em trabalho e não praticava qualquer atividade que proporcionasse algum prazer, além de frequentar a sauna do meu clube, onde, além de um papo mórbido com outros advogados estressados, só fazia comer, beber e dormir.

Com sua Harley-Davidson na Bahia; receita para ser feliz

Com sua Harley-Davidson na Bahia; receita para ser feliz

Não me lembro bem o porquê, mas um dia me submeti a um teste de esforço (esteira), e acabei passando muito mal; perdi o fôlego e, por alguns instantes, a própria consciência… Enquanto me recuperava, o médico (que recentemente faleceu, fulminado por um infarto, enquanto trabalhava naquele mesmo consultório…), advertia-me sobre a necessidade de mudar os hábitos de vida… dizia-me ele que se eu viesse a ter um mal-súbito, seria tão forte – e súbito – que talvez eu sequer tivesse tempo de lembrar aquelas recomendações…

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Mas o doutor “pegou na veia” mesmo quando me fez lembrar que, em casa, meu filho – então com apenas 8 anos – esperava por mim. Naquele dia mesmo tomei algumas providências. Um outro médico, amigo da família, já havia nos falado do Zyban (medicamento auxiliar no tratamento do tabagismo), e eu decidi experimentar. Foi um sucesso. Em 15 dias parei de fumar.

Precisava emagrecer, mas o excesso de peso dificultava a prática de exercícios físicos… então comecei a tomar Reductil para controlar o apetite e, aos poucos, fui adotando as caminhadas no Parque Barigui, muito próximo à minha casa. Inicialmente, ia ao parque dia sim, dia não. Ali chegava às 5 horas da manhã, fazia alongamentos, caminhava até as 6:30, mais alongamentos e finalmente às 7:00 estava em casa para tomar banho e me arrumar para o trabalho.

Parada para abastecimento.... da moto e do piloto

Parada para abastecimento.... da moto e do piloto

Peguei gosto pela coisa. Mercê do bem-estar e da disposição que ganhava com as caminhadas, em poucas semanas elas se tornaram atividade diária, corroborando a perda de peso. Fiquei animado, e no clube troquei a sauna pela academia, onde passei a praticar musculação duas vezes por semana, enquanto meu filho aprendia karatê. Modifiquei radicalmente os hábitos alimentares, a ponto de deixar de consumir carne vermelha. Minhas fontes de proteína eram soja e carne de peixe, sempre acompanhadas de muita salada, muito legume, muita fruta e muita água.

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O processo de recuperação da minha saúde, da disposição física e do bem-estar geral se tornou um círculo-vicioso… cheguei a perder 28 kg e me sentia melhor a cada dia. Voltei aos estudos e à prática dos trabalhos de voluntariado na Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas; tornei-me outra pessoa.

Numa lindíssima manhã de sábado, depois de caminhar e correr duas ou três vezes o circuito do Parque Barigui, encontrei com minha mulher no bistrot “Casa Amarela” (mantido pela Prefeitura de Curitiba com renda revertida para ações sociais), e ali sentamos para ver o movimento enquanto tomávamos água de côco. Foi quando um harleyro apareceu, fazendo barulho. Não me lembro exatamente do modelo da moto, mas, com certeza, era uma touring vermelha.

Detive-me em observar aquele sujeito e a satisfação que transmitia por estar ali, com sua máquina linda, poderosa e reluzente… tirou o capacete (era um modelo “coquinho”, recordo-me perfeitamente desse detalhe), pendurou na manopla, apeou, pegou uma água de côco e ficou ali, contemplando a paisagem…

A cena durou uns 15 minutos. O harleyro subiu na moto, vestiu o capacete, deu a partida, bateu primeira e saiu, pipocando… então virei para minha mulher e disse:

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– Você vai achar que eu estou ficando louco, mas acho que vou comprar uma moto…

A resposta, não menos surpreendente que minha declaração:

– Então compre uma moto grande, porque eu vou sair com você!

A suposição de que ela fosse duvidar da minha sanidade mental deitava raízes no fato de, até então, motocicletas me parecerem máquinas perigosas, verdadeiros passaportes para o cemitério, ou, na melhor das hipóteses, moedas de troca bem-aceitas no mercado de muletas, cadeiras-de-rodas e outros apoios ortopédicos…

A história familiar jamais nos permitira esquecer um jovem casal de primos que morrera tragicamente na BR-376 (época em que o trecho Curitiba – Joinville, antes da duplicação, era conhecido como “Corredor da Morte”), em plena lua-de-mel, quando viajavam… de moto!

Roberto num de seus passeios com suas "amantes" motocicletas

Roberto num de seus passeios com suas "amantes" motocicletas

Mas, “voltando à vaca fria”, na segunda-feira eu me matriculava numa moto-escola para ter a primeira aula prática já no sábado seguinte. Eu sabia, sequer, subir numa moto! Já na segunda aula confundi acelerador com freio e dei uma homérica trombada no muro… um fiasco, diante dos demais “alunos” que, ao contrário do que se dava comigo, tinham prática na pilotagem e estavam ali só para cumprir um rito estritamente legal e obter a habilitação!

Antes de terminar a bateria de 15 horas-aula, comprava minha primeira companheira: Pennelope, uma linda Virago XV 250S, grená, adquirida zero km na concessionária Yamaha por exatos R$10.000,00. Foram três meses durante os quais rodei 3.500 km. E a “viraguinho” já me parecia um tico-tico. Eu queria mais. Dali fui para a Shadow (Bettina), para a Intruder (Rebecca), para a Drag Star (Luísa) e para a Bandit (Suzana). A experiência com a Bandit foi interessantíssima… mas eu ia acabar me matando com ela.

Seduzido pela potência e pela sensação de segurança transmitida pela excelência da estabilidade em curvas e dos freios, comecei a abusar. Numa noite de sexta-feira, ao chegar na garagem do nosso apartamento em Caiobá, meu filho flagrou o registro de 229 km/h. (velocidade real, apontada pelo computador de bordo), que eu atingira na PR-508, a caminho da praia.

Àquela altura eu já tinha voltado a fumar, pesava mais de 100 kg e sofria de síndrome plurimetabólica. Então resolvi sossegar o facho: vendi a Bandit e comprei uma Shadow VT 750, a quem batizei… Gisele! Foram 18 meses de pura alegria com a Gisele.

Mas, a exemplo das outras custom que tinham passado pela minha vida, a moça era, na realidade, um espectro daquela inspiradora harley vermelha que eu tinha visto no bistrot do Parque Barigui enquanto tomava água de côco… Desde os tempos de Pennelope, o meu mais verdadeiro desejo firmava-se no sentido de ter uma harley. Tanto que a escolha de acessórios e demais itens de personalização alinhava-se exatamente na direção de deixar minha moto o mais parecida possível com uma legítima Harley-Davidson, “a lenda”!

Em 2008, aos 45 anos de idade, meu filho com 15, e sob condições de saúde que me faziam supor que eu já não teria muito tempo para realizar sonhos, resolvi me presentear com a Barbara, uma Harley-Davidson FLHRCI Road King Classic, zero km. Finalmente, sobre a Barbara, além do apego por tudo o que ela me proporciona em contra-partida do pesado investimento e do custo da manutenção – o prazer dos passeios, das viagens, e, muito especialmente, o valor incomensurável das amizades que ela me proporcionou em curtíssimo espaço de tempo – só tenho a dizer que a considero, de longe, a coisa mais linda que as mãos do homem já foram capazes de produzir; trata-se de uma peça que não pode se tornar mais bonita… é simplesmente perfeita!

Eu até encontraria meios, mas teria muita dificuldade em ser feliz sem ela na garagem…