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“Se a lenda for mais interessante que a realidade, publique-se a lenda.” – John Ford

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Igreja do Nosso Senhor do Bonfim; à direita o historiador Altino Afonso que nos ajudou a caçar uma boa história

Igreja do Nosso Senhor do Bonfim; à direita o historiador Altino Afonso que nos ajudou a caçar uma boa história

Roma, Itália – Sala de audiências de Sua Santidade, o Papa Pio IX, Século XIX. Um homem aguarda o sinal para ter com o Papa. Seus pensamentos o atormentam na expectativa do que vai pedir ao Sumo Pontífice. O jovem entra na sala, ajoelha-se, beija o anel e de joelhos conta ao Papa a razão da sua vinda de tão longe.

Pede ele que o Papa autorize a casar-se com sua irmã em razão de um amor incontrolável que ambos sentem um pelo outro. O Papa nega o pedido informando que tal união não seria abençoada pela Igreja. O jovem insiste com a argumentação de que é o ‘grande amor da sua vida’, mas o conselho dado por Sua Santidade acaba com todas as esperanças.

Sua Santidade adverte-o novamente e diz que não existirá maior prova de amor entre ambos se não “amarem-se em silêncio e platonicamente, longe do estigma do pecado da carne”. O silêncio é interrompido com a bênção papal e um “vá em paz, meu filho”.

Acima à esquerda, o sobrado do Barão do Crato visto do Foyer do Teatro e da Igreja do Senhor do Bonfim. Abaixo à esquerda o estado do casarão antes da sua reforma, ainda assombrado para muitos

Acima à esquerda, o sobrado do Barão do Crato visto do Foyer do Teatro e da Igreja do Senhor do Bonfim. Abaixo à esquerda o estado do casarão antes da sua reforma, ainda assombrado para muitos

O jovem sai arrasado e está determinado a passar sua vida na solidão, sem casar-se, no que é acompanhado pela irmã. O desafortunado casal residia à época na cidade de Icó, Ceará (340 km de Fortaleza). Ele é o Barão do Crato e ela Maria do Rosário, jovem de beleza ímpar, sua irmã.

Morreram solteiros. O Barão foi enterrado em Fortaleza no Cemitério São João Batista onde Dona Maria do Rosário, já idosa, morando na capital, ia toda semana fazer tricô ao lado do seu túmulo até que chegasse o dia de reencontrar Bernardo Duarte Brandão, Barão do Crato, seu irmão e amor impossível.

A maldição do Barão do Crato

Seria um belo mote para um romance, bem ao estilo shakespeariano a lá Romeu e Julieta, de arrancar lágrimas de muitas pessoas, se a história acima não tivesse realmente acontecido.

Icó, no Estado do Ceará guarda ainda muitas lendas, segredos e mistérios que deixariam qualquer caçador de histórias muito feliz.

O Barão do Crato e o seu amaldiçoado amor por Maria do Rosário fizeram dele um nobre pedante e cruel. Nos fundos do casarão foram encontrados dentes que foram arrancados nas longas sessões de tortura a que seus escravos eram submetidos horas a fio, dias e dias e pedaços de ossos de corpos humanos que presume-se tenham sido de escravos do Barão.

Dona Glória Dias a abolicionista que enfrentou o Barão

Tamarineira plantada por Glória Dias, motivo da briga com o Barão do Crato; ao fundo o sobrado de Dona Glória

Tamarineira plantada por Glória Dias, motivo da briga com o Barão do Crato; ao fundo o sobrado de Dona Glória

Temido, o Barão não frequentava a sociedade e sempre estava envolto em disputas políticas como que buscando descarregar sua infelicidade. Mas uma mulher, Dona Glória Dias, descendente do Visconde do Icó resolveu enfrentá-lo. Insatisfeito com duas tamarineiras que serviam de abrigo e sombra para viajantes, incomodado com o barulho e o mau cheiro dos animais o Barão ordenou que fossem arrancadas. Dona Glória adquiriu uma carroça de pólvora e informou ao Barão que caso fizesse isso ela faria seu sobrado voar pelos ares. Sabedor que promessa de Glórias Dias era coisa certa de ser cumprida, o Barão recuou.

A carroça de pólvora foi doada para os festejos de Senhor do Bonfim, para serem transformados em fogos de artifício. Desta briga nasceu a tradição de comemorar todos os anos com muitos fogos a data (6 de janeiro) em homenagem ao santo.

 

Visão do Largo Théberge, o maior do Ceará

Visão do Largo Théberge, o maior do Ceará

Mas Nosso Senhor do Bonfim carrega outra lenda não menos explosiva. Contam que foi construída no meio do largo de 900 metros de comprimento por 100 de largura (Largo Théberge), que fica no centro de Icó, uma nova e maior igreja em homenagem ao Nosso Senhor do Bonfim. Porém a imagem de Nosso Senhor continua na igreja antiga (1749) que fica ao lado do casarão do Barão do Crato (que tem mais de 200 anos de construído), jamais saiu de lá. A lenda diz que abaixo dela está enterrada uma gigantesca baleia e se a imagem fosse movida tudo acabaria inundado e todos se afogariam. Mesmo hoje, com toda a tecnologia e informação disponíveis, nem igreja, nem povo aceitam por razão nenhuma mover a imagem. Assim a igreja nova de Senhor do Bonfim, não tem a imagem original que continua no mesmo lugar onde sempre esteve.

Teatro Ribeira dos Icós, construído pelo médico francês Théberge em 1860, segundo mais antigo do Brasil; à direita imagem antes da restauração

Teatro Ribeira dos Icós, construído pelo médico francês Théberge em 1860, segundo mais antigo do Brasil; à direita imagem antes da restauração

Visão interna do Teatro Ribeira dos Icós

Visão interna do Teatro Ribeira dos Icós

Icó sempre foi uma cidade rica e culturalmente em ebulição. É lá, no meio do nada que foi construído o segundo teatro mais antigo do Brasil – o Teatro da Ribeira dos Icós, construído pelo médico francês Dr. Théberge (1860) nunca foi inaugurado. No dia destinado a sua inauguração uma disputa para saber quem seria o casal mais elegante a estar presente acabou esvaziando a festa e por falta de pessoas e o teatro não foi inaugurado. Além disso, carrega o teatro uma lenda que diz estar por baixo do palco uma passagem secreta que levaria a um túnel com destino a casa do Barão do Crato. Há sim uma marca de uma passagem fechada por tijolos, mas o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – nunca autorizou escavações e, portanto, desde então, surgiu mais uma lenda.

A cidade de Icó, até 1914, possuía uma população maior que a de Fortaleza, capital do Ceará. Com o tempo a decadência chegou à cidade fruto de uma estrada de ferro que foi desviada para a cidade de Iguatu isolando a cidade de 328 anos de história e 188 anos de emancipação política.

Libertação dos Escravos

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída por escravos

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída por escravos

Icó detém uma marca não registrada, segundo o historiador Altino Afonso, de ter sido a primeira cidade a libertar oficialmente os escravos três dias antes do dia 25 de março de 1886, data que no Ceará, a partir da cidade de Redenção, acabou definitivamente com a escravatura no Estado. Os escravos de Icó tiveram ampla proteção e era motivo de luta abolicionista por parte de Dona Glória Dias – a mulher que desafiara o Barão do Crato. A Igreja do Rosário, construída pelos escravos e frequentada apenas por eles, está impecavelmente conservada.

Para cumprirem com suas obrigações religiosas os escravos precisavam andar por uma rua estreita e comprida chamada de Rua do Meio. Só poderiam caminhar por aquela rua, se fossem pegos vagando por outro lugar sem o seu senhor por perto ou a mando deste seria surra certa.

A Rua do Meio vai desembocar nos fundos da antiga prisão construída no final do Século XVIII. Suas paredes de 1,5m de largura, grades que pesam mais de cem quilos e uma chave única, enorme e com meio quilo de peso. Ali foram presos os revoltosos da Confederação do Equador e no pátio interno, onde fica a capela de São Domingos – protetor dos presos – vários icoenses foram fuzilados a mando de Dom Pedro II que criou em Icó um Governo Imperial para combater a revolução.

O Sino Descasamenteiro, com seu badalo amarrado a pedido da população para que ninguém o toque sem antes ser avisado da maldição

O Sino Descasamenteiro, com seu badalo amarrado a pedido da população para que ninguém o toque sem antes ser avisado da maldição

Também está preso, a pedido da população, o sino descasamenteiro. Reza a lenda que quem tocava o sino, se fosse casado se separaria e se fosse solteiro não se casaria nunca.

Casarão da Família Teixeira – Um Século de história recuperada e preservada

O empresário Luiz Gonzada Teixeira e Wgerles Maia no casarão restaurado; ao fundo uma memória de como eram as paredes

O empresário Luiz Gonzada Teixeira e Wgerles Maia no casarão restaurado; ao fundo uma memória de como eram as paredes

Pouco mais adiante chegamos ao casarão com eira, beira e sobeira restaurado pela família Teixeira, oriunda de Várzea Alegre, município próximo a Icó. Toda casa à época que tinha eira, beira e sobeira era casa de gente abastada, daí dizerem que pobre era uma pessoa que não tinha nem eira, nem beira – quanto menos sobeira. Resultado de um projeto arquitetônico de restauração minuciosa, o empresário Luiz Gonzaga Teixeira atendendo ao desejo de sua esposa, recuperou a história do velho casarão.

Foram muitas descobertas. Moedas, móveis, louças enterradas no quintal, alicerces de pedra e barro; paredes feitas no que chamavam à época de concreto cearense formado por uma moldura em madeira – fechadas entre os vãos com tijolos e cobertas por argamassa. Coisa que durava muito. O velho casarão, todo restaurado, data de meados do Século XIX.

Igreja de Nossa Senhora do Monte.

Igreja de Nossa Senhora do Monte.

Icó tem muita história para ser contada e que não caberia em uma matéria apenas. Vale a pena conhecer várias outras lendas, suas igrejas, sua cultura. Hoje a atual administração já prepara a cidade para ter guias-mirins que irão apresentar estas e outras histórias e estórias aos visitantes. Há centenas de casarões preservados e outro tanto em fase de restauração. Uma das medidas iniciais foi trazer o escritório do IPHAN de volta à cidade. Com isso, vários projetos que estiveram parados por décadas deverão sair do papel e Icó terá de volta todo o seu esplendor. Desta vez por proporcionar ao visitante aventurista uma viagem no tempo através de lendas, muitos segredos ainda guardados e histórias de deixar cabelos em pé.

Descubra você mesmo os mistérios de uma cidade que tem ainda muita história para contar. A gente se vê na estrada.

Saiba mais clicando aqui.

Icozinho, uma capela de ex-votos no meio do sertão

Icozinho, uma capela de ex-votos no meio do sertão

APOIO CULTURAL – FAB Energético da Foverer (Representante Forever Iguatu: [email protected]), Make Safe – alarmes presenciais, Icamotos, Motonline, Revista Motoboy e Posto Icavel.

Esta é a 5a. da série de 24 matérias redescobrindo o Centro-Sul do Ceará.

Agradecimentos :

Wgerles Maia – Procurador do Município e membro do MC Guerreiros do Sol.

Márcio Greyke – Secretário de Cultura.

Altino Afonso – Historiador.

Luís Sucupira
Motociclista desde os 18 anos. Jornalista e apaixonado por motos desde que nasceu.