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Falou em contraesterço e você já pensou num piloto contornando uma curva em velocidade vertiginosa, utilizando uma série de técnicas para conseguir manter a trajetória nela, né? Pois bem, na verdade, o contraesterço é muito mais sutil do que isto – tanto que nos acompanha em diversas situações.

Além disso, ele é o assunto do nosso quinto e último episódio sobre os 5 Segredos das Curvas, que ensina técnicas de pilotagem defensiva para aplicar em sua moto, seja ela um scooter ou representante de qualquer outro estilo. Antes, falamos sobre as três partes de uma curva, a importância de manter o olhar corretamente, como perder o medo de inclinar e, na lição, quatro, abordamos o posicionamento do corpo nas curvas.

O guidão virado para a esquerda enquanto a moto inclina na direção contrária. O contraesterço é isso e muito mais - Foto: Geórgia Zuliani

O guidão virado para a esquerda enquanto a moto inclina na direção contrária. O contraesterço é isso e muito mais – Foto: Geórgia Zuliani

O quinto segredo das curvas: contraesterço

Este é um assunto rodeado de mistérios (quase polêmicas, talvez), onde surgem teorias diferentes sobre seu funcionamento ou técnica. Assim, adoto aqui conceitos apresentados no livro “Motociclismo Avançado” de James Stuart e também no trabalho do piloto e instrutor Keith Code, autor do vídeo “A Bíblia das Curvas”. Além disso, claro, mostro um pouco das experiências que tive ao longo de todos esses anos como instrutor de pilotagem.

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Falando de física

Calma, não vamos lhe obrigar a fazer cálculos matemáticos extensos. Porém, lembre-se que o funcionamento da moto se dá pela ação de diferentes forças, relacionadas à sua tração, mudança de trajetória, inclinação etc. E, também, que ela foi feita para ficar de pé – ainda que alguém um dia tenha lhe dito o contrário, que ela é feita para cair.

Isso se prova através da Lei da Inércia (sim, a do Isaac Newton) e no efeito giroscópio, conhecido através do trabalho de Jean Bernard Léon Foucault (1819 – 1868). Nele, o físico francês provou que a Terra gira em seu próprio eixo (movimento de rotação) e sustentada por este movimento. Da mesma forma, a bicicleta (ou a moto) fica de pé justamente pelo movimento das rodas. Assim, quanto maior for o efeito giroscópio (com a velocidade) mais ela irá querer ficar de pé.

Uma experiência simples para ilustrar isso pode ser feita com uma roda de bicicleta. Segure-a pelo eixo e peça que alguém a gire com força. Então, após sentir o giro tente inclinar ou virar a roda para um lado e para o outro. Você não consegue, pois ela está em uma rotação (velocidade) e o efeito giroscópio não permite sua inclinação – que só será viável quando a velocidade diminuir.

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Então o efeito giroscópio é meu brother?

Sim, pero no mucho. Lembrando: o efeito irá manter o objeto sempre de pé, reto, equilibrado, numa reação oposta a que desejamos quando precisamos inclinar a moto para contornar uma curva. Por isso eu costumo dizer que a moto é feita para fazer curvas, mas ela não gosta.

Quanto maior a velocidade, maior a atuação do efeito giroscópio. Ele tentará (sempre) deixar a moto equilibrada, de pé

Quanto maior a velocidade, maior a atuação do efeito giroscópio. Ele tentará (sempre) deixar a moto equilibrada, de pé

Desse modo, é comum que muitos motociclistas tenham passado pela desagradável sensação de que a moto ‘não quer’ inclinar para fazer uma curva, o que faz com que ela perca a trajetória; com o que ela esparrame na curva. Naturalmente, a moto irá fazer sempre a vontade dela – e não a do piloto, propriamente falando.

Contraesterço: vira o guidão para um lado e a moto vai para o outro

Bom, vamos seguir falando de física de forma simples e de fácil compreensão. Para começar, o que significa contraesterço? Esterçar é sinônimo de virar, girar. Logo, contraesterçar é girar o guidão para um lado fazendo com que a moto incline no sentido contrário. Virou para a direita e ela pendeu para a esquerda, simples.

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Embora pareça algo totalmente averso à intuição humana e por isso muitos dizem que trata-se de uma técnica de difícil aplicação, não é. Não é nenhuma técnica extraterrestre, mas sim algo que a própria ciclística da moto exige. Na verdade mesmo a moto nem precisa do piloto para contra esterçar, pois ela faz sozinha. Já viu aqueles vídeos em que o piloto cai e ela segue andando só, reta?

 

Faça duas experiências

Acredite, o contraesterço está aqui também - Foto: Geórgia Zuliani

Acredite, o contraesterço está aqui também – Foto: Geórgia Zuliani

Presenciar o funcionamento do contraesterço na prática é simples. De moto, faça um teste numa via reta e tranquila. Com o corpo alinhado com a moto, acelere em velocidade constante na casa dos 40 km/h (para motos com roda dianteira entre 17 a 21 polegadas e um pouco mais veloz com as scooter, de rodas menores). Aqui, já estará sob ação do efeito giroscópio.

Então, como referência empurre o guidão para frente com o braço direito de forma suave e com mansidão – virando o guidão para esquerda. Perceba que este ato faz com que a moto incline para a direita contornando, portanto, uma curva para a direita e não para o lado do esterçamento do guidão. Simples, né?

Mas para ver como o contraesterço é algo natural para os veículos de duas rodas (de modo que acontece literalmente sozinho) faça outro teste. Pegue uma bicicleta e a empurre com força. Note que enquanto está em movimento irá continuar em linha reta e assim que começar a perder velocidade vai caindo para os lados. O que acontece, então? O guidão, sem ninguém mexer, esterça do lado contrário à queda, na tentativa de fazê-la voltar ao equilíbrio, de não a deixar cair (sim, o contra esterço serve, também, para reequilibrar a moto em situações de desequilíbrio).

Você já fez e nem percebeu

Quer fazer a curva para a direita? Então EMPURRE o guidão com a mão direita (do acelerador). Quer fazer à esquerda? Então empurre o guidão com a mão esquerda. É simples, não? Enquanto você empurra o guidão com sua mão direita, ao mesmo tempo está puxando o guidão com a esquerda. Você já faz isso até mesmo para desvios rápidos de obstáculos e nem percebeu! Amigos, contraesterçar TODOS fazem. Vamos, então, facilitar esse exercício e trazer ao nosso raciocínio esta técnica.

O movimento pode ser sutil – ou não

Repare nas duas fotos abaixo. Na primeira, corpo do piloto e moto estão praticamente no mesmo grau de inclinação e fica claro que a moto está contraesterçando, afinal pois a roda frontal está virada para o lado contrário da inclinação da motocicleta. Repare, também, que o braço direito está puxando e o esquerdo empurrando o guidão.

Foto dois. O piloto da moto preta está empurrando o guidão com a mão direita (portanto, esterçando para a direita) e, então, a moto está fazendo a curva à esquerda. Aqui, o piloto estava contornando uma curva mais fechada e de baixa velocidade, com o posicionamento do corpo apropriado para esta situação. Mas… A roda frontal não está esterçada contrária à inclinação da motocicleta, então isso também é contraesterço?

Sim! Ele está puxando o guidão com a mão esquerda. O contra esterço é sutil, manso, discreto, tanto que muitas vezes não o vemos – apenas sentimos -, como na maioria das manobras em curvas ou desvios rápidos. A moto pede para o piloto esterçar o guidão e, consequentemente, contraesterça. Se não esterçar, se não movimentar, se não mexer no guidão, a moto não inclina.

Então, quando se usa o contraesterço?

Quanto maior é a velocidade em contornar as curvas, maior será a inclinação da moto e, também, a utilização do contraesterço será mais necessária. Então, ocorre o oposto quanto menor a velocidade. Resultantes físicas como a força centrípeta (quando a moto faz a curva para seu próprio eixo) ou a força centrífuga (quando a moto é jogada para fora da trajetória) exigirão do piloto diferentes posicionamentos corporal.

Então, quando o contraesterço pode ser útil? Além das curvas, em várias situações o correto movimento corporal do piloto o induzirá a contraesterçar. Vamos lá:

1) Em derrapagens traseiras repentinas

 

2) Quando há muita tração causada por uma forte reaceleração levando muita força para a roda de trás

 

3) Quando é necessário fazer o desvio rápido de obstáculos

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Razão e emoção

Pilotar uma moto é emocionante, principalmente quando as estradas são sinuosas. A cada curva que ‘conquistamos’, sentimos uma pequena euforia, um prazer. Luis Sucupira (jornalista e ex-colaborador aqui do Motonline) disse em seu livro Motos – Guia para o motociclista principiante: A moto representa a soma de todos os medos, desconfortos e riscos, mas traz a felicidade. É aqui que os opostos se atraem e formam a química da moto que aliada à física das motocicletas a faz um veículo fascinante”.

É preciso conhecer sua moto, os limites dela e os seus. E lembre-se: razão para agir e emoção para ser feliz! - Foto: Geórgia Zuliani

É preciso conhecer sua moto, os limites dela e os seus. E lembre-se: razão para agir e emoção para ser feliz! – Foto: Geórgia Zuliani

Porém, todo esse fascínio requer cuidado. Contornar curvas, ir ao limite da inclinação, conquistar cada parte da curva sem os cuidados necessários da atenção e previsibilidade (em analisar uma sujeira no solo a frente, um resquício de óleo na pista ou uma pessoa ou animal atravessando) o prazer pode sumir repentinamente e a tristeza nos dominar. Moto é vida! Então, sempre: razão para agir e emoção para ser feliz!

Retomando os cinco 5 segredos das curvas

E aí, como se não bastasse resistir até o fim dessa série de publicações esperamos que você consiga enxergar como os cinco segredos se complementam. Não importa se você tem uma bigtrail para rodar o mundo, uma naked para despejar potência ou um scooter para as idas e vindas do cotidiano, esse conteúdo foi pensado para você. Se não ficou claro, a gente ajuda…

Estude com atenção os 5 Segredos das Curvas e pilote de forma mais segura e confiante - Foto: Geórgia Zuliani

Estude com atenção os 5 Segredos das Curvas e pilote de forma mais segura e confiante – Foto: Geórgia Zuliani

Primeiro de tudo, é necessário entender que a curva tem três partes. Isso fará com que você saiba agir conforme a velocidade de entrada, cabeça e saída. Assim, irá usar o efeito giroscópio (aqui da lição 5) para escolher a velocidade perfeita, que deixe a moto de pé e, ao mesmo tempo, dentro da trajetória desejada.

Na hora de encarar a curva irá precisar inclinar e, assim, vai necessitar contornar o medo de movimentar sua motocicleta. Também, precisará ter em mente qual a melhor posição a se adotar, o que vai variar conforme a velocidade, o ângulo, o piso

Lembra de primeira lição? Essas são as três partes da curva

Lembra de primeira lição? Essas são as três partes da curva

E, durante todo o processo deve manter seu olhar para o ponto correto, a fim de que seja atraído (a) para o fim da curva e não para qualquer outra coisa que possa lhe distrair. Viu só? Acabaste de utilizar os 5 Segredos das Curvas!

Um forte abraço e até mais!

Carlos Amaral
Carlos Amaral - Instrutor de pilotagem defensiva certificado pela Honda, instrutor de trânsito do Detran-SP na especialidade Direção Defensiva, palestrante da Porto Seguro Cia de Seguros Gerais, blogueiro e diretor operacional da Carlos Amaral Motorcycle Training