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A Honda Gold Wing GL 1800 ganhou mais potência, ficou mais leve e fácil de pilotar

Assim que girei a chave da Honda GL 1800 Gold Wing o som com 80 Watts de potência liberou a música More Than This, na versão de 10.000 Maniacs, já com a vocalista Mary Ramsey, uma das minha músicas favoritas. Se você quiser saber exatamente como é pilotar a Gold, baixe essa música e leia a avaliação ouvindo esse som repetidas vezes. Então imagine-se em uma estrada perfeita, com sol, ar fresco e pilotando uma lumosine de duas rodas. Era a promessa de um bom começo a bordo da gigantesca tourer que a Honda começa a comercializar no Brasil a partir de março ao preço de R$ 92.000. Só que o gigantismo fica só na impressão, pois os 372 kg (a seco) quase não são percebidos quando a Gold Wing entra em movimento.

A história dessa clássica começa nos anos 70, quando surgiu a primeira Gold Wing 1000, equipada com o motor boxer (contraposto) de quatro cilindros, como forma de concorrer com as americaníssimas Harley Davidson. Nestes 36 anos de evolução muita coisa mudou, sobretudo as dimensões. A “Asa Dourada” cresceu e cresceu até chegar em sua versão GL 1500 nos anos 90, enorme, pesada e difícil de pilotar. Felizmente, a entrada do ano 2000 e do terceiro milênio trouxe boas novidades. A primeira GL 1800, com motor de seis cilindros opostos, já chegou com mais jeitão de moto. Pneus de desenho mais esportivo, chassi perimetral de alumínio e materiais leves fizeram a Gold Wing muito mais “guiável”, gostosa de pilotar e até mesmo ousada para uma grande senhora.

O grande responsável pela apimentada foi o novo motor de 6 cilindros. O ronco é música para ouvidos que gostam de mecânica e remete imediatamente aos carros alemães Porsche, pois eles também têm motor de seis cilindros opostos. Uma simples acelerada acorda os 118 cv e o giro do motor sobe muito rápido, fruto da eficiente injeção eletrônica, que dá a impressão de moto esportiva. A rotação máxima não é tão alta, 5.500 rpm e o torque absurdo de 17 kgf.m tem a rotação máxima aos 4.000 rpm, ou seja, é um motor que “gira baixo”, mas é esperto, nada a ver com as custom estradeiras. A transmissão por cardã resulta em um rodar tão macio e silencioso que dá vontade de começar a viajar e não parar nunca mais.

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Cabine de comando A versão da Gold Wing que será importada para o Brasil é um pouco mais simples, mas não se engane, porque mesmo assim ela tem tantos comandos e funções que os punhos são repletos de botões. Só no punho esquerdo são 11 botões para controlar o rádio PX (faixa do cidadão – opcional), sistema de som, piscas, buzina e mais 6 botões no punho direito e 19 na frente da barriga do piloto, sobre a capa do tanque de gasolina. Somando tudo isso com a regulagem de farol, das suspensões e pisca alerta do lado esquerdo, no total são 41 comandos para acionar um mundo de funções. Pena que faltou um de extrema necessidade: o que regula a altura do pára-brisa. Em uma moto tão sofisticada e cheia de tecnologia chega a ser meio esquisito ter de controlar o pára-brisa soltando duas alavancas rudimentares. Durante o teste o pára-brisa travou e só desceu depois de muitas e insistentes porradas! Com toda essa botãozada dá para imaginar o tamanho do manual do proprietário! Sinceramente, com a atual tecnologia de telefonia celular usar um rádio PX torna-se anacrônico e desnecessário. Se fosse minha a primeira providência seria eliminar metade daqueles botões dos painéis, além da anteninha ridícula na traseira que deixa a moto parecendo um policial rodoviário americano.

Assim que me posicionei na poltrona, digo, banco, percebi que a GL 1800 está mais compacta e leve que a versão 1500. A altura do banco ao solo é de 740 mm, mais baixa do que a CG 150, só que o banco largo dá a sensação de moto alta. Para quem quiser levantar a moto, uma série de 26 combinações na suspensão traseira pode deixá-la ao gosto do freguês.

Motor ligado, som ligado, Mary Ramsey cantando pra mim, pára-brisa regulado, lá vamos nós: quase 400 kg em movimento desaparecem num passe de mágica. A distribuição de peso foi tão bem balanceada, com o centro de gravidade muito baixo, que não sinto a menor dificuldade de manobrar a barcaça no pátio do Centro de Pilotagem da Honda. O ângulo de esterço é até surpreendente para as dimensões da moto, com 2.635 mm de comprimento. Até a operação de colocar no cavalete torna-se fácil em função da imensa alavanca do cavalete e da distribuição equilibrada de peso. É preciso muito mais jeito do que força bruta. A aparência paquidérmica poderia sugerir até mesmo dificuldades para trocar o pneu traseiro, mas além de contar com balança traseira monobraço, o pára-lama traseiro é escamoteável para facilitar a retirada da roda. Além disso, o jogo de ferramentas é tão completo e bem acabado que dá vontade de guardar e nunca usar.

Assim que entro na estrada o torque absurdo de 17 kgf.m dá sinais. Mesmo com as dimensões avantajadas, a aceleração é surpreendente e as marchas vão se seguindo até chegar facilmente a 220 km/h. Claro que a imensa área frontal prejudica muito a penetração aerodinâmica, por isso é preciso ficar muito esperto aos balanços que aparecem de forma discreta, mas assustam até o piloto se acostumar. Esta avaliação foi feita em Indaiatuba, SP, uma região com fortes ventos, por isso acima de 200 km/h a moto balançava por força da área frontal e do vento de través. Susto mesmo foi na hora de frear. O sistema de freio eletrônico combina dois trabalhos: o ABS (anti travamento) e o DCBS (frenagem integral). Ao usar tanto a manete quanto o pedal de freio, todos os três discos são acionados. Só que na hora que precisei frear forte a 200 km/h a moto balançou demais, como se estivesse pilotando em cima de uma camada de gelatina. Depois dessa decidi voltar a uma velocidade mais sossegadona, tipo 140 km/h, que é uma velocidade de cruzeiro ideal para essa moto.

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Refeito do susto, percebi algo curioso. Nas motos com pára-brisa o ar gera uma zona de turbulência na altura do capacete e força a cabeça para a frente. É engraçado pilotar uma moto e sentir sua cabeça sendo empurrada para frente e não para trás, como seria normalmente. Mas quando se passa de 180 a turbulência gerada por esse “vento podre” faz a cabeça chacoalhar como se estivesse num pancadão dançando ao som de Tatty Quebra-Barraco. Levantei ao máximo o pára-brisa, mas mesmo assim o turbilhonamento continuou sacolejando minha cabeça oca. Para ajudar a refrescar o piloto, o pára-brisa tem uma janela regulável que permite a passagem de um pouco de ar fresco.

Entre aquele monte de comandos tem um bem agradável: o piloto automático. Na verdade é um cruise-control (controle de cruzeiro), que mantém a moto em uma velocidade pré-programada dispensando o acionamento do acelerador. Não vá pensar que basta apertar um botão pra moto sair rodando sozinha. O ajuste é feito no punho direito, incrementando a velocidade em 1,6 km/h (uma milha) a cada toque. Para desligar o sistema basta tocar nos freios. Outra função legal é o controle automático do volume. Conforme aumenta a velocidade o volume também aumenta. As quatro caixas de som formam um palco sonoro intenso e de boa qualidade, mesmo de capacete fechado. Neste tipo de moto é um sacrilégio pilotar de capacete fechado. Existem ótimos capacetes abertos (usados por pilotos de Stock-Cars americanos) já com intercomunicador. Quem tiver capacete equipado com sistema de fone de ouvido ou intercomunicador basta plugar nas duas saídas para bater papo e ouvir música. Ouvir música tudo bem, mas conversar não sei se é uma boa, pois a impossibilidade de falar – e sobretudo ouvir – é um dos grandes benefícios da moto, principalmente se você tiver uma esposa que fala 20.000 palavras por hora.

Com tantos compartimentos de bagagem (que fazem a alegria de qualquer esposa/namorada) o peso é flutuante demais. Por isso ela conta com um sistema de regulagem eletrônica da suspensão com duas opções de memória. Por exemplo, o piloto escolhe o ajuste que agrada quando está sozinho e memoriza. Depois acerta a suspensão com carga e garupa e grava a segunda memória. Depois é só clicar nos botões de cada memória e pronto! Também em função da carga, existe um botão de regulagem elérica do farol. É para evitar que a moto, quando estiver muito carregada, ilumine apenas as corujas empoleiradas nas árvores.

Daquelas primeiras Gold Wing, até a versão 1500, eu tinha uma impressão de moto muito ruim de curva. Felizmente pude provar essa 1800 atual em um trecho sinuoso e atestar que melhorou muito neste aspecto. A pouca altura livre do solo (125 mm) não permite inclinações ultra radicais, mas ela insere nas curvas tão docilmente que quase nem precisa fazer força. É preciso tomar cuidado com as pedaleiras, porque raspam facilmente e custam caro pacas.

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Falando em despesas, a Gold pode passar uma imagem de gastar muito, mas com tanta eletrônica auxiliando na alimentação e ignição, ela consegue manter-se na média de 15 km/litro rodando com muita cautela. Se girar o acelerador com vontade, acima de 140 km/h essa média pode cair até pela metade. A taxa de compressão de 9,8:1 e a injeção eletrônica aceitam gasolina comum na boa, mas quem gastar quase R$ 100 mil em uma moto não vai bancar o sovina de usar gasolina de baixa qualidade!

O pacote de opcionais da Gold versão BR não conta com aquecimento de manoplas e banco, como nas BMW de luxo, mas tem possibilidade de toca-CD com disqueteira, rádio PX, descanso para braço do garupa, faróis de neblina, jogo de tapetes para os porta-bagagens, bolsas de náilon e redes especiais para acomodar as tralhas todas. Esses compartimentos têm ainda a abertura por controle remoto, como nos carros. Seguindo a tendência da Honda mundial, essa também tem chave codificada. O aquecimento de manetes e bancos foi justificado pela Honda por ser o Brasil um país tropical, com clima ameno, carnaval, samba, caipirinha etc. Mas parece que os meus amigos lá do marketing nunca viajaram para as montanhas no inverno pra ver como ficam os dedos! Acho que foi um pênalti da filial brasileira deixar este item de fora da lista de opcionais. Em compensação, se o dono da Gold for friorento, tem a possibilidade de abrir as janelas que estão em frente as pernas e receber ar quente dos radiadores, mas não esqueça de fechá-las no verão se não quiser fazer uma depilação a quente nas canelas.

Em uma comparação rápida com suas concorrentes no Brasil, BMW e Harley Davidson, a Honda oferece a melhor relação custo-benefício da categoria. No caso das versões “ocidentais”, o elemento fashion da marca tem um peso muito alto na composição de preço. A Honda não é cultuada como BMW e Harley, embora existam clubes de Gold Wing até no Azerbaijão. Por isso sua relação custo-benefício é favorável. Só continuo achando que o excesso de comandos mais atrapalha do que colabora. Um dos sinais dos tempos modernos é a simplicidade. A filosofia clean do momento é: “menos é mais”. Quanto menos coisas supérfluas mais legal. O rádio amador é o melhor exemplo: quando foi a última vez que você ouviu falar em rádio amador, PX, PY, QAP, QSL, positivo operante? Nos EUA isso é justificável porque é uma mania nacional como ovos com bacon no café da manhã e loiras siliconadas, mas pra a versão BR poderiam rapar fora, eliminar alguns daqueles comandos e oferecer calor nas mão e no fiofó.

DIMENSÕES /CAPACIDADES

Tanque de combustível 25 litros

Comprimento

2.635 mm

Largura

945 mm

Altura

1.455 mm

Distância entre eixos

1.690 mm

Altura do assento

660 mm

Distância mínima do solo

125 mm

Peso seco

372 kg CHASSI

Tipo

Dupla trave de alumínio

Suspensão dianteira/ curso

garfo telescópico/140mm

Suspensão traseira / curso

Duplo amortecedor/105mm Freio dianteiro/diâmetro A disco, com acionamento hidráulico,cáliper de duplo pistões/ 265 mm Freio traseiro/diâmetro A disco de cáliper duplo/285 mm

Pneu dianteiro

130/70-18 M/C 63H

Pneu traseiro

180/60-16 M/C 74H

MOTOR

Tipo

OHC, 4 tempos, arrefecido a líquido, 6 cilindros opostos, 2 válvulas por cilindro Cilindrada 1832 cm3

Alimentação/diâmetro de venturi

Injeção eletrônica

Potência máxima

118 cv a 5.500 rpm

Torque máximo

17 kgf.m a 4.000 rpm

Câmbio

5 velocidades

Transmissão final

eixo cardã

Sistema de partida

elétrica

Bateria

12V-18Ah

A Gold Wing é o tipo de veículo que nasceu para ser “a segunda moto da família”. Não dá pra ter apenas uma estradeira se o objetivo é usar na cidade. A menos que a cidade seja daquelas projetadas, com ruas largas, sem lombadas nem valetas, nem zilhões de semáforos como Campo Grande ou Brasília. Para capitais de trânsito caótico, a Gold é tão ágil quanto um hipopótamo cansado. Esqueça os passeios pelos points badalados, infelizmente, porque essa também é uma das motos com alto poder embelezador. Se quiser economizar na lipoaspiração no abdômen e no implante capilar, basta comprar uma Gold Wing e vais virar um príncipe!

Sonho de consumo de muita gente, a GL 1800 é daquelas motos feitas para as estradas… dos outros países! Uma viagem pelas rodovias americanas e européias deve ser como rodar nas nuvens. Aqui no Brasil só algumas rodovias permitem esse conforto. Nas demais, especialmente as do interior de Minas, Bahia e Rio de Janeiro, o mau estado do asfalto irá tirar boa parte do prazer de pilotar, porque, embora com múltiplas regulagens, a suspensão sente cada buraco no asfalto e transfere o baque para a moto de forma cruel. Não fosse pelos bancos bem estofados seria uma pancada atrás da outra. Os cursos das suspensões são limitados pelo tipo da moto, com 140 mm na frente e 105 atrás. Além disso, com tanto encaixe de plástico não é difícil imaginar os efeitos dessa buraqueira ao longo dos anos. Vai ser um tal de procurar de onde vem esse barulhinho! Se isso acontecer não estresse: escolha uma boa música, aumente o volume e boa viagem!

publicada em 01/03/2006 ……

Tite
Geraldo "Tite" Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos BikeMaster e Abtrans.