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Quando se fala em educação podemos dividir em três níveis: educação formal, educação social e educação de trânsito.

Texto: Geraldo Tite Simões

Educação formal é a que recebemos ao freqüentar as escolas. Essa é a educação que menos afeta o dia-a-dia do trânsito. Pelo CTB – Código de Trânsito Brasileiro – todo motorista deve ser alfabetizado. Ser alfabetizado no Brasil se resume a saber desenhar algumas letras.

Educação de trânsito é aquela que o futuro habilitado recebe nos centros de formação de condutores, popular moto-escola. Aqui começa um grande problema, porque os “formadores de condutores” são extremamente mal formados! Isso mesmo, um dos grandes responsáveis pelo excesso de erros cometidos por motoristas e motociclistas é o instrutor de moto e auto-escola que carrega uma série de preconceitos sobre pilotagem preventiva.

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Além disso, existe a gigantesca quadrilha departamentos de trânsito que vende habilitação indiscriminadamente sem que o Estado consiga frear essa que é uma das manifestações mais antigas e duradouras de corrupção do Brasil. Graças à soma de instrutores incapazes e corrupção indiscriminada temos condutores que não conhecem as leis mais elementares de trânsito.

Um exemplo simples são os cruzamentos com faixa de pedestre. Geralmente alguns metros antes das faixas de pedestre podemos ver uma linha branca inteiriça, pintada no asfalto. Toda linha contínua significa que é proibido cruzá-la. Em vias de mão dupla essa linha é pintada de amarelo e nas vias de mão única as linhas são pintadas de branco. Aí, quando o motorista está se aproximando da esquina, percebe que a faixa da direita está mais vazia e … muda de faixa, ignorando a linha branca pintada no asfalto. O motociclista que não esperava essa mudança de faixa prega na traseira do carro! E nas estatísticas de trânsito esse é um acidente de MOTOCICLETA!!!

Esse exemplo da faixa contínua é apenas UM. Existem outros, como a já comentada placa de PARE que ninguém respeita por simplesmente não saber o significado. Ou o enigmático símbolo do triângulo invertido pintado no asfalto. Essas regras deveriam ser ensinadas sistematicamente nos CFCs, mas… se ninguém conhece, ou respeita, alguém não está fazendo seu papel.

No entanto o que considero a pior manifestação do trânsito é a falta de educação social. Essa não se ensina nas escolas (mas deveria), nem nos CFCs, mas é uma formação que vem da família e do convívio social saudável.

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Muita gente confunde a educação social com educação formal. Por isso os burocratas e desinformados (incluindo nessa lista os meios de comunicação) insiste em afirmar que falta educação aos motoristas e motociclistas. Nada disso. O que falta é SOCIALIZAÇÃO. Saber viver em sociedade.

Não sei se é reflexo da cultura competitiva, importada do “american way of live”, se é resultado da um modo de vida cada vez mais individualizado, mas é fato que os moradores das grandes cidades estão na contra-mão das necessidades. Quanto maior a cidade maior é a necessidade de conviver socialmente em harmonia. Mas o que vejo em São Paulo é justamente o inverso: pessoas cada vez mais egoístas, impacientes e intolerantes.

O motorista que entrega bebidas no bar não pensa que pode atrapalhar o trânsito, ele quer resolver o problema DELE de estacionar perto do comércio e fazer o menor esforço possível. A motorista que usa uma película escura irregular no vidro do carro não se preocupa se os outros motoristas ficarão incapazes de antecipar o que se passa à frente do carro dela. Ela quer resolver o problema DELA de proteção contra eventuais assaltos.

O motociclista que roda no corredor formado entre os carros a 90 km/h não imagina que um pedestre pode passar entre os carros, ou que pode acabar na traseira de um carro. Ele quer resolver o problema DELE de fazer o máximo de serviço no menor tempo possível.

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O motorista de ônibus está nem aí se tem idosos ou crianças a bordo, ele quer satisfazer suas frustrações pessoais dirigindo um coletivo como se estivesse num carro de Fórmula 1 para aplacar uma psicopatia DELE.

O motorista de taxi não percebe que ao cruzar duas faixas para atender um passageiro pode provocar a queda de um motociclista. O que precisa é resolver a necessidade de faturamento DELE.

O motorista de carro que roda em baixa velocidade na faixa da esquerda não se dá conta que obriga os outros a ultrapassá-lo pela direita, colocando várias pessoas em risco. Ele quer saciar a insegurança DELE de rodar na faixa do meio ou da direita.

A motorista que dirige falando no celular não quer nem saber se vai fechar alguém, ou atropelar um pedestre. Ela precisa resolver o problema DELA de se comunicar imediatamente.

Posso ainda elencar os motoristas que não sinalizam mudanças de faixa, que param sobre a faixa de pedestre, que ignoram sinais de trânsito etc etc etc.

Por isso a convivência no trânsito caminha desastrosamente para a individualidade sem a menor chance de reversão. Professores não ensinam educação social. Os pais até tentam ensinar, mas falam uma coisa e agem de forma diferente quando estão dirigindo com seus filhos a bordo. E os CFCs, ahh, esses nem sabem o significado disso.

Graças a essa tendência cada vez maior de cada um cuidar do seu próprio umbigo, a postura diante dos cruzamentos sinalizados, ou não, deve ser a mais preventiva possível. Nós, motociclistas, que somos o elemento frágil do trânsito, temos de abordar qualquer tipo de cruzamento sempre da forma preventiva. Pense que os outros estão preocupados com ELES e não com você.

Nunca atravesse um semáforo verde sem conferir se alguém não está querendo resolver o problema de atraso DELE e vai “furar” o vermelho sem dó. Não confie em preferenciais, porque pode aparecer alguém resolvendo o problema pessoal de comunicação imediata e não perceber a placa PARE porque estava conversando no celular. Fique atento a taxis sem passageiro, porque ele pode decidir aumentar o faturamento DELE e causar um “fraturamento” nos seus ossos!

Em suma: já que não podemos criar um remédio milagroso capaz de curar essa sociopatia endêmica, vamos fazer o possível para não sermos contaminados por essa doença e pilotar nossas motos prevendo que sempre pode aparecer alguém preocupado apenas em cuidar do próprio umbigo.

Geraldo Tite Simões – especialista em segurança de motociclista. Contato: [email protected]

Tite
Geraldo "Tite" Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos BikeMaster e Abtrans.