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De Rolls-Royce aos campos de sonho

Imagine-se um inglês muito bem de vida na década de vinte do século passado, levando sua namorada a uma viagem longa por estrada. Depois de algum tempo vocês estão com fome, vêem um belo campo verde, param, cobrem a relva com uma toalha de linho irlandês, abrem a grande cesta de piquenique, comem e bebem da melhor oferta européia, descansam e depois voltam à estrada.

Idílico, não? É o que principalmente os ingleses jovens e ricos tendiam a fazer naquele tempo, a bordo de seus Rolls-Royces que não precisavam de identificação, bastando à plebe observar os dois R entrelaçados no radiador grego.

Enquanto Rolls e Royce estiveram vivos, os dois R eram pintados de vermelho. Quando Rolls faleceu num desastre de avião, um dos R ficou preto, e quando Royce também faleceu, os dois R passaram a ser negros.

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Os R-R, como todo carro de alto luxo do tempo, saía de fábrica apenas com o chassi rodante, sendo então enviado a uma firma especializada que faria sua carroçaria, no desenho e nas especificações do comprador, com nomes que desapareceram no tempo: Asprey, Coracle, Drew & Sons, Vickery e tantos outros. Como pouquíssimos outros, oferecia como opcional um conjunto de piquenique acondicionado em caixas de madeira de lei, com toalhas e guardanapos no mais fino linho, pratos e copos de primeira, e talheres de prata.

Essas paradas, sonho inatingível do resto da população, eram o ponto alto de um dia muito especial, um altíssimo evento social, um evento em si mesmo para ser desfrutado na presença de uma obra de arte automotiva que complementava as mais deliciosas vistas do interior inglês. Elas eram chamadas simplesmente de picnicking, ou fazer piquenique.

Hoje, quase um século passado, é chique lembrar aqueles ‘bons velhos tempos’, e a Rolls-Royce vem mais uma vez lembrá-los do modo mais clássico possível: oferecendo como opcional um kit de piquenique para quatro pessoas – e com tanta seriedade que o engenheiro da fábrica Alex Innes diz que “A coisa mais excitante para mim é que uma companhia de automóveis tenha abraçado um projeto como este. É nada automotivamente comum que aos designers de um carro seja dada a oportunidade de sentar e focar em algo como um conjunto específico para piquenique. Mostra a vibração de uma marca que nos torna únicos.”

O gerente de design da Rolls-Royce Motor Cars, Gavin Hartley, explica: “A criação de um conjunto de piquenique sempre foi uma questão de entretenimento, não de funcionalidade. Você escolhe comer em campo aberto e quer fazê-lo de maneira alegre e elegante, fazendo da experiência uma ocasião. Nosso design envolve esta idéia.”

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Ela nasceu durante o desenvolvimento do Drophead Coupé, nome imponente para um conversível, mas o lançamento do novo Phantom em 2006 tornou-se a tela perfeita para o início deste trabalho de arte. Aqui estava um carro que motoristas e seus convidados realmente poderiam adotar – com uma operação do porta-malas idêntica à abertura do gabinete de piquenique. Ecoava alguns modelos feitos a mão, onde os próprios carros eram uma parte integral da experiência de se alimentar.

O conjunto de piquenique começou com uma longa pesquisa para se entender o passado e absorvê-lo na essência dos desenhos do Século XX. Naquele tempo, os comensais podiam escolher entre produtos que iam de malas comuns de couro, de vime ou baús de abertura na frente. Levavam em conta as características do tipo do piquenique, no calor ou no frio, e de acordo com o número de convidados.

Mas um conjunto Rolls-Royce de piquenique do Século XXI não era uma questão de mimetizar um desenho antigo, nem o caso de se fazer um benchmark dos desenhos atuais, não importa quão exclusivos. Para o grupo de design da fábrica em Goodwood, a síntese era clara: criar o conjunto de piquenique em nível tão excepcional quanto os próprios carros, começando tudo com o Phantom Drophead Coupé.

Haviam desafios práticos, por exemplo imaginar como um conjunto de piquenique seria usado por seu proprietário, a questão de identificar os fornecedores do conteúdo e, mais fundamentalmente, o fator surpresa, tipo ‘nossa!’, ou ‘puxa!’

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A pesquisa começou em 2009, e no terceiro trimestre a forma física do conjunto começou a aparecer. Dos desenhos a lápis aos de computador foram mais três meses, depois mais três para chegar a um protótipo funcional – ao todo, cerca de seis meses e 1.500 horas. A primeira demonstração pública foi na Itália, na reunião internacional de carros clássicos em Villa D’Este, em abril do ano passado.

Nas palavras de Alex Innes, “Queríamos ter certeza que esta não seria apenas mais uma caixa cheia de produtos de terceiros. Teria de ser totalmente inédita, com soluções de engenharia que demonstrassem nossa capacidade de inovação.”

“Um pouco de teatro era muito importante também,” diz Gavin Hartley. “Queríamos explorar a maneira como o baú abre no Drophead Coupé. Do jeito como as coisas se abrem, você passa a apreciar a maneira de desfazer a mala. É excitante, surpreendente e excede todas as expectativas. Você pode pensar que é uma caixa, mas quando ela abre fornece a seu dono superfícies úteis, como mesas basculantes.”

A caixa mistura características das tradicionais cestas de vime, mas é uma unidade em dobras de couro que facilitam o fluxo de ar e oferecem a solidez de um baú. O grupo iniciou seus trabalhos com madeira de teca oleada. Depois, couro tanado de sela, vindo de um pequeno cortume na Alemanha, enquanto peças em alumínio polido e aço inox completavam a primeira unidade a ser mostrada no Salon Privé na semana passada.

Aberta, a caixa mostra mesinhas de madeira rosa indiana, taças sopradas e cortadas a mão e talheres feitos pelo designer David Mellor, além de ‘toques’ de desenho tipo magnetos dentro das divisórias para as facas.

Como tudo que é desenhado na Rolls-Royce, o conjunto de piquenique foi criado por artífices em suas oficinas de madeira e couro. Somente itens metálicos e o conteúdo da caixa são comprados fora, de fornecedores cuidadosamente selecionados dentro dos exatos padrões da Rolls-Royce.

O conjunto de piquenique para quatro pessoas é feito sob pedido. O primeiro foco do grupo de trabalho foi o conversível, mas o primeiro pedido veio de um comprador de um sedã na Grã Bretanha. Vários donos de Rolls-Royces, novos e semi-novos (de acordo com a fábrica, não existe um Rolls-Royce velho) já fizeram perguntas sobre ele e sua apresentação pública foi no seleto clube londrino Hurlingham.


José Luiz Vieira, Diretor, engenheiro automotivo e jornalista. Foi editor do caderno de veículos do jornal O Estado de S. Paulo; dirigiu durante oito anos a revista Motor3, atuou como consultor de empresas como a Translor e Scania. É editor do site: www.techtalk.com.br e www.classiccars.com.br; diretor de redação da revista Carga & Transporte.