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O motociclismo não são as motos, as marcas, ou ainda seus fabricantes; são todas as expressões geradas e criadas pelos motociclistas, por aqueles que viveram ou vivem de e para a motocicleta.

Tal como o Tite falou em seu editorial “O senhor da velocidade”, o bom Edgard tinha um humor um tanto quanto elástico.

Lembro bem que por volta de 1974, fugíamos do colégio e íamos ver as motos na “esquina do veneno”; lembro melhor ainda do meu sonho que era uma DUCATI 400 DESMO novinha na loja do Seu Latorre, saiamos de lá e íamos à loja do Seu Edgard.

Lá nunca sabíamos como nós, os pequenos `malas’ de carteirinha, iríamos ser recebidos, porem sou, até em nome da verdade, testemunha que o muito que eu sei hoje, foi ministrado por esse homem, com muita paciência.

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Tinham horas, a maioria delas, que apenas seu olhar, calavam as nossas pequenas, porem poderosas e rápidas bocas, mas sempre abrindo mais a nossa sede de saber.

Outro ponto muito importante que, no meu entendimento, divide todas relevâncias, é que alem do filho, do piloto, do pai, do comerciante; perdemos um pedaço insubstituível da História do Motociclismo Nacional, da História da Motocicleta no Brasil, enfim, da Historia Brasileira.

Mais uma estrela se apaga no céu da sabedoria, e a tristeza preenche o meu coração !

O que será das novas gerações ? … onde encontraremos outros SEUS EDGARDS dispostos a dividir conhecimentos, experiências e estórias ? … para onde meus netos irão ir em suas fugas do intervalo da escola ? … eu me encontro um pouco só e cheio de duvidas, da mesma forma que nos meus bons tempos de Colégio de São Bento !

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Falar de história é falar em preservar, difundir, e cultuar. Posto isso, após conversa com o bom amigo Ricardo Pupo do Moto Clássicas 70, tomo a licença, alem do grande prazer em transcrever um grande material que ele já tinha em seu site, anterior mesmo ao falecimento, o que ainda me obriga a agradecer e parabenizar por tal atitude, pois não teria mais nada a acrescentar.

EDGARD SOARES

A lenda do motociclismo brasileiro !

Nascido em 1928, já fazia passeios de moto com o pai “seu” Francisco e sua mãe , Dona Maria, numa Harley 1927 com sidecar. Sua família sempre foi ligada em motos. Seu tio , que com a morte de seu pai, iria se tornar seu tutor, era ninguém mais do que Felipe Carmona !

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Passeio da família Soares (indo para Santos) em 1928 – Edgard no colo da mãe !

Aos 7 anos, seu pai lhe deu uma mini moto, construída por ele mesmo.

Quando seu pai morreu, foi trabalhar na oficina do tio, na Rua Barão de Limeira, onde se localizava o grande centro das motocicletas !

Lá, Edgard aprendeu muito, e aproveitava para “emprestar” algumas motos para passear no sábado à noite e no domingo !

No ano de 1944 , aos 16 anos, com a ajuda do tio Carmona e de Angelo Gaeta, inicia sua carreira de piloto ! Na corrida de estréia, pilotando uma Matchless 350 cc , Edgard venceu !! … e acabou Campeão naquele ano !!

Com pilotagens fantásticas, e um estilo agressivo, foi campeão paulista na categoria 350 cc até 1948, quando passou a correr com uma Norton 500cc. Aí, foi campeão em 49, 50 e 51 na categoria 500cc.

Prova de rua em Santos. Reparem nas guias !! Edgard na curva do Pinheirinho, em Interlagos, pilotando uma Velocette KTT 350, em 1946. Notem o matagal !! Com sua Norton 500 numa prova de rua em S. Caetano (SP) Com sua BSA 500 (estilo trail ) nº 46, em prova de rua, na Av. 9 de julho, em S.Paulo, em 1947.

Na sua primeira participação nas temidas “Cien Millas Motociclistas Ciudad de Buenos Aires” em 1950, Edgard estava em segundo lugar, mas acreditava estar em primeiro !

Os dirigentes da equipe brasileira, temendo uma queda, mandaram diminuir o ritmo, sem avisar sua posição ! Cruzou a linha e só depois sentiu a enorme decepção, pois tinha todas as condições de ultrapassar o primeiro colocado !!

Na edição de 1953, vinha na frente com sua Norton 500, quando o pedal de câmbio se quebrou, sobrando apenas um pedaço pontiagudo de metal ! Foi ultrapassado por dois adversários, mas continuou lutando, fazendo um buraco na bota, ferindo o pé ! Consegue novamente superar os argentinos, vencendo a prova !! Recebeu o “Troféu Eva Perón” das mãos de Juan Perón, com a bota furada !!

Equipe “Centauro Moto Clube” nas 100 milhas Argentinas de 1950. Da esquerda para a direita: Oswaldo Diniz, Edwardo Pacheco, Edgard Soares, Caio Marcondes Ferreira, Franco Bezzi, e Eloy Gogliano

Foto de 1952.

Tablóide argentino. Tiveram que se render ao brasileiro Edgard !!

Em 1954, disputando uma corrida no circuito da Quinta da Boa Vista no Rio, Edgard teve vários pegas com Caio Ferreira e o carioca Arlindo Carneiro. Como não existia “zebrinha” na época, êle costumava cortar a curva passando por uma guia baixa, para ganhar tempo. No ano seguinte, no mesmo circuito, foi usar a mesma tática, mas havia então um trilho de bonde como “guard-rail” ! Resultado… um vôo de mais de 10 metros, e um calcanhar fraturado !!

Largada da última etapa do Campeonato Paulista de 1949 Edgard não aparece na foto, pois já está lá na frente !!. Chegada da mesma prova… Bandeirada da vitória para Edgard !!

Na famosa prova comemorativa, do IV Centenário da Fundação de São Paulo, em 1954, em Interlagos, os favoritos , nos comentários da “Esquina do Veneno”, eram os ingleses e os italianos. Na primeira prova, Edgard só não ganhou do inglês (Ray Amm) , porque quebrou seu amortecedor, mesmo assim chegou em 5º com sua Norton “de rua”!

Capa da revista editada por Eloy Gogliano, comemorando o Campeonato de 1949, vencido por Edgard Soares !! O “Big Boss” com a Yamaha TR3 350 numeral “4” Jacaré e a TR3 350 Com uma Yamaha TR3 350 , essa se tornaria uma das mais poderosas equipes da época! A dupla temida … Jacaré e a TR3 350

Na segunda prova, (foram dois finais de semana) , Edgard preparou muito sua moto, com amortecedores, escapamento, e uma vela “fria” especial, para evitar superaquecimento ! Só que a largada atrasou, esfriou o motor de sua Norton, e a moto não pegou ! Edgard empurrou a moto pela reta inteira, e trocou de vela num posto de apoio . Ligou a Norton e saiu voando ! Na reta oposta, desmaiou (pelo esforço) indo reto , batendo a boca no guidão ! Com muito sangue na boca, foi levado pela ambulância , abandonando a prova !!

Seu estilo sempre foi de “andar mais do que a moto”, como ele mesmo define. Só não chegava na frente se a moto quebrasse !! Tinha um “feeling” e um conhecimento de mecânica muito grande para acertar as motos !

Sua carreira de piloto foi até 1958 ! Neste ano, começou um período negro para o motociclismo brasileiro com o fechamento das importações. Ficamos com motos velhas (Jawas, Leonettes, Lambretas, etc..), o que fez com que muita gente parasse de correr. Edgard, já era lojista nessa época, com seu tio, e quase quebraram, mas conseguiram “sobreviver” até 68 / 69, com a chegada das japonesas e a explosão do mercado ! No começo dos anos 70, Edgard montou uma belíssima loja e oficina, renovando a antiga “Esquina do Veneno”. Foi um dos revendedores pioneiros da Yamaha, em S.Paulo, senão no País. Isso, mesmo antes da Yamaha Motor do Brasil fixar-se como importadora oficial, tendo sido, com certeza, um dos maiores responsáveis pela divulgação da marca em S.Paulo.

Nos anos 70, em Itanhaém, litoral sul de S.Paulo, em sua casa de veraneio, sempre recebia com muito carinho e paciência, a moçadinha jovem, em férias, com suas cinqüentinhas, na maioria Yamaha F5, para, gentilmente, ensinar como resolver problemas mecânicos emergenciais pois, naquela época, não se dispunha de mão-de-obra especializada em motos japonesas, fora da capital.

Em 1972, foi um dos mentores da primeira de uma série de corridas de motocross em Itanhaém, a qual, se não foi à primeira, foi uma das primeiras corridas do gênero no Estado. Para esta corrida, organizou o “Edgard Soares Racing Team” que, entre vários pilotos, veteranos e novatos, contou com a dupla “Tucano” e Denísio, com duas Yamaha 125 AT2-MX, especiais de fábrica. “Tucano” venceu as duas baterias.

Para continuar nas competições na modalidade “velocidade”, montou uma equipe para fazer frente à equipe oficial da Yamaha Motor do Brasil, que tinha “Tucano” e Denísio como pilotos. Contratou o talentoso e desconhecido “Jacaré”, que já tinha “barbarizado” com uma Ducati do Latorre.

O empresário bem sucedido, manteve sua loja no mesmo local, onde muitos motociclistas se encontram para o ponto de partida de inúmeros passeios nos finais de semana, loja essa hoje administrada por seu filho.

Essa lenda do motociclismo paulista e brasileiro enquanto pode, estava sempre em plena atividade, pilotando, e dando muito trabalho nos passeios, deixando muito “moleque” comendo poeira.

Num desses passeios, flagrado pelo radar em alta velocidade, foi parado pelo policial rodoviário! Ao tirar o capacete, vendo seus cabelos brancos, o guarda exclamou : “Desculpe Vovô, acho que parei a moto errada !” … e Edgard saiu de “fininho” e se livrou da “dura” (e da multa) !!!

Dá-lhe ” Vovô Edgard ”

* 1928 + 2006

SAUDADES