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Desde 2012 o mercado de Duas Rodas passa por uma crise fruto de uma série de coisas que todos nós leitores do Motonline já sabemos. Nenhuma novidade. Mas sabemos também que todo mercado que muito apanha e encolhe acaba encontrando uma saída. Pois é, encontraram… e ela não é nada boa para a relação concessionários – fabricantes.

Imagine um totem luminoso de uma loja de motos assim

Imagine um totem luminoso de uma loja de motos assim

Desde que o crédito minguou as concessionárias de motos tiveram que se virar. Tentaram de tudo. Algumas conseguiram bancar o próprio financiamento assumindo riscos e outras decidiram fechar. Mas existem aquelas que partiram para a máxima que diz: “se o boi não presta todo, coma pelo menos o filé”.

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O filé neste caso do segmento de Duas Rodas quer dizer partir para um modelo de negócios “multimarcas”. É um raciocínio simples, mas eficaz. Você vende motos de todas as marcas, foca-se no filé de cada marca e se livra de uma série de dores de cabeça existentes na relação fabricante-revendedor.

A lista de vantagens é enorme. Livra-se do pós-venda, o imposto é o ISS, da imensa lista de exigências que vão desde um número absurdo de funcionários para sustentar uma venda pequena, capital de giro alto, áreas enormes para showroom e por aí vai. No sistema “multimarcas” a venda é simples e geralmente é à vista. Outra, os preços são bons e as margens melhores ainda. Enquanto as margens de revenda de uma moto zero via concessionária são apertadíssimas, a venda desta mesma moto com um ano de uso e baixa quilometragem tem margem bem melhor. No caso das motos premium isso é ainda mais concreto, pois rodam pouco e são na sua maioria muito bem conservadas. São as chamadas motos de garagem.

Lei Ferrari

Importante lembrar que ainda vigora a tal da Lei Ferrari, que rege as relações entre fabricantes e concessionários. Não vou nem discutir o assunto, mas faço menção a ma reportagem publicada na Folha de São Paulo do dia 05/02/2012, onde vários especialistas pediram, em audiência pública no Senado, a revogação da lei 6.729/79 (conhecida como Lei Ferrari) por alegarem que ela cria mais problemas do que ajuda. “A sociedade pede que esta Casa revogue a Lei Ferrari”, disse na época o subprocurador-geral da República e coordenador da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Consumidor e Ordem Econômica), Antonio Carlos Fonseca da Silva. “A lei é ruim para a liberdade de mercado”. Ele diz que a legislação prejudica a análise de concorrência no setor pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O conselheiro do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), Luiz Carlos Mandelli, disse que os custos de produção e veículos no Brasil são inferiores à média mundial, mas o lucro das montadoras e a carga tributária são maiores. A crise começa pela forma como essa relação é regida.

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Como se vê, não se trata de uma campanha, mas de uma tendência. Você deve alertar este missivista sobre o item garantia, mas vai concordar que ela não funciona muito bem no Brasil. É fato consumado que a maioria espera pelo menos 25 dias para ter as peças de uma moto com problema – seja ela garantia ou não. E tenho certeza que se eu provocar aqui, surgirão milhares de casos onde a espera pelo fornecimento de um item em garantia passou de um mês.

O Efeito Multimarcas  está se espalhando e ajudando a encolher a rede de concessionários de várias marcas. O pensamento de vender o que o mercado quer comprar e o que dá menos problema para girar ficou tão atraente que já deixa com insônia boa parte dos fabricantes. Este modelo livra o comerciante do engessamento resultante de um manual que coloca o concessionário como alguém que está recebendo um favor do fabricante, quando na realidade deveria ser uma relação de parceria.

De nada adianta ter as melhores motos, com bons preços se a rede de concessionários é fraca ou está enfraquecida pelo engessamento de uma relação que já deveria ter mudado há tempos. O fato das concessionárias não receberem a devida atenção e carinho está fazendo com que muitos mudem o modelo de negócios e isso é péssimo para fabricantes.

Este efeito não é recente e começou junto com a crise e funcionou inicialmente como teste de alternativa. Algumas concessionárias montaram multimarcas por fora para escoar as motos usadas recebidas na troca por novas. Acontece que perceberam o quanto esse modelo é fácil, rápido, menos problemático e melhor remunerado. E assim alguns ficaram com as duas coisas. Outros resolveram optar pelo modelo multimarcas e abandonaram a concessão.

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Está mais do que na hora dos fabricantes de motos começarem a defender a sua rede de concessionários estreitando esse relacionamento, buscando escutar mais quem está na ponta e respira o mercado diariamente. Não adianta dizer ao concessionário que vai fechar a concessão se ele “não seguir isso ou aquilo”; ou, se não “comprar tanto ou tão pouco”. Após o “Efeito Multimarcas” a relação mudou e é o fabricante quem ficou na parede. Perder bons parceiros não é bom para ninguém, pior ainda é quando eles viram seus concorrentes. E o efeito disso é ainda pior, pois os novos concessionários ao verem isso acontecendo acabam adquirindo uma fobia e desistem de entrar no mercado. Assim, a coisa que já estava cinza vai ficando preta.

Caros amigos fabricantes é chegada a hora de vocês defenderem a sua rede, mudar a relação e oferecer mais apoio. Esse é seu maior patrimônio e se ele debandar para multimarcas para quem vocês irão vender?

Você pode achar que eu estou exagerando. Pode ser. Mas o tempo mostra que está mais para uma mudança de curso do que para o fim da tempestade. O gráfico abaixo confirma tudo o que eu estou dizendo.

Fora Harley-davidson e BMW, concessionárias de todas as outras marcas faturaram menos em 2013 em relação a 2012; isso para não dizer que tiveram prejuízos

Fora Harley-davidson e BMW, concessionárias de todas as outras marcas faturaram menos em 2013 em relação a 2012; isso para não dizer que tiveram prejuízos

O mercado de multimarcas ainda não tem medidores precisos, mas não precisa muito para ver e entender que eles estão felizes, vendendo bem e ganhando dinheiro. Enquanto isso, concessionários e fabricantes estão se debatendo, tentando discutir uma relação desgastada e totalmente fora dos padrões de um novo mercado que descobriu um novo jeito de vender motos. Enquanto temos cada vez mais, melhores e sofisticadas marcas e modelos entrando no mercado brasileiro, há cada vez menos revendedores conscientes, capacitados e capitalizados para dar conta disso. Hoje o desafio das marcas não é disputar consumidores finais, mas escolher os melhores revendedores. Porém, mais difícil que achar bons parceiros é, depois de encontrá-los, mantê-los alegres, fiéis e motivados. Bem longe do Efeito Multimarcas.

Francisco Trivellato faz uma análise que corrobora com este pensamento. Um indicador para analisar o negócio de distribuição de Motocicletas é a evolução da receita (ou faturamento) anual real, ou seja, depois de descontado o efeito inflacionário.

Ele comparou com o mercado de 2009, que foi o primeiro ano de vendas após a crise financeira global de 2008, e anterior à euforia do crédito (2010 e 2011) no Brasil e depois cruzou com alguns dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre a evolução dos preços de motos e multiplicou pela quantidade de unidades emplacadas (divulgados pela FENABRAVE) para calcular a receita com a venda de motocicletas novas, chegando à seguinte conclusão:

Enquanto as vendas estimadas para 2013 seriam 1,9% menores do que em 2009, os preços deveriam ficar 2,1% mais baixos, o que deveria gerar retração de 4,1% na receita.

Lucratividade no buraco

Lucratividade no buraco

Por outro lado, como a inflação acumulada nos quatro anos de algo em torno de 26,4%, a receita deflacionada pelo IPCA/IBGE ficará menor em 24,1%!

Aqui está a corrosão que comeu parte do setor de motocicletas, o qual erradamente se preparou apostando cegamente em um contínuo crescimento do mercado. O problema é que agora a coisa ficou séria e cabe aos fabricantes repensarem de forma radical, junto com suas redes de distribuidores, buscando encontrar ações que ajudem a recuperar a viabilidade do negócio.

Por isso a frase de Winston Churchill , dita por ocasião da derrota da Luftwaffe na Batalha da Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, “Nunca, no campo dos conflitos humanos, tantos deveram tanto a tão poucos” foi tão importante balizador da tomada de novo rumo para o mercado de motos. Chegou a hora de repensar este modelo e tentar entender o que não funciona no Brasil.

As revendas estão reclamando de margens apertadas e falta de apoio. A margem se resolve com volume de vendas e isto se dá com crédito e preço competitivo e um ótimo pós-venda. Mas o apoio, esse sim, só pode acontecer vindo da fábrica. A fábrica é o cérebro. A rede o corpo. De nada adianta ter um cérebro privilegiado se o corpo padece de acompanhar esse ritmo. É necessário equalizar as duas coisas. É um momento importante para cuidar desse relacionamento. Vai recuperar mercado e defender a sua rede quem sair na frente e rever a postura nesse relacionamento. Será uma D.R. (Discussão da Relação) e tanto. Se estiverem dispostos a serem felizes para sempre em vez do eterno enquanto durou, vai dar certo e nós consumidores ganharemos com isso.

Luís Sucupira
Motociclista desde os 18 anos. Jornalista e apaixonado por motos desde que nasceu.