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Um ano para esquecer. Nada a comemorar. Esperamos que pare de cair. Nos encontros de final de ano, quando pudemos conversar com executivos dos diferentes segmentos de mercado que atuam no setor de motocicletas, estas três frases estiveram entre as mais ouvidas nas conversas. A lamentação generalizada é verdadeira e justificada, mas como expressa o dito popular, há quem reclame de barriga cheia.

Apesar das previsões ruins, nem tudo é negativo. O primeiro fato que se deve levar em consideração, para não ser assim tão pessimista, é que quase todos os projetos de novas e mais modernas motocicletas que estavam em andamento nesse período de cinco anos de sucessivas quedas, foram concluídos e estão aí no mercado a espera de mais consumidores. Outro fato importante e também positivo foi o escancaramento do vigoroso mercado dos ciclomotores, as chamadas “cinquentinhas”, que passaram a ter a obrigatoriedade de licenciamento e emplacamento como todos os outros veículos automotores, o que os tirou da clandestinidade e colocou-os na ribalta.

Indústria se preparou para produzir e vender 3 milhões de motocicletas em 2016, mas previsões indicam que um número igual ao de 2015 é um cenário otimista

Indústria se preparou para produzir e vender 3 milhões de motocicletas em 2016, mas previsões indicam que um número igual ao de 2015 é um cenário otimista

A primeira e mais evidente conseqüência deste fato foi a inserção no cenário nacional de marcas que antes eram consideradas praticamente marginais, como a Traxx e principalmente a Shineray, esta última, aliás, alçada à terceira posição no ranking brasileiro de venda de motocicletas numa única canetada. Mais que isso, pelo volume e pela forma peculiar de venda destes pequeninos veículos motorizados de duas rodas, talvez esteja no segmento de ciclomotores o melhor caminho para o mercado brasileiro voltar a crescer de forma sustentável. E aí você deve estar se perguntando: Por quê? A razão é matemática, mas é preciso uma pequena explicação histórica.

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Primeiro a parte financeira disso tudo. Apesar de em parte ser também dependente de crédito, o consumidor dos ciclomotores tem mais facilidade para encontrar ajuda e adquirir o bem, quando se compara com os potenciais consumidores do segmento imediatamente acima (de 100 a 150 cc). Além disso, os preços dos ciclomotores variam em torno de R$3.000,00, o que torna o bem muito mais acessível para um universo enorme de pessoas que precisam se locomover, principalmente nas cidades do interior do País. Como se sabe, as motocicletas acima do segmento dos ciclomotores custam o dobro desse valor e tornam maior a necessidade de crédito.

Honda ainda domina, Yamaha patina no eterno segundo lugar, Shineray acaba com a briga entre Dafra e Suzuki e Traxx ainda não decolou; competição entre marcas exclusivamente "premium" permanece equilibrada e em "outras" há 24 marcas que aparecem nos dados de emplacamentos da Fenabrave

Honda ainda domina, Yamaha patina no eterno segundo lugar, Shineray acaba com a briga entre Dafra e Suzuki e Traxx ainda não decolou; competição entre marcas exclusivamente “premium” permanece equilibrada e em “outras” há 24 marcas que aparecem nos dados de emplacamentos da Fenabrave

Agora vamos para a parte histórica. Na década de 1970, quando houve a implantação da indústria de motocicletas no Brasil, as duas grandes marcas (Honda e Yamaha) tomaram caminhos diferentes. Para quem não sabe, a Yamaha montou sua fábrica primeiro, em 1974, e iniciou a produção com a RD 50, uma “cinquentinha”, classe de moto que representa o primeiro degrau em todos os mercados do mundo para quem entra no mundo das motocicletas. A Honda, porém, decidiu entrar dois anos depois com a Honda CG 125.

Desequilíbrio histórico: a "escada" do mercado brasileiro começa praticamente no segundo degrau

Desequilíbrio histórico: a “escada” do mercado brasileiro começa praticamente no segundo degrau

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A razão básica para ter sido assim certamente passa pelo campo econômico e logístico, pois a Yamaha instalou sua fábrica em Guarulhos (SP) e a Honda instalou-se em Manaus (AM), onde havia incentivos fiscais. Essa diferença, feitas as contas no final, permitia que a Honda vendesse sua CG 125 por preço semelhante ao da RD 50. O resto da história você já conhece. E a conseqüência é que hoje temos uma mercado desequilibrado, com uma base (motos de 50 cc – ciclomotores) muito pequena e que não tem capacidade de dar sustentação aos segmentos acima dela. É bom entender que, quando se fala em sustentação, trata-se da lógica do mercado de que os consumidores naturalmente procuram melhores (e maiores, no caso das motos)  produtos para facilitarem suas vidas.

Assim, é natural que um consumidor que tem um ciclomotor, logo se interesse por uma moto de 100 cc, depois por uma 125 ou 150 e assim sucessivamente. Pela mesma razão, seria fundamental o incentivo ao uso da bicicleta pelas crianças para irem à escola, porque ao chegarem à adolescência, a opção é quase natural pelo ciclomotor e depois por motocicletas ou carros. Além, é claro, de termos nesse ciclo virtuoso a formação básica muito melhor de futuros ciclistas, motociclistas e motoristas.

Enquanto o tempo se encarrega de corrigir este desequilíbrio, como foi mencionado antes, nem todos tem motivos para lamentar. As três marcas fabricantes de motocicletas exclusivamente premium – BMW, Harley-Davidson e Triumph – conseguiram crescer no período de cinco anos, além das duas que antes estavam praticamente à margem do mercado – Shineray e Traxx – que, com os ciclomotores, mostram sua força. Nada disso é motivo para empolgação, no entanto, pois com um cenário de dificuldade econômica pela frente, há que se ter moderação.

Metade cresceu, mas a outra metade que faz volume caiu e puxou o mercado para baixo

Metade cresceu, mas a outra metade que faz volume caiu e puxou o mercado para baixo

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Chama a atenção a quantidade de marcas que aparecem nos dados da Fenabrave, fonte dos dados apresentados nas ilustrações. Onde se lê “outras marcas”, entenda 24 diferentes marcas vendendo motocicletas no Brasil, além das outras representadas no gráfico. Fora aquelas mais conhecidas, como Ducati, MV Agusta e KTM, que não são mostradas individualmente por terem volume de vendas pequeno, todas as outras são completamente desconhecidas e não se encontra qualquer referência para se saber algo mais sobre elas. Algumas até emplacaram volumes bem significativos, como a Bravax  e a Wuyang, que venderam 4.445 e 4.154 motocicletas em 2015, respectivamente.

A esperança manifestada quanto ao mercado parar de cair é a grande dúvida que se traz para 2016. Afinal, ainda há espaço para nova queda? Num País como o nosso, carente de bom transporte público na maioria das cidades e onde todos os indicadores mostram um 2016 sinistro para a economia, não é necessário ser especialista para concordar com o jornalista Carlos Alberto Sardenberg (Rádio CBN) quando ele afirma que “2015 pode não ser o fundo do poço, pois ainda podemos encontrar um porão”.

Mas há indicadores positivos que mostram que o ciclo negativo pode estar no final. E como ensinam os especialistas, é melhor trabalhar mais do que ficar lamentando a dificuldade. A indústria brasileira de motocicletas tem feito isso e preparou-se para o momento da mudança de cenário. Que venham logo os bons ventos de um novo ciclo de crescimento.


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Sidney Levy
Motociclista e jornalista paulistano, une na atividade profissional a paixão pelo mundo das motos e a larga experiência na indústria e na imprensa. Acredita que a moto é a cura para muitos males da sociedade moderna.