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Morar em Brasília é uma experiência interessante, mas essencialmente longe de quase todos os destinos preferidos por motociclistas para fazer aventurismo. Estamos a mais de 1.000 km dos destinos mais desejados, como praias, serras do sul do país, autódromos (exceto o de Goiânia e Circuito dos Cristais) ou das paisagens do nordeste brasileiro. E quando temos poucos dias de férias isso complica bastante, limitando-nos a rodar por cidades próximas em curtos passeios de fim-de- semana.

A maravilhosas paisagens da Serra Catarinense, o nosso destino

A maravilhosas paisagens das Serras Catarinenses, o nosso destino

Para sair um pouco dessa rotina, desta vez escolhemos fazer algo mais longo e fomos em três motocicletas, pilotadas por três motociclistas com alguma experiência em viagens nacionais e internacionais:

Felipe de Melo – Triumph Tiger 800XCx, ano 2015,
Bruno Oliveira –  BMW GS 1200, ano 2015, e
Fernando Portella, Harley-Davidson Ultra Limited, ano 2015.

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Claro que motos parecidas facilitariam o deslocamento, mas como não tínhamos intenção de rodar em estradas ruins ou off road, isso não fez a menor diferença para a Harley-Davidson. Mais importante que isso foram os dez anos de amizade entre os viajantes.

As motos estacionadas no centro da bucólica cidade de Morretes (PR)

As três motos estacionadas no centro da bucólica cidade de Morretes (PR)

Apesar de não ser um relato avaliando as motos, senti a ausência dos aquecedores de manopla na Tiger em uns três dias da viagem.

Três brasilienses nas Serras Catarinenses

Essa viagem pelas Serras Catarinenses foi pensada há seis meses e o objetivo principal era conhecer a Meca do motociclismo brasileiro no inverno, as atrações de Urubici e a Serra do Rio do Rastro, uma forma que encontramos para testar nossos equipamentos, nossa resistência ao frio e, claro, testar a convivência entre os participantes, pois em breve, o grupo começará a planejar uma viagem até Ushuaia, na terra do fogo, um percurso total de 16.500 km.

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O planejamento dos percursos diários foi realizado pelo Google Maps e o HD Ride Planner, uma boa ferramenta, com a vantagem de podermos exportar todo o trajeto naturalmente para o GPS da Ultra. Ainda assim optamos por utilizar dois GPS em motos diferentes. Consideramos importante o tempo estimado do percurso e não somente a quilometragem do dia. A prática nos mostrou que não seria muito diferente, pois com as paradas programadas para alimentação e abastecimento, o tempo total utilizado seria maior que o previsto.

Planejando a viagem com auxílio do Google Maps

Planejando a viagem com auxílio do Google Maps

Cada trecho teve no máximo 240 km ou duas horas rodando. Em cada parada ingeríamos líquido, comíamos algo para evitar alguma crise de hipoglicemia, à qual todos estamos sujeitos; moto na estrada gera adrenalina que queima açúcar, e se não tem açúcar para queimar é sono, desmaio e chão! Como não estávamos em uma corrida, mas em uma maratona, a continuidade e ritmo foram fundamentais. Durante o planejamento, estabelecemos algumas premissas:

– Não rodar à noite sem necessidade;
– Parar a cada duas horas, para abastecimento, alimentação e esticar as pernas;
– Não voltar pelo mesmo caminho;
– Evitar grandes cidades e capitais, por causa do trânsito;
– Buscar hotéis com estacionamento coberto, wifi e preço justo, pouco, principalmente;
– Reservar hotéis e atrações com antecedência;
– Respeitar os limites de cada um.

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Então, construímos nosso roteiro-base e iniciamos a pesquisa pelos hotéis em sites especializados. Como optamos por cidades menores, existia o risco de não encontrarmos vagas nos hotéis caso não fizéssemos as reservas antecipadamente. Quem já chegou em um final de tarde, cansado, em uma cidade procurando por hotel sabe que estará sujeito à sorte e às famigeradas “tarifas de balcão”, não é?

Na volta, pensando melhor, concluímos que Brasília não é tão longe de tudo, mas sim no meio do caminho para qualquer lugar.

Roteiro: Esse foi o nosso percurso

1º dia: Brasília (DF) – Araxá (MG)

Distância: 600 km

Araxá é uma cidade pacata, ideal para descansar, conversar e sentir como serão os próximos dias de estrada. Alguns museus e a boa culinária mineira fazem a visita ainda melhor.

2º dia: Araxá (MG) – Registro (SP)

Distância: 730 km

Optamos pela BR-478, evitando assim a Régis Bittencourt e o excesso de caminhões, além de aproveitar muito as curvas entre Piedade e Juquiá, que aliás não deixam nada a desejar à famosa Tail of the Dragon, nos EUA: um trecho fantástico com 318 curvas em apenas 18 km. Não optamos em passar pelo Rastro da Serpente, entre Apiaí e Curitiba, pela falta de asfalto em alguns trechos e obras no local.

3º dia: Registro (SP) – Balneário Camboriú (SC)

Distância: 430 km

Outro dia que saímos do tradicional caminho rápido: saímos da Régis Bittencourt pela PR-410 passando pela bela Estrada da Graciosa, um orgulho paranaense, que liga a BR-116 à cidade de Morretes. Lá come-se o prato típico local, o barreado, um prato a base de carnes cozidas por até 24 horas em panela de barro lacrada com farinha de mandioca, antigo costume dos tropeiros que faziam, com mulas, o transporte de mercadorias entre o Porto de Paranaguá e a capital paranaense, história que pode-se ouvir enquanto se degusta a iguaria. Também é possível visitar a estação de trem, onde desembarcam os passageiros da Litorina (um trem especial para turistas) vindos de Curitiba.

No Portal da Estrada da Graciosa, a caminho de Morretes

No Portal da Estrada da Graciosa, a caminho de Morretes

Depois de Morretes passamos pelos municípios de Matinhos, Caiobá, Guaratuba, até chegar à cidade de Garuva (SC) onde retomamos a BR-101 até o nosso destino do dia. A ligação entre Caiobá e Guaratuba é feita através de um ferry-boat.

Travessia da Baia de Guaratuba em um ferry-boat

Travessia da Baia de Guaratuba em um ferry-boat

4º dia: Balneário Camboriú (SC) – Urubici (SC)

Distância: 240 km

Dia planejado com pouca quilometragem, para que pudéssemos conhecer a Serra do Rio do Rastro ainda com muita luz, próximo ao meio-dia, apostando que teríamos visibilidade e clima favoráveis. E foi isso que aconteceu. Mesmo com inverno, um pouco de frio, conseguimos um intervalo com sol, o que nos permitiu percorrer os 8 km da serra nos dois sentidos com tranquilidade, sem a costumeira neblina que habita a serra.

Uma opção inicial de caminho era descer a SRR, ir até Lauro Muller, contornar, voltando pela Serra do Corvo Branco. Descartamos após informações e constatações que a serra está intransitável, interditada para obras de asfaltamento.

A Serra do Rio do Rastro é mesmo linda e maravilhosa como dizem

A Serra do Rio do Rastro é mesmo linda, maravilhosa e apaixonante como dizem

5º dia: Urubici (SC), passeio pelas serras

Distância: 100 km

O dia amanheceu chuvoso e bem frio, entre 4 e 6 graus Celsius, o que desanimou totalmente o grupo a sair. Olho nas previsões do tempo e todas falavam em tarde sem chuvas. Então nos preparamos para sair após o almoço, com destino ao Morro da Igreja, a 1.822 m de altitude, considerado o ponto habitado mais alto do sul do Brasil, utilizado estrategicamente pela Aeronáutica para a instalação de antenas e radares.

Instalações da Aeronáutica no Morro da Igreja em Urubici

Instalações da Aeronáutica no Morro da Igreja em Urubici

Em dias de boa visibilidade é possível até ver o mar a mais de 100 km de distância. A ocorrência de neblina é frequente e o vento é castigante. Todo o caminho de cerca de 30km é asfaltado. Para a visita, é necessário retirar uma autorização antecipada gratuita no ICMBio em Urubici.

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Vista estonteante a partir do mirante no alto da Serra do Rio do Rastro

6º dia: Urubici (SC) – São Lourenço do Oeste (SC)

Distância: 530 km

A pacata São Lourenço foi escolhida por estar a uma distância razoável de outro destino: as Cataratas do Iguaçu, em Foz do Iguaçu no oeste paranaense.

7º dia: São Lourenço do Oeste (SC) – Foz do Iguaçu (PR)

Distância: 340 km

Dia com pouca quilometragem, já que tínhamos o objetivo de chegar em Foz do Iguaçu na hora do almoço, para receber nossas esposas que passariam o fim-de- semana conosco. Estrada com muitos buracos, trepidações, um dos piores trechos da viagem.

À noite, escolhemos conhecer a iluminação da barragem de Itaipu. Na nossa opinião, algo muito simplório e pequeno em relação ao tamanho e importância da barragem para os dois países que a construíram e administram. Quando você acha que está começando, e algum chafariz gigante ou lasers aparecerão, ploft! Acabou o “show”. Enfim, um engodo para turistas, nível abertura da Copa do Mundo, quem lembra?

Decepcionante visita noturna à Usina de Itaipu

Decepcionante visita noturna à Usina de Itaipu

Optamos por segurança em não passear com as motos na região, pela proximidade com as fronteiras e provável risco de roubo/furto.

8º dia: Foz do Iguaçu (PR)

Passeios – distância: 0 km

Itaipu, parque das Cataratas do Iguaçu e Duty Free na Argentina foram nossas principais atividades.

9º dia: Foz do Iguaçu (PR) – Penápolis (SP)

Distância: 760 km

Foi um domingo com um clima bom para andar na estrada, que estava bem vazia. Isso nos fez chegar ao destino com uma hora de antecedência.

10º dia: Penápolis (SP) – Caldas Novas (GO)

Distância: 550 km

Caldas Novas encontra-se numa região de águas termais, repleta de hotéis e resorts que revigoram e proporcionam um merecido descanso. Uma boa opção para descanso.

11º dia: Caldas Novas (GO) – Brasília (DF)

Distância: 310 km

A última perna da viagem foi realizada com uma pressa incomum. A vontade de chegar em casa logo e ver a esposa e filhos deu uma dinâmica diferente ao trecho.

A chegada em casa, sãos e salvos

A chegada em casa, sãos e salvos

Dicas e boas práticas:

Pedágios: Combinar para que um dos motociclistas pague os pedágios de todas as motos e seja reembolsado no dia, ou no final da viagem. Isso dá mais dinâmica ao grupo. Alguma moto com porta-objetos, ou mala de tanque, facilita o manuseio de dinheiro, mesmo com luvas.

Alinhamento de expectativas: é um ponto fundamental para o sucesso de uma viagem como essa. locais para comer, dormir, tempo entre as paradas, velocidade de cruzeiro, enfim, pequenos tratos que evitam frustrações que podem interferir no humor e qualidade do dia. Essa conversa pode ser feita diariamente, fornecendo feedbacks, relembrando fatos do dia e expectativas para o próximo trecho, num briefing pela manhã, durante o café, por exemplo.

Divisão de tarefas: para que todo mundo se divirta e ninguém sinta-se sobrecarregado, é bem interessante a divisão de tarefas entre os viajantes: informações sobre o clima para o dia, condições da estrada, feriados, festas e notícias locais, reservas de hotéis, etc. São muitos detalhes que se alguém se preocupar em obter e divulgar pode mudar a experiência dos viajantes.

Equipamentos: considere o tempo nos locais onde passará, monitorando os próximos destinos diariamente. Isso te permitirá já sair com mais ou menos proteção ao frio, evitando paradas, por exemplo. Espere o melhor, preparando-se para o pior. Invista em equipamentos adequados.

Intercomunicadores: essa foi nossa primeira viagem utilizando intercomunicadores e foram muito úteis. Parece um luxo, tudo bem, mas a segurança e conforto que tivemos em solicitar paradas, avisar de algum perigo, já que permitiam comunicação entre motos a mais de 1 km da outra, foi excepcional. Fundamental? Diria que não.

Quilometragem diária: na hora de dividir os dias e definir as paradas, considere o tempo para percorrer, não somente a quilometragem, pois é bem diferente rodar 500 km em auto estradas ou em regiões serranas, isso pode lhe custar algumas horas pilotando à noite e cansado.

Condições climáticas: observe o clima na região de destino, não subestimando o frio, e lembre-se que a temperatura nos sites não considera o vento ou estar em uma moto a 100 km/h. A sensação térmica é bem pior.

Por do sol: o Sol se põe às 18 horas, certo? Não! Aqui em Brasília nessa época do ano, ainda está claro, mas em Balneário Camboriú, às 17h30 ele já se foi, aumentando o frio e diminuindo a luminosidade. Consideramos isso e nos programamos para parar uma hora antes do por do Sol no local.

Day off: escolhemos sempre alguns dias que propositalmente não andaríamos de moto na estrada, ou seja, dormimos duas noites no mesmo hotel. Torna-se muito útil para descansar o corpo, cuidar da moto e lavar algumas roupas, se for o caso.

Tamanho do comboio: quanto maior, mais difícil. Simples assim. As expectativas, ultrapassagens, velocidades de cruzeiro, preparo físico, humor são diferentes e impactam diretamente no ritmo e qualidade da viagem. Encontre o número ideal de participantes de acordo com o desafio.

Bagagem: levaria novamente o mínimo necessário. Se voltar com roupas limpas é porque errou na quantidade e carregou peso demais. Organizei a bagagem em um saco estanque de 40 litros num bauleto traseiro de 46 litros, de uma forma que só precisava entrar no hotel com o saco estanque e o baú com pouco peso. Utilizei para itens do dia: capa de chuva, viseira sobressalente, garrafa com água, forro da jaqueta, luvas, roupa suja.

Veja a força do vento no alto do Morro da Igreja em Urubici (SC)

 

Custos por piloto/moto

Outros números

Combustível 1.100,00 4.928 km rodados.
Hotéis 1.200,00 06 estados: DF, GO, MG, SP, PR, SC
Pedágios 80,00 Motores ligados por mais de 58 horas
Alimentação 400,00 Mais de 20 pedágios
Total 2.780,00 320 litros de combustível, aproximadamente
87 km/h foi a velocidade média

O autor deste relato, Felipe de Melo, é marido, pai de três adolescentes, analista de TI por profissão, motociclista há 15 anos por paixão. Gosta de passeios de moto e organização de viagens nacionais e internacionais.

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Mário Sérgio Figueredo
Motociclista apaixonado por motos há 42 anos, começou a escrever sobre motos como hobby em um blog para tentar transmitir à nova geração a experiência acumulada durante esses tantos anos. Sua primeira moto foi a primeira fabricada no Brasil, a Yamaha RD 50.