Lembro como se fosse hoje, mas o fato que vou relatar aconteceu em um final de novembro, no ano de 1974, quando pude sentir pela primeira vez a maravilhosa sensação de ir até uma concessionária para retirar a minha primeira motocicleta, uma Yamaha RD 50 nacional, no ano do seu lançamento – com um bravo motorzinho 2 tempos ela era muito “boa de briga”, principalmente quando abastecida com gasolina de aviação e dava fácil quase 120 km/h no plano. Nem a Honda CB-125 (importada) andava tudo isso na época.
Yamaha RD 50, a pioneira entre as motos fabricadas no Brasil - divulgação

Yamaha RD 50, a pioneira entre as motos fabricadas no Brasil – divulgação

A emoção

Tente imaginar o turbilhão de pensamentos que se passa na cabeça de um jovem de 17 anos podendo comprar sua primeira motocicleta. Pois é, assim que estava minha cabeça, e meu coração parecia que ia saltar do peito de tanta euforia.

Meu aniversário é no início de dezembro, mas só poderia tirar a carteira em janeiro, quando o Detran reabriria os testes para obtenção da CNH. Que espera torturante! Só para vocês terem uma ideia da minha “fome” de moto, tirei-a da concessionária numa sexta-feira depois do trabalho, tipo 18h30, e na segunda-feira, dois dias depois, levei-a de volta à concessionária para a revisão dos 500 km. E na outra segunda retornei para a revisão dos 1500 km. Tudo isso apenas no meu bairro, pois sem carteira não dava para me aventurar muito longe.

Como disse antes, minha carteira demoraria ainda quase dois meses e assim surgiu o primeiro drama: como levá-la para casa se a loja de motos ficava no centro de Curitiba, que fervilhava de guardas de trânsito. A solução foi empurrar a moto por quatro quadras onde a fiscalização era menos intensa e o risco de ser abordado menor.

Como previsto, em janeiro de 1975, depois da torturante espera, recebi a minha CNH, e já no primeiro sábado programei com meu primo Carlos, que tinha uma moto igual, para irmos até a Estrada da Graciosa, a 30 km de Curitiba – o Carlos foi citado aqui no Motonline no texto “Ushuaia, a realização de um sonho“.

O debut

E foi assim que debutei na estrada, no peito, na empolgação e na coragem. Marinheiro de primeira viagem, pouca experiência, na terceira ou quarta curva depois do primeiro mirante há uma curva de duas tangências, ou seja, que fecha e termina de fechar. Pista molhada, falta de experiência, não deu outra: CHÃO.

A estrada mescla piso asfaltado e os originais paralelepípedos da época da sua construção

A belíssima e apaixonante Estrada da Graciosa

Caí na curva enquanto um caminhão subia a serra. Fui deslizando com a moto à minha frente e bati com o fundo do motor no pneu de tração do caminhão, na pista contrária, quando fui arremessado de volta à minha pista. Para minha sorte, por ser uma subida de serra, bem íngreme, o caminhão não estava a mais de 10 km/h. Meu anjo da guarda estava de plantão naquele dia, pois se eu chego um décimo de segundo antes, tinha sido esmagado pelas rodas do pesado veículo e hoje faria parte do piso centenário da Graciosa.

Levantei-me de calça rasgada, joelho, nádega e cotovelo esfolados e doendo muito, mas em nada disso eu prestei atenção na hora. A preocupação foi só com a moto: espelho e manete de freio quebrados, estribo e guidão tortos, borracha do estribo rasgada, ambos os piscas do lado direito com as lentes quebradas. Que tragédia! Os ferimentos a natureza consertava, mas a moto ia custar uma grana que eu não tinha, pois usava quase todo o meu salário pra pagar as prestações.

E como continuar a viagem sem a manete do freio? Mas demos um jeito. Ainda havia sobrado um toco do manete que possibilitava aplicar alguma força no freio dianteiro. Desentortei o estribo e continuamos a viagem até o nosso litoral para depois retornar a Curitiba. Quanto ao trauma de ver a morte tão de perto, até hoje tenho pesadelos com aquele incidente e durante algum tempo andei com o “fiofó” na posição “locked”.

A lição

Mas como tudo na vida, esse episódio também teve o seu lado positivo, pois com a lição duramente aprendida passei a maneirar na forma de pilotar e talvez esteja vivo até hoje por causa disso, diferente dos muitos amigos que perdi em acidentes de moto. A chegada da RD-350 foi devastadora com amigos que poderiam estar vivos até hoje se tivessem tido a “sorte” de passar por uma experiência parecida quando ainda andavam em motos de pequenas cilindrada.

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Mário Sérgio Figueredo
Motociclista apaixonado por motos há 42 anos, começou a escrever sobre motos como hobby em um blog para tentar transmitir à nova geração a experiência acumulada durante esses tantos anos. Sua primeira moto foi a primeira fabricada no Brasil, a Yamaha RD 50.