No começo da década de 50, Marlon Brando era a imagem da desordem sobre duas rodas. Vestido com uma jaqueta de couro e montado numa Triumph Thunderbird, Brando e seus “associados’` tocavam o terror numa pequena cidade dos EUA, em O Selvagem (The Wild One, 1953).
54 anos depois, por incrível que possa parecer, a imagem que Brando – indiretamente – ajudou a construir ainda está viva e saudável nos filmes. Por mais que os costumes tenham mudado, por mais que a moto tenha assumido de vez seu papel como meio de integração e lazer, não adianta. O tempo parece ter parado na cabeça dos roteiristas e executivos de cinema. Vale a velha máxima: em Hollywood, motociclista bom é motociclista desordeiro.
Imagem não é nada, arruaça é tudo!
Convido o leitor a puxar pela memória qualquer filme que tenha, ainda que de relance, tratado da questão motociclística de uma forma minimamente livre dos estereótipos do gênero. Sinceramente? Duvido que consiga. Eu mesmo não consigo, todos os que já assisti – antigos ou mais recentes – tem esse “tema central’`, qual seja, o motociclista como fonte inesgotável de problemas.
Voltando aos filmes, outro que pisa duro na imagem dos motociclistas é Corridas Clandestinas (Biker Boyz, EUA, 2003). Moto ali, é decoração de cena, não está lá pra ser levada a sério. Uma sucessão de corridas de rua, “zerinhos’`, empinadas e acidentes que, se são ótimas pra dar “caldo’` ao filme, não resistem a uma análise mais apurada. Parece, aos olhos do leigo, que motociclista só se sente bem fazendo aquilo, e mais nada.
O protagonista também não ajuda em nada: Kid (Derek Luke) é um rebelde sem causa, mimado e prepotente, que se acha no direito de mandar o planeta inteiro pro inferno pra se sentir melhor. Passa o filme todo buscando auto-afirmação com o punho direito, acompanhado de seus amigos. Ao menos, se serve de consolo, algumas motos mostradas no filme são bem bonitas…
O mais recente – e triste – exemplo é, por ironia, uma comédia. Motoqueiros Selvagens (Wild Hogs, EUA, 2007) é, de longe, o mais “tranqueira’` de todos. Por trás de uma premissa de fazer a platéia rir (e, justiça seja feita, até consegue), está toda uma coleção de clichês e estereótipos do gênero. A famosa gangue-de-motoqueiros-feios-e-barbudos-que-espalha-o-terror-onde-passa, lotados de tatuagens e maldade, chefiados por Jack (o eterno homem mau Ray Liotta) está lá, firme e forte, pronto pra quebrar tudo e todos. A cena onde eles encontram os Wild Hogs e Jack dá um discurso sobre “motoqueiros de verdade’` merecia ter ficado no chão da sala de edição no corte final. Uma bobagem sem sentido que nem vale à pena reproduzir aqui, quem tiver paciência alugue o filme. E, óbvio, tem sempre “aquela cidadezinha do interior onde o xerife é um banana e a gangue faz o que quer’`. Já vimos esse filme antes, não? Incrível, mas ainda hoje, em pleno século 21, Hollywood ainda renega o motociclista ao papel de arruaceiro de plantão…
*P.S.: Quem assistiu Easy Rider vai perceber uma citação deste filme numa das falas de Peter Fonda em Motoqueiros Selvagens.