Dessa vez não vou falar de motos, e sim de carros de Formula 1. Já faz algum tempo que as corridas de F1 sofrem com a queda de competitividade, com o desinteresse do público, realmente as corridas estão muito chatas se compararmos, por exemplo, com a MotoGP. Apesar disso, é impossível não se emocionar com o Grande Premio Brasil de Formula 1, e mais ainda com essa edição de 2006, que certamente ficará na história.
Na quinta feira, antes dos treinos, eu tive a oportunidade de visitar os boxes da Ferrari a convite da AMD e conhecer de perto os aspectos da tecnologia envolvida em uma grande equipe de F1, mais especificamente a telemetria e as simulações que são possíveis mesmo sem o carro na pista. A primeira entrevista foi com Dieter Gundel, chefe de TI (Tecnologia da Informação) da Ferrari, e durante quase uma hora conversamos sobre o uso da tecnologia nos carros e o real impacto no dia a dia dos pilotos e da equipe. No fundo, o uso intensivo da tecnologia reduz o tempo gasto com testes e experimentos, permitindo com grande exatidão encontrar o ponto que precisa ser melhorado e se concentrar nele. Talvez essa seja a principal diferença do carro de F1 atual e os modelos mais antigos, totalmente manuais. Naquela época o piloto precisava ter a sensibilidade para ajustar os mínimos detalhes, e a cada prova eram necessárias horas e horas de treino até ajustar o carro. Hoje cerca de 150 sensores e um conjunto de computadores são capazes de obter todos os dados necessários e ainda permitir análises complexas e simulações que antes eram impossíveis, podendo inclusive antecipar o comportamento do carro na próxima corrida baseada nas informações armazenadas em circuitos similares e com os dados da última prova.
Os carros já chegam ao Brasil com uma simulação do que é esperado para a prova, nos primeiros dias o trabalho consiste em ajustar os quase 150 sensores do carro para que o desempenho real fique equivalente ao esperado. É nessa hora que os “mecânicos” de notebook atuam, fazendo ajustes, corrigindo valores e sensores, trocando peças eletrônicas até que o “setup” possa ser considerado “pronto”. Só depois disso é que o piloto começa a fazer o ajuste fino, buscando aqueles milésimos de segundos que estão fora da curva de expectativas e acrescentando novos valores à imensa base de dados. Comecei a entender melhor a função de um piloto de testes de uma equipe como a Ferrari, uma função que hoje é cada vez mais valorizada. Muitas vezes o piloto de testes nem aparece no fim de semana da corrida, mas o trabalho dele está lá, pronto, nos computadores.
Um piloto moderno além de ter todas as características dos pilotos “antigos” também precisa saber ler esses mapas e se adaptar as inúmeras variáveis que podem ser manipuladas eletronicamente. Em uma conversa com Felipe Massa falamos sobre os ajustes que são possíveis de serem feitos de dentro do carro e um dos que Massa citou foi a transferência de pressão do freio entre as rodas dianteiras e traseiras, que pode ser ajustada dinamicamente. Na minha ingenuidade perguntei “então você pode, a cada circuito, a cada acerto, transferir a pressão do freio da dianteira para a traseira?” e ele me respondeu “Não, Paulo, a gente faz isso a cada curva…”.
A cada curva…
Dessa forma, qualquer modificação no carro, seja um ajuste no motor ou uma variação em um apêndice aerodinâmico pode ser testado em ambiente virtual antes de ir para a pista. Na matriz os computadores fazem toda a análise aerodinâmica do carro em todas as situações possíveis para cada pista do campeonato, medindo e monitorando variâncias mínimas para, através da inteligência da equipe e da sensibilidade do piloto, conseguir gerar informações úteis para que a tomada de decisão sobre qualquer aspecto do carro seja a mais correta possível. No final das contas, isso poupa muito tempo. Por exemplo, perguntei ao Felipe Massa “O acerto de chuva é muito diferente do de pista seca? E demora muito ter que mudar esse acerto caso seja necessário fazer de uma hora para outra? e ele me respondeu “Sim, o acerto de chuva é bem diferente do de pista seca, mas é muito rápido mudar tudo, quase que só apertar um botão, porque já temos tudo mapeado e simulado. É bem fácil hoje em dia.”
Já com Gundel a pergunta foi outra: “Ao final da corrida, quanto sobra de gasolina no tanque?” e a resposta veio na ponta da língua: “Sobram exatas 300 gramas de gasolina para a FIA recolher as amostras. Se sobrar mais é porque fizemos algo errado.” Isso mostra o quanto é preciso o monitoramento do carro, sendo possível até prever com antecedência algum problema. Obviamente perguntei sobre a quebra do motor do Michael na corrida anterior, que praticamente o tirou do título, e Gundel disse que falhas catastróficas como aquelas são imprevisíveis, mas se eu fosse olhar no gráfico da telemetria veria o momento onde a pressão de óleo caiu, e o ponto onde o motor parou de funcionar.
Ao ver a complexidade do volante e dos controles de dentro do carro, perguntei ao Gundel se algum piloto já se confundiu com os controles e excesso de botões, e já que a FIA proíbe o envio de dados para o carro, se há como o piloro corrigir rapidamente um erro de configuração que ele mesmo cometeu, mas a resposta foi bem simples: “Nossos pilotos não erram.”
Pelo que Massa e Michael fizeram nesse domingo, parece que não erram mesmo.