Bom seria , se tivéssemos a oportunidade (ou a coragem) , de empreender na prática de múltiplas modalidades: surf , enduro , mergulho , vôo livre , trial …
Bom seria se não nos limitássemos , a prática só de uma ou outra modalidade.
Experimentar , não é uma tarefa fácil.
É preciso sair da dita , zona de conforto.
Não foi nada fácil.
Um amigo , sem querer , resumiu ingenuamente : “Precisa ter coragem…” É …. , talvez.
Coragem , covardia ou , a simples vontade de mudar.
Vontade , resume bem o contexto.
Depois de 26 anos ininterruptos de motociclismo off road , praticamente todo o final de semana , “perdi” a vontade….
Curti , aprendi.
Poderia ter aprendido mais.
Me diverti !
A ausência de um deles pode comprometer.
A técnica , o preparo físico e o entusiasmo.
Entusiasmo é uma palavra de origem grega que significa algo como: Deus dentro de si.
Assim , me ensinou um amigo.
Pra mim , entusiasmo é igual à vontade , ou outra expressão que não se pode escrever em qualquer lugar , mas , começa (e acaba) com T.
Esse , bode , não apareceu da noite pro dia.
Há meses tenho visto o bicho.
Acho até que sei qual a razão.
Depois de muito tempo fazendo uma atividade qualquer , os níveis de cobrança tendem a aumentar , gradativamente.
O problema é que a partir de um determinado nível , que pode ser diferente para cada um de nós , a evolução se torna cada vez mais custosa , vagarosa.
Pra piorar , no caso do esporte amador , este desenvolvimento tem um “limite”.
Não dá pra pretender andar como um profissional (qualquer que seja o nível deste) , levando uma vida de amador.
Trabalho , família , hábitos cotidianos , compromissos , responsabilidades , bares…
Isso tudo exige tempo e dedicação. Tempo e dedicação são “limitados”.
Estava descontente com minhas “habilidades”.
Sempre acabava um rolê achando que poderia ter andado mais e melhor.
De fato , poderia. Mas , para tanto , deveria mudar alguns outros padrões da minha vida.
Equilibrar todos os pratos é tarefa difícil. Poucos têm este talento ou , condição.
Eu , como outros tantos caras que conheço , tento fazer o melhor possível.
Acontece que eu tô bem de saco cheio de tentar , e isso , tá (tava) atrapalhando.
Insisti , e esta atitude me rendeu mais alguns bons rolês.
Mas , acabei por concluir que tava na hora de tirar férias.
Férias pra fazer outra coisa qualquer , antes que algo pior acontecesse.
Algo tipo uma vaca feia ou coisa do gênero.
Essas coisas tendem a acontecer com maior frequência , quando a gente tá sem atitude , sem foco , de bobeira.
Sartei.
Sei que uma hora qualquer , vou fazer uma lamina num brinquedo sexy e voltarei a usá-los.
Se tudo correr bem , por mais uma longa temporada.
Sou bicho do mato , não posso viver longe da terra.
Aconteceu ,de forma despretensiosa.
Pensei … , depois eu vendo….
Sempre gostei de XT´s.
Quando a primeira delas começou a ser comercializada , 1988 , troquei minha “viúva negra”, na primeira unidade que o concessionário recebeu.
Putz…. que dia foi aquele….!
Naquela época , uma XT era coisa de outro mundo. Literalmente.
Grande , bem suspensa e com um torque que não encontrava comparações.
Vinte anos depois , as mesmas qualidades caracterizam o novo brinquedo.
Com uma XT , vai-se a praticamente qualquer lugar.
Arriscaria dizer que , provida de um bom jogo de válvulas nas suspensões , pneus apropriados , linhas de freio revestidas e alguns pequenos acertos e proteções , uma XT é uma verdadeira “globetrotter”.
Leve , eficiente , confiável , confortável , bem equipada.
Um bom termo , entre uma especial e suas inerentes restrições e , uma touring imensa , com suas limitações proporcionais.
Um…. , coringa.
Como diria um brother adepto há anos , uma moto de fuga!
Não da pra voar nas curvas de nível de quinta colada , mas em compensação , pode-se ir longe com uma delas.
Paraná , Sta Catarina , Minas , Espírito Santo…..
Montanhas , praias , reservas e o que o Brasil mais tem: zilhões de quilômetros de estradas e trilhas.
Pra estréia , rumei pras Gerais. Mais precisamente , pra Canastra.
Uma velha conhecida. Um destino lendário para qualquer off roader brasileiro.
Um lugar relativamente perto e acessível a qualquer um que tenha….. , vontade.
Vontade de ir.
Isso é tudo o que alguém precisa pra ir à Canastra. Não é necessário ter muito tempo , nem muito dinheiro , nem muita habilidade , nem mesmo muito equipamento.
A Canastra é democrática e recebe a todos como uma mãe. Indistintamente.
Uma viagem planejada em menos de 24 horas.
Naquela ocasião , a idéia inicial era irmos de carro pra Bahia.
Mas , na ultima hora , alguma coisa deu errado.
Eu olhei pra ela , ela olhou pra mim , nós olhamos pro único patrimônio da família e … , fomos!
Fomos sem reservas. Sem preparativos. Sem dia nem hora.
Era um período fora de temporada , nada de festas ou feriados próximos.
Toda vez que me lembro daquela viagem , uma única cena (que se repetiu várias vezes naqueles dias) vem à minha cabeça.
Parávamos a moto na beira de uma piscina natural qualquer , há centenas delas por lá… , uma maior ou mais bonita que a outra , algumas com dez , quinze metros de profundidade….! Tirávamos nossas imundas calças jeans e caíamos na água.
Repetíamos a mesma coisa várias vezes num mesmo dia.
Sempre sós. De moto , no meio do nada….. Tempo bom !
Iria , simplesmente , andar de moto. Cruzar pelas estradas o dia todo. Sem rumo.
A Canastra é mesmo um baú. Um baú de caprichos da natureza.
Dentre tantos , dois são notórios: o volume de águas cristalinas e a amplitude.
É um lugar perfeito pra se perder , ou melhor , se encontrar.
Se encontrar com você mesmo , na solidão dos campos de altitude ou , na transparência das águas.
Poços , canyons , vales , lajes … , tudo emoldurado pelo verde onipresente e embalado pelo eterno som do vento , das águas e dos pássaros.
Da mesma forma , nossa existência é consequência direta de nossas opções , nossas atitudes , nossa vontade.
Esta força é tamanha que , por vezes , nos surpreende.
“Cansado” do Off Road , me propus a mudar.
Nesta busca , tomei uma atitude “radical”. Vendi minhas bikes , encanei , “sofri”.
Como recompensa , me permiti umas férias.
Qual não foi minha surpresa , quando me peguei saindo da estrada principal e abrindo caminho “no peito” , pelo meio da vegetação baixa do cerrado , tentando chegar num spot melhor , no alto da montanha.
Numa velocidade compatível com seu peso (e propósito) , a XT deu conta.
“De repente , sem perceber , estava eu , outra vez …. , trilhando de moto….
Providencia divina , diante do calor de 35º que castigava , às 15h00min da tarde.
Eu , de alma lavada , feliz , me empolguei. Fui além do que as gomas originais do Elefantinho Azul , poderiam garantir.
Deslizei numa laje de pedra. Naquele momento em que a chuva começa a cair e as gomas , ainda secas , não transmitem uma noção exata da aderência.
Escorreguei com saudades dos cravos laterais dos pneus de terra.
Escorreguei devagar e cai com moto e tudo.
Cai e fiquei ali…. , sozinho , no meio do nada , de baixo da chuva , com o pé esquerdo “preso” sob a tampa do motor , acometido de um acesso de riso…!!!!!
Rindo do árduo caminho que havia percorrido pra chegar no mesmo lugar.
Rindo da minha própria ingenuidade ao tentar fugir deste , que mais parece um…. , destino.
Tanta seriedade e determinação numa tomada de posição , para , ao final , ver-se cara a cara com a verdade.
Algumas coisas parecem maiores do que nós. Inevitáveis , incontroláveis.
Até o ultimo dos meus dias , sempre , irei me interessar por toda e qualquer coisa ou fato que me remetam ao motociclismo , especialmente ao motociclismo off road.
A jornada , mais uma vez , me serviu. Serviu pra me mostra o que realmente tem valor.
MOTOHEAD