Publicidade

Avaliar uma moto Royal Enfield seguindo apenas padrões técnicos seria injusto – com o fabricante e com os potenciais consumidores – porque essa é uma moto concebida na década de 50 e que recebeu apenas alguns itens de tecnologia e modernização. Seu projeto e soluções permanecem praticamente iguais aos concebidos para as motos daquela época ou um pouco mais adiante. A parte mais interessante disso é que seus admiradores e consumidores a compram (ou querem comprar) justamente por isso.

Ao decidirmos fazer esta avaliação da Royal Enfield Classic 500, tivemos que nos despir dos padrões e critérios que normalmente levamos em consideração num teste desse tipo, sob pena de falar o óbvio e não oferecer um resultado que possa acrescentar algo útil a quem pensa em comprá-la ou admira o estilo clássico e antigo – “vintage”, para os mais puristas. Portanto, procuramos rever critérios e decidimos não fazer comparações. Ao menos não com as muitas motos que avaliamos nos últimos…. digamos….. 30 anos.

Classic 500: linhas clássicas, brilho e sobriedade, no melhor estilo inglês

Classic 500: linhas clássicas, brilho e sobriedade, no melhor estilo inglês

Uma busca rápida nos arquivos da memória nos permitiu encontrar algo parecido tecnicamente, com a mesma concepção clássica, como as alemãs MZ, construções robustas, sem muito luxo, com motores 2 tempos muito resistentes e que estiveram por aqui na década de 80, sob a chancela FBM. Nem moto nem marca duraram muito tempo, mas certamente não é isso que deve acontecer aqui, com a Royal Enfield, mas como decidimos não comparar, vamos nos limitar a contar como a moto se saiu no uso regular na cidade e na estrada.

Publicidade

Montar ou importar?

Estamos falando de uma moto clássica com motor de 500 cc e que foi feita para uso regular no dia-a-dia urbano e também para pequenos passeios, afinal, ela chama a atenção pela beleza clássica e este é seu maior apelo e por isso deve ser vista. Detalhes que fazem diferença a favor da Royal Enfield é que a marca é inglesa, a fabricação é indiana e é a marca de motos no mundo que está há mais tempo em fabricação sem qualquer interrupção, desde 1901. Isto quer dizer que não há motivos aparentes para se desconfiar da qualidade do produto ou da confiabilidade da marca.

Mas pairaram dúvidas sobre a Royal Enfield no Brasil porque a chegada definitiva e oficial dela só se deu em maio do ano passado, mas já se especulava sobre sua vinda desde 2008 e a ideia original era montar as motos em Manaus (AM) com um volume maior de produção. Por fim, os executivos indianos decidiram importar as motos diretamente em volume bem pequeno até conseguir fazer a marca se firmar no difícil e competitivo mercado brasileiro. Nesses primeiros 8 meses de operação, a Royal Enfield vendeu 317 motos dos três modelos disponíveis no Brasil: Classic 500, Bullet e Continental GT e há grande possibilidade de ampliar essa linha com a chegada da Himalayan, modelo mais off-road da marca, também equipada com motor de 1 cilindro, 411 cc e 24,5 cavalos de potência.

Classic 500 traz só o necessário no painel e tudo analógico

Classic 500 traz só o necessário no painel e tudo analógico

Tivemos uma primeira oportunidade de andar nas motos quando aconteceu o lançamento em maio de 2017. Naquela ocasião, nosso repórter colaborador Jan Terwak relatou: “São modelos que remetem a uma época longínqua, da década de 50, nos possibilitando uma verdadeira viagem no tempo. Estamos falando de um tipo diferente de moto, destinada a um nicho específico, feito para quem curte um rolê com estilo, degustado sem pressa, sem olhar o relógio e se preocupar com que horas vai chegar. Eles (os admiradores do estilo) definem isso como Motopurismo.

Publicidade

Jan captou essencialmente o significado das Royal Enfield e isso nos encorajou a pegar a Royal Enfield Classic 500 para um rolê mais completo. A ideia é tentar entender – e explicar – o que significa esse tal de “Motopurismo”. Nos foi oferecida para o teste a Classic Chrome, com cromado por todos os lados e “equipada” com o banco para garupa, porque normalmente a Classic 500 vem apenas com o tradicional banco com molas para o piloto.

E já que estamos falando de estilo, é o que de mais convidativo tem a moto. Muito aço, brilho e partes solidamente construídas, dando um aspecto de força e resistência. Nada escondido, mas bem protegido por caixas de ferro, barras, peças estampadas e parafusos. Farol redondo com “cílios” e lanterna traseira presa num suporte no para-lama, estes feito de aço e bem cromados, fazendo par com o tanque de combustível em formato gota e rodas raiadas, tudo bem brilhante não deixando qualquer dúvida de que é uma moto antiga. Difícil inclusive de fotografar porque sempre o fotógrafo está bem refletido em alguma parte da moto. Por duas vezes parado no semáforo fui abordado com a pergunta seguida da afirmação: “Que ano é essa moto aí? Belo trabalho de restauração foi feito nessa máquina”!

“Bela restauração…”

O semáforo abriu e não deu tempo para responder. Mas ela realmente atrai olhares também dos motoristas e só quem está bem envolvido com o setor das motos sabe que não se trata de uma restauração de moto antiga. Ela segue uma receita que seu próprio nome diz, autêntica, pura, com o essencial feito de forma simples, para manter a robustez e a resistência. O motorzão está lá, ocupando todo o espaço, com o cano de escapamento também brilhante e direto, como um fuzil apontando para quem vem atrás.

Em meio ao processo que os indianos iniciaram para poderem vender as Royal Enfield para Europa, EUA e América do Sul, está a adoção de algumas soluções “modernas”, como sistema de injeção de combustível e os freios com ABS. Mas de resto a moto mantém suas características originais. O motor é de um cilindro, 499 cm³, que oferece 27,2 cv de potência a 5.250 rpm e torque de 4,2 kgf.m a 4.000 rpm. Arrefecido a ar, esse motor trabalha com uma caixa de cambio de 5 velocidades assistida por embreagem multidisco em banho de óleo. Padrão para uma moto desse porte, que privilegia torque e não velocidade. Assim ela mantém o projeto mecânico da década de 50, com o pistão com curso longo e engrenagem volante, em boa parte responsáveis pela força em giros baixos.

Publicidade
Banco do piloto com molas: muito conforto na classic 500

Banco do piloto com molas: muito conforto na classic 500

Nada contra torque em baixo giro, mas a falta de qualquer solução para diminuir a vibração transmitida pelo motor ao chassi e ao restante da moto e daí ao piloto, penaliza o conjunto e a tocada. Essa vibração se percebe todo o tempo, mas ela se acentua aos 80 km/h, isso se você não esticar as marchas para giros mais altos (ela não tem conta-giros). Mas se mantiver giro baixo e marcha alta, o torque está lá disponível sempre e a vibração não chega a atrapalhar. Mas chegou perto dos 80 km/h em 5ª marcha, a vibração aparece forte nas pedaleiras, nos punhos e nos manetes e espelhos, impossibilitando focalizar qualquer coisa que esteja refletindo no espelho e obrigando que o piloto coloque as mãos nos manetes de freio e embreagem para que ambos parem de vibrar.

Banco do garupa é opcional; modernidade? Só injeção eletrônica e ABS

Banco do garupa é opcional; modernidade? Só injeção eletrônica e ABS

Por isso nos cerca de 300 km que circulamos com a Royal Enfield Classic 500 na estrada, procuramos manter velocidade abaixo de 80 km/h para tornar suportável o rolê. Mas na cidade, tudo é uma questão de costume. A moto é pesada, mas o torque é uma ótima arma para mantê-la sob controle. Ela manobra bem entre os carros, com acelerador e embreagem de fácil manejo e engate das marchas duro, mas preciso. No entanto, um pequeno detalhe que a fábrica já poderia ter visto a ajustado é o pedal do freio traseiro que está muito próximo da curva da saída do escapamento, uma área cuja temperatura supera os 300 graus celsius. Na moto avaliada já havia uma marca no escapamento de algum calçado que derreteu naquela região e deixou sua marca.

Merece destaque (positivo e negativo) o consumo de combustível. Se enrolar o cabo e usar a moto de maneira apressada ou esportiva, prepare o bolso porque o consumo de gasolina (comum) vai ficar abaixo dos 20 km/l. Nossa pior marca foi um trecho de estrada onde mantivemos média de velocidade acima dos 100 km/h (GPS) e o consumo exato foi de 19,75 km/litro (rodamos 112,4 km com 5,69 litros). Nesse trecho, aliás, pudemos perceber que com rotações bem mais altas a vibração fica mais amena e suportável.

Contudo, na outra ponta, percorremos um longo trecho misto entre estrada e cidade sempre com baixo giro e velocidade máxima de 80 km/h (GPS) e o consumo ficou em 37,34 km/litro (rodamos 263,3 km 7,05 litros), uma marca excepcional para a moto. No total da avaliação, rodamos 610,5 km com 22,46 litros de gasolina com a Royal Enfield Classic 500 e o consumo médio foi de 27,18 km/litro, um resultado realmente que não esperávamos alcançar e fica o registro como um ponto muito favorável à moto.

Classic 500: conforto garantido

Já que a pegada da moto é passear na boa, quase desfilando, o conforto passa a ser uma exigência. E ela oferece muito conforto, a começar pela posição de pilotar ereta e relaxada, como o guidão largo e elevado e as pedaleiras colocadas à frente. O banco do piloto no formato triangular arredondado e com molas ajudam muito. As suspensões seguem o padrão e o garfo telescópico com tubos de 35 mm de diâmetro e curso de 130 mm na dianteira faz um bom par com os dois amortecedores a gás (outro modernismo na moto) que equipam a suspensão traseira. Nesse caso, o curso de 80 mm e o ajuste na pré-carga das molas dão o toque de versatilidade no conforto, que se ajusta a todos os portes de pilotos, formando um conjunto que desempenha seu papel positivamente.

O grande peso (190 kg) e o chassi tubular tipo diamante com o motor fazendo parte da estrutura dão à moto a rigidez necessária para mantê-la estável em qualquer condição. No entanto, apesar dela responder bem às solicitações de mudanças de direção, ela o faz de forma lenta, uma característica das clássicas, que era “corrigida” nos modelos modificados da época, as “café-racer”. Os freios trazem disco simples de 280 mm de diâmetro na dianteira e disco de 153 mm de diâmetro na traseira com ABS e essa dupla atende todas as necessidades, mas são duros no acionamento e com pouca precisão para modulação, exigindo certo cuidado aos que não estão acostumados com a moto.

Para fechar os detalhes, o painel tem dois instrumentos redondos que ficam embutidos no mesmo bloco sobre a mesa superior da suspensão dianteira, onde também está o farol, duas charmosas luzes de posição e a chave de ignição. Travar o guidão é na trava que está sob o canote, como nas motos mais antigas. Nada de muito luxo nos instrumentos: velocímetro analógico com hodômetro total, algumas luzes-espia e outro instrumento menor com mais três indicadores do sistema de injeção de combustível, do ABS e de alerta de reserva no tanque de combustível.

Na Classic 500, posição ereta e confortável: para desfilar e ser visto

Na Classic 500, posição ereta e confortável: para desfilar e ser visto

Pudemos perceber claramente que as motos Royal Enfield – esta moto avaliada e todas as outras – prometem e entregam uma experiência de pilotagem diferente do que temos até hoje disponível no mercado brasileiro. Certamente há os que gostam do estilo retrô, não tem qualquer necessidade de desempenho rápido e não estão dispostos a gastar perto de R$40.000 numa clássica como a Triumph Bonneville ou uma Ducati Scrambler, por exemplo. Além disso, as Royal Enfield não tem o apelo para os ladrões, o seguro é mais em conta, a moto é bem econômica e vão olhar para ela e admirá-la do mesmo jeito nos passeios. Afinal, com o charme e o estilo como maior valor, ela se torna uma joia que não tem preço. E por falar em preço, a Royal Enfield Classic 500 na tabela FIPE em fevereiro de 2018 estava por R$22.400,00.

Royal Enfield, desde 1901

A Royal Enfield é uma marca inglesa hoje estabelecida na Índia que fabrica motocicletas de forma ininterrupta desde 1901. Ela começou como Enfield Manufacturing Co.Ltd., na localidade de Reddicth, próximo a Birmingham, na Inglaterra, em 1893, fabricando peças para uma fábrica de armas pequenas de nome Royal Small Arms Company. Logo o negócio expandiu e a fábrica de armas foi comprada pela Enfield e tornou-se a Royal Enfield que começou a dedicar-se à fabricação de bicicletas e veículos assemelhados, com o slogan “Made Like a Gun” (Feito como uma arma). Não demorou muito para sair da linha de montagem a primeira bicicleta motorizada em 1901.

Motor concebido na década de 50: 499 cm³, 27,2 cv, 4,2 kgfm de torque e 27,18 km/litro no nosso teste

Motor concebido na década de 50: 499 cm³, 27,2 cv, 4,2 kgfm de torque e 27,18 km/litro no nosso teste

Em 1909 a Royal Enfield surpreendeu o mundo do motociclismo introduzindo uma motocicleta pequena, equipada com um motor bicilíndrico em “V” de 3/4 de HP de origem suíça. O que transformou a marca foi o lançamento em 1912 de um modelo equipado com “side-car”, que permitia o transporte da família, transformando-a em veículo popular. Em 1915, para atender às necessidades do exército inglês, foram criadas versões ambulância e moto de ataque com o side-car, onde se instalou uma maca e na outra versão uma metralhadora. Durante a 2ª Guerra Mundial, a fábrica novamente atende pedido do exército inglês e desenvolve uma moto de 125cc para ser lançada junto com as tropas nos campos de batalha, através de para-quedas. Essa boa fama militar de resistência correu o mundo e fez das motos Royal Enfield quase um padrão. tornando o slogan antigo “Made Like a Gun” absolutamente verdadeiro.

Em 1949 a fábrica recebe um grande pedido de motocicletas do governo indiano, o que culminou com a instalação de uma fábrica naquele país em 1955. Daí a se tornar uma base de produção para exportação foi um passo, até a marca se firmar com sua base na Índia e ter completo controle de indianos. Em 1984 começam as exportações indianas para os mercados do Reino Unido e Europa e em 2008 a fábrica indiana começa a expandir seus negócios para os EUA, com a adoção de sistemas de injeção eletrônica de combustível.

Ficha Técnica Royal Enfield Classic 500

R$ 22.400,00 (tabela FIPE), zero km, em fevereiro/2018

Motor Um cilindro, 4 tempos, refrigerado a ar, OHV
Capacidade 499 cc
Diâmetro x Curso 84 mm x 90 mm
Taxa de Compressão 8.5:1
Potência Máxima 27.2 cv @ 5250 rpm
Torque Máximo 4,2 kgf.m @ 4000 rpm
Sistema de Ignição Ignição eletrônica digital
Embreagem Multidisco em banho de óleo
Câmbio 5 marchas
Lubrificação Carter úmido
Óleo Lubrificante 15W 50 API, SL Grade & above, JASO MA
Alimentação Injeção Eletrônica de Combustível
Filtro de Ar Elemento Filtrante de Papel
Partida Elétrica e pedal
Chassi Tubular de aço com o motor fazendo parte da estrutura
Suspensão dianteira Garfo telescópico com tubos de 35 mm, curso de 130 mm
Suspensão traseira Dois amortecedores à gás, ajuste de pré-carga, curso de 80 mm
Distância entre eixos 1360 mm
Distância livre do solo 135 mm
Comprimento 2140 mm
Largura 790 mm
Altura 1090 mm
Altura do assento 800 mm
Peso 190 Kg (com 90% combustível e lubrificante)
Capacidade do Tanque 13.5 litros
Pneus Dianteiros 90/90 – 19
Pneus Traseiros 110/80 – 18
Freio Dianteiro Disco único de 280 mm, pinça com 2 pistões
Freio Traseiro Disco 153 mm
Sistema Elétrico 12 volt – CD
Bateria 12 volt, 14 Ah
Farol 60 / 55 W, Halógena
Lanterna traseira 21W/5W

separador_re

Sidney Levy
Motociclista e jornalista paulistano, une na atividade profissional a paixão pelo mundo das motos e a larga experiência na indústria e na imprensa. Acredita que a moto é a cura para muitos males da sociedade moderna.