Publicidade

Quem estava na avenida Paulista ao meio-dia do domingo, 13 de janeiro, não deve ter entendido nada. No vão livre do MASP um grupo de cerca de 20 pessoas protestava conta o PT e o governo Lula. Mas do outro lado da avenida cerca de 350 motos passaram buzinando, em comboio, sem ostentar cartazes, nem reivindicação aparente. Só um buzinaço que acordou os insones e ressacados da região. Para entender o que foi isso, é preciso voltar mais de 40 dias no tempo.

Muita gente boa participou / Foto: Irineu Desgualdo Jr.

Muita gente boa participou / Foto: Irineu Desgualdo Jr.

No dia 19 de novembro o jornalista Geraldo Tite Simões foi assaltado a mão armada pela terceira vez em 12 anos. Mesmo modus operandi, mesmo bairro, levaram moto, capacetes, mochila, documentos e telefone celular. A diferença é que no último assalto eles ameaçaram abertamente atirar na vítima. Cerca de 15 dias depois um casal, a bordo de uma Honda CBR 1000RR foi assassinado friamente na avenida dos Bandeirantes em uma tentativa de assalto. Foi a gota d’água!

O jornalista foi para o Facebook e sugeriu uma manifestação no dia 21 de dezembro, na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Morumbi. A data foi questionada porque era véspera de tudo: Natal, apocalipse, férias e reveillon. Por isso mudou para 13 de janeiro e o resultado foi bem maior do que se esperava.

Publicidade
Teve gente de todas as tribos / Foto: Irineu Desgualdo Jr.

Teve gente de todas as tribos / Foto: Irineu Desgualdo Jr.

O domingo de 13 de janeiro amanheceu ensolarado, sem a chuva intermitente do sábado, e a adesão foi muito grande. Das mais de 650 pessoas que confirmaram presença pela rede social calcula-se que haviam cerca de 350 motos e quase 400 pessoas. Um número ótimo para um domingo modorrento que ainda coincidiu com a corrida de motos em Interlagos.

Por um problema de última hora o evento ficou sem o gerador para o sistema de som. Por isso, foi improvisado um palanque e  Tite fez um pequeno discurso de agradecimento e com o verdadeiro mote do evento: a insuportável condição de reféns de um grupo criminoso que age abertamente em São Paulo.

Invadimos a avenida Paulista / Foto: Miriam Gleice

Invadimos a avenida Paulista / Foto: Miriam Gleice

Publicidade

Segue um texto com a síntese do teor do discurso:

“Em primeiro lugar queria agradecer a todos pela presença a este encontro que tem por objetivo chamar a atenção das autoridades para o elevado número de roubos e assaltos vitimando motociclistas.

Sempre que uma moto é roubada a única vítima que perde dinheiro é o cidadão. O Estado não perde dinheiro porque todos os impostos que incidem sobre o veículo na produção e comercialização já foram pagos pelo contribuinte e eles devolvem apenas parte do IPVA, proporcional ao tempo de uso do veículo. O Município também não perde dinheiro porque as taxas de circulação e comércio já foram pagas.

O sistema financeiro não perde dinheiro porque a dívida com o banco precisa ser honrada mesmo se a moto for roubada. A fábrica não perde dinheiro porque a moto já estava faturada para o concessionário e até tem lucro, pois vai vender mais uma. A rede de concessionários também não perde dinheiro porque a moto foi paga pelo proprietário ou pelo banco e também terá de repor essa moto roubada. As polícias não perdem dinheiro, porque não há um sistema de remuneração pela eficiência.

Publicidade

As seguradoras não perdem dinheiro porque os valores praticados no Brasil já são absurdamente maiores do que em qualquer outro país do mundo. Algumas motos chegam a ter a cotação equivalente a 1/3 do valor do bem, o que projeta a inacreditável estatística de um roubo a cada três motos seguradas. Além disso, as empresas de seguro simplesmente se recusam a aceitar alguns modelos. Ou seja, no Brasil a atividade de seguradora é 100% segura e lucrativa e não representa risco como nos países normais. Sem falar no DPVAT de moto, que é mais caro de todos os veículos e que não é devolvido em caso de roubo. E tem mais: o leilão de motos sinistradas também alimenta o comércio clandestino.

Em suma, de toda cadeia produtiva o único que perde dinheiro com o roubo de moto é o proprietário, o cidadão, o contribuinte. Por isso que não há uma ação específica para combater esse tipo de roubo, porque não afeta o fabricante, nem o Estado, nem os comerciantes, nem os bancos e muito menos as seguradoras.

Se o Estado e município perdessem dinheiro trabalhariam para reduzir os roubos. Se as fábricas perdessem dinheiro criariam uma forma de evitar os roubos. Se as financeiras e seguradoras perdessem dinheiro os roubos reduziriam com certeza. Como o único prejudicado é o cidadão, que não tem voz ativa neste sistema, os roubos de motos nunca serão combatidos.

O Estado vive anunciado que gasta milhões de reais com os acidentes de motos. Que os leitos de hospitais públicos são ocupados por motociclistas acidentados. Mas quando um motociclista é assassinado durante um assalto a família não cobra do Estado os milhões de reais que essa dor causou. Os filhos que crescerão sem pai não deixarão de pagar os impostos que deverão sustentar os hospitais públicos.

A única vítima do roubo de moto é o proprietário. Inclusive quando é assassinado.

Mas tem uma cadeia “produtiva” que é a maior beneficiária deste caos na segurança pública: os comerciantes clandestinos, que vendem peças de motos roubadas. Eles atuam em vários segmentos da atividade ilícita, desde o roubo em si, passando pela receptação e terminando na comercialização. Este comércio a céu aberto alimenta a segunda maior vendedora de peças e motos do Brasil: a robauto!

O que queremos chamar a atenção com o Buzinaço da Paz é não só cobrar mais empenho no combate ao roubo e na fiscalização sistemática, mas também propor mudanças na forma que são promovidos os leilões de motos sinistradas. Fiscalização pesada sobre as lojas que comercializam peças usadas. Aumento da pena para quem adquire peças roubadas (receptação) e a inevitável alteração na maioridade legal para acabar com os assassinos de 14, 15, 16 e 17 anos!

Mais uma vez obrigado pela presença de todos”

Ganhei uma homenagem do José Carlos Taddeo / Foto: Irineu Desgualdo Jr.

Ganhei uma homenagem do José Carlos Taddeo / Foto: Irineu Desgualdo Jr.

O discurso não foi exatamente esse, mas foi uma adaptação das pautas sugeridas. O roteiro do Buzinaço começou com o encontro na praça Charles Miller, no Pacaembu, seguiu pela avenida Paulista, desceu a Joaquim Eugênio de Lima e estacionou na frente da Assembléia Legislativa. Ocorreu no mais completo senso de responsabilidade, sem ocorrências e a Polícia Militar acompanhou de perto com a presença discreta e constante de um helicóptero.

Ao final ficou a certeza de que novos buzinaços serão promovidos, durante a semana, para que a cidade realmente pare e entenda quais são as reivindicações.

Agradeço pessoalmente a todos que participaram, que apoiaram, que registraram, aos colegas jornalistas, aos meus alunos, à Soul Moto, que reuniu uma turma, à Associação Paulista de Motociclismo, aos velhos amigos treieiros do Poeira, ao Irineu que acordou cedo pra tirar as fotos! ao José Carlos Taddeo, que fez uma singela homenagem na forma de um troféu simbolizando a Harley-Davidson que roubaram dele, nas pessoas que espalharam o encontro pelas redes sociais e ao Tonhão, um simpático agente do CET que nos ajudou, orientou e deu uma demonstração rara de cooperação comovente.

 

Tite
Geraldo "Tite" Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos BikeMaster e Abtrans.