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um duelo molhado de 2.500 km

Tite no teste em pista

Em 1987 tanto a Honda quanto a Yamaha decidiram investir nas categorias de alto desempenho.

Como era tradição da Yamaha na época, a fábrica escolheu a RD 350LC um modelo dois tempos que fazia muito sucesso na Europa, Japão e EUA, enquanto a Honda confirmava sua eterna aposta no motor quatro tempos e decidiu nacionalizar a CBX 750F, também de sucesso inegável no exterior. Só que a nacionalização da RD 350 foi caótica e a Yamaha pagou caro por entregar uma moto totalmente desequilibrada. O texto só não foi mais crítico porque as revistas nunca desciam a lenha nas motos pois dependia (e depende até hoje) da publicidade das fábricas. Mesmo assim leia o box no final da matéria para ter idéia de como a política da Yamaha já era estranha 20 anos atrás. Certamente aquela RD 350 estava muito longe de ser uma moto segura e confiável. A salvação do modelo viria com a criação da Copa RD que deu uma aura de esportividade e conseguiu sobreviver até 1992 quando finalmente saiu de linha.

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Esta viagem-teste foi uma daquelas que tem mais histórias de bastidores do que do teste mesmo. Para começar pegamos um recorde de mais de 24 horas de chuva sem parar, numa época em que as roupas de chuva desmanchavam com o vento e nós só rodávamos acima de 160 km/h. Nossos capacetes Peels Mach 5 tinham viseiras horríveis que ficaram riscadas nos primeiros quilômetros de estrada. Eu ainda tinha o recurso de abrir a viseira e ser protegido pelos óculos de grau, mas o Gabriel Marazzi fez um vôo cego de 2.500 km. No trecho do Paraná a terra vermelha espalhada no asfalto, misturada com água tornou nossa viagem um inferno.

A parte engraçada foi nosso “contrabando”. Queríamos comprar um toca CD portátil, novidade total na época. Só que o camelô só tinha um. Compramos e o Gabriel foi encarregado de ser a “mula” e passar pela aduana. O guarda veio direto na gente só que revistou só a mim, enquanto o Marazzi passava assobiando, mais à vontade do que bode em canoa. No hotel, em Foz do Iguaçu, eu decidi ficar com o aparelho e ainda fomos revistados de novo na estrada, mas o fiscal desistiu de abrir a mala cheia depois de sentir a marofa de roupas sujas e molhadas. No ano passado (2005), recebi a visita do Gabriel na minha casa e “devolvi” o aparelho para ele com um pequeno atraso de 20 anos! Mas com um detalhe: já não funcionava mais!

Curta a matéria escrita a quatro mãos, com edição de Roberto Araújo e medições do Marazzi, e fotos do grande Mário Bock. Algumas infelizmente não ficaram boas depois do escaneamento. Para compensar acrescentei algumas inéditas. Boa leitura!

Saída na avenida Paulista

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Gabriel em Vila Velha, ES

Divisa de Brasil e Paraguay

Tite fazendo careta em Foz do Iguaçu

Chove há mais de quatro horas sem parar um minuto. A Rodovia Castelo Branco, SP,270, está em péssimas condições na região de Avaré, (SP). Lá na frente o Gabriel Marazzi anda forte com a Honda CBX 750F nacional. Atrás dele, coberto pela água espirrada de sua moto, venho tentando enxergar alguma coisa, pilotando uma Yamaha RD 350LC cheia de problemas. Um caminhão segue lento pela faixa da esquerda e o Gabriel passa pela direita. Eu insisto em pedir passagem piscando o farol. O caminhão vai para a direita e acelero vitorioso. Quando fiquei emparelhado, dei de cara com a réplica do solo lunar: uma sucessão de “crateras”.

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Este foi um dos (muitos) sustos que passamos durante os 2.500 Km da Aventura-Teste realizada de São Paulo, SP ao Paraguai, com uma Honda CBX 750F e uma Yamaha RD 350LC, agora finalmente nacionais, onde contamos com a companhia quase constante das famosas chuvas da região Sul.

Nosso plano era eu levar a CBX e o Gabriel a RD até o Paraguai, e na volta nós trocaríamos. Eu já tinha feito uma viagem longa com a CBX importada e o Gabriel fez uma Aventura-Teste (DR n° 120) com a RD importada e nossas trocas de informações foram valiosas para enriquecer o comparativo. Na verdade, acabamos comparando mais as versões importadas com as nacionais, do que propriamente a RD com a CBX, já que não faria muito sentido comparar duas motos com características tão diferentes, se não fosse o fato de serem as motos nacionais mais rápidas. Uma de 750cc, com motor quatro tempos e outra 350cc com motor dois tempos, torna-as de categorias diferentes, mas como agora, e só agora, as duas foram nacionalizadas, o comparativo revela-se válido.

Uma moto vibrante

Depois de sair de Curitiba, pedi ao Gabriel para trocarmos as motos por uns 100 Km e fiquei impressionado. Um problema na parte dianteira da RD fazia todo o conjunto vibrar que nem uma britadeira. Os espelhos retrovisores (“carinhosamente” apelidados de “orelhas do Mickey”) tremiam tanto que não era possível saber se o que vinha atrás era um Mercedão preto 1113 a 20 metros, ou um besouro a 10 centímetros. Paramos para analisar as causas e acabamos por tirar os pesos do balanceamento da roda dianteira. Resultado, a moto melhorou. Em seguida. passamos por Vila Velha, PR, com suas estranhas formações rochosas.

Pilotar à noite não assusta. Pilotar com chuva não é problema. Mas pilotar à noite, com chuva e neblina é desaforar o próprio anjo-da-guarda. Como estavam fazendo a conservação da estrada, não existia qualquer faixa de sinalização informando aonde começava e terminava a estrada. Era tudo uma escuridão, que só clareava quando caía um raio. Felizmente, estas duas motos têm faróis compatíveis com seus desempenhos, chegando inclusive a incomodar os veículos que vêm no sentido contrário.

Cansados de fazer curvas “quadradas” e de pilotar pelo método Braille, resolvemos parar em Garapuava, PR, cerca de 400 Km antes de Foz do Iguaçu. Assim que paramos no hotel a chuva também parou e uma lua um tanto discreta apareceu por trás das nuvens. Brinquei com o Gabriel: “pode deixar, amanhã de manhã estará chovendo novamente”.

O dia seguinte amanheceu… chovendo.Chegamos a Foz de Iguaçu no domingo, com vontade de fazer as famosas compras no Paraguay (é com “y” porque já estamos na fronteira). Fomos informados de que no domingo as lojas ficam abertas só até às 11:00 horas. Impossibilitados de comprar uma série de coisas que vínhamos sonhando a viagem inteira, fomos conhecer o belíssimo Parque Nacional do Iguaçu, onde ficam as cataratas.

Já no Paraguay, uma surpresa: plena segunda-feira e as lojas estavam fechadas. Era feriado religioso. Nós não poderíamos ficar mais um dia e a solução foi comprar as coisas que os milhares de camelôs oferecem pelas ruas. Tem desde fitas cassetes falsificadas, até legítimos uísques espumantes made in P.J. Caballero. Voltamos para o Brasil com um monte de quinquilharias compradas no Paraguay.

Na volta foi a minha vez de pilotar a RD 350LC. Olhei saudoso o Gabriel montar na CBX, que nós comparamos a um Galaxie Landau, e peguei a RD vibrante, que nós comparamos ao Escort XR-3. Só para variar, escolhemos outro roteiro, passando por Londrina, PR.

Agora eu entendia porque o Gabriel ficava um pouco para trás, quando pilotava a RO. Ela simplesmente não passava de 180 Km/h (de velocímetro). Numa descida forte acelerei tudo e o ponteiro enconstou nos 200 Km/h, mas a frente começou a balançar para me lembrar que estava pilotando uma moto problemática. Por questões de segurança, dormimos em Londrina, para desespero do pessoal do hotel, que viu entrar dois seres completamente vermelhos e encharcados.

Estes últimos 550 Km foram os mais demorados. Parecia que cada quilômetro tinha 2.000 metros. A tensão de pilotar a mais de 120 Km/h na chuva e a posição muito inclinada de pilotagem na RD, me provocaram fortes dores nas costas e nos braços. O Gabriel ia lá na frente, seguro, com a CBX e para não perder a luz de referência da sua lanterna traseira, fiz o possível para acompanhá-lo. De repente me via fazendo curvas na chuva a 140 Km/h. Aí o “juizômetro” chegou na faixa vermelha e me contive.

Finalmente chegamos à Rodovia Castelo Branco que nos seus últimos quilômetros (ela começa em São Paulo) era tão ruim que até os camioneiros reclamavam. Depois de muitos sustos e alguns buracos a 150 Km/h, chegamos ao trecho realmente asfaltado da estrada, na altura de Sorocaba. SP. O asfalto era liso e cada pista tinha três faixas além do acostamento. Então foi a vez de confirmar se a Yamaha RD 350LC passava dos 200 Km/h. O Gabriel fez um sinal dizendo que iria me “puxar” no vácuo. A moto, nestas condições, passou dos 200 e ainda tinha acelerador para abrir. Mas uma lombada a 200 Km/h foi suficiente para fazer o “juizômetro” passar da faixa vermelha, começar a apitar, avisando que mais uma dessas e o anjo-da-guarda iria pedir demissão.

Pela cor do céu, cinza chumbo, percebi que havíamos chegado a São Paulo. Paramos na Cidade Universitária para fazer nossa foto da chegada. Os dois cansados, moídos, sujos com a bunda dolorida, mas a cara feliz. Na despedida eu gritei pro Gabriel:

– Na próxima vez vamos para o sertão do Piauí! Geraldo Tite Simões

Logo após a chegada, o cansaço do Tite na porta de casa

Tite
Geraldo "Tite" Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos BikeMaster e Abtrans.