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Foto: Di rio (CE)

Foto: Di rio (CE)

O que Lima tem a ver com Fortaleza? Pouca coisa, a nÆo ser a geografia: estÆo no mesmo continente e … beira-mar. Por‚m a cinzenta capital peruana ‚ banhada pelo oceano Pac¡fico, enquanto a colorida capital cearense ‚ fartamente banhada pelas  guas mornas do Atlƒntico. Existe ainda uma terceira semelhan‡a. Esta bem mais sutil e triste: ambas sofrem preju¡zos sociais, morais e humanos por conta do elevado n£mero de acidentes com motociclistas.

Na minha condi‡Æo de jornalista – caracter¡stica que esque‡o na maior parte do tempo – tenho o h bito de come‡ar o dia com a leitura de not¡cias. NÆo de um jornal impresso, porque h  muitos anos abandonei o papel em nome da praticidade, higiene e rapidez da internet. ·s vezes sinto falta do jornal f¡sico, quando preciso acender a churrasqueira, a lareira ou proteger a casinha da minha fidel¡ssima Valentina. Por outro lado, a falta das pilhas de jornais se acumulando pela casa me deixa aliviado e at‚ livre de tra‡as e baratas.

Para compensar a falta de UM jornal di rio, virei freqentador ass¡duo do site http://www.newseum.org/todaysfrontpages/flash/ Nesta valios¡ssima p gina eu nÆo tenho acesso a um, mas a praticamente todos os jornais do mundo. Tudo bem que ‚ apenas a primeira p gina de cada jornal, mas ‚ literalmente do mundo todo. Alguns pa¡ses nÆo aparecem nesta lista, como a Argentina, inexplicavelmente. Mas tem jornal de Israel, JapÆo, Peru, Su‚cia, It lia etc etc. Com um pouco de pr tica pode-se aprender a navegar, escolher os jornais mais interessantes e entrar na p gina oficial deles, quando alguma not¡cia lhe chamar a aten‡Æo. Alguns exigem cadastramento, que leva poucos segundos. Em recompensa pode-se ler o que os franceses estÆo comentando sobre a copa do mundo; como os italianos reagiram … queda de Valentino Rossi na MotoGP, qual a versÆo oficial sobre a invasÆo da faixa de Gaza dada por militares israelenses e centenas de milhares de outras informa‡äes.

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Foto: Correo (LI)

Foto: Correo (LI)

Na minha ‚poca de estudante de Jornalismo faz¡amos uma disciplina que chamava “Jornalismo Comparado”, que consistia em analisar como cada jornal interpretava uma mesma not¡cia. Foi nessa ‚poca que aprendemos a velha e insofism vel verdade jornal¡stica: NÆo existe O fato, mas sim a VERSÇO do fato. Comparar not¡cias de guerra dada por diferentes pa¡ses e culturas ‚ uma tarefa gratificante. Ou ainda, descobrir que – ao contr rio do que afirma a m¡dia tradicional – a imensa maioria dos jornais est  pouco se lixando pra Copa do Mundo de Futebol. Mesmo nos pa¡ses diretamente envolvidos na disputa.

Na £ltima quinta-feira, dia 29, dois jornais me chamaram a aten‡Æo: Correo, de Lima, e Di rio, de Fortaleza. Ambos traziam na capa uma foto de acidente com moto. No jornal peruano a manchete dizia “Camponˆs que viajava na moto foi atingido por camionete”. No jornal cearense a chamada trazia: “Perigo em duas rodas: a cada cinco dias morre um motociclista em Fortaleza”. Ser  apenas coincidˆncia?

J  estive nas duas cidades. Lima ‚ uma das capitais mais atrasadas socialmente da Am‚rica do Sul. A renda per capita ‚ baixa, assim como a escolaridade m‚dia. Analisando apenas o lado social nÆo ‚ muito diferente da capital cearense. Mas posso atestar que Fortaleza ‚ infinitamente mais bonita, limpa e organizada. No entanto o n£mero de acidentes envolvendo motos ‚ alto e sem perspectivas de redu‡Æo a curto prazo.

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Poucos administradores p£blicos se dÆo conta que v¡tima de trƒnsito representa custo social.  preciso, em primeiro lugar, dar assistˆncia m‚dica emergencial. Quem j  trabalhou com medicina tem a id‚ia dos altos valores envolvidos em remo‡Æo da v¡tima, atendimento emergencial e estada na UTI de um hospital. Um acidente de trƒnsito com v¡tima grave custa, em m‚dia, US$ 2.000, seja em que pa¡s, s¢ no primeiro dia de atendimento. Em Fortaleza essa conta ainda ‚ baixa. Imagine em SÆo Paulo! Com mais de seis milhäes de ve¡culos rodando diariamente.

Depois do gasto com atendimento e conserto do acidentado vem os programas de fisioterapia e eventualmente seqelas f¡sicas. Como esses dados veiculados nestas primeiras p ginas referem-se a cidades em pa¡ses de baixa renda – nÆo se iluda com a nossa posi‡Æo na economia mundial – cada dia parado de uma v¡tima tem um custo social ainda maior. Mesmo que seja um desempregado, algu‚m ter  de compensar os dias sem remunera‡Æo. Caso seja um arrimo de fam¡lia, esta ausˆncia ‚ mais cruel ainda.  um efeito devastador na escala social que tem um custo inimagin vel. E nem estou contabilizando o custo “administrativo” de um acidente fatal!

EntÆo volto no tempo, coisa de 12 anos atr s, quando fui procurado pelo CET – Companhia de Engenharia de Trƒnsito – de SÆo Paulo para dar in¡cio a uma campanha de seguran‡a para motociclistas. Era coisa simples: espalhar cerca de 400 faixas de tecido pela cidade, com frases para sensibilizar motociclistas e motoristas no sentido de se respeitarem. O custo dessas rid¡culas e feiosas faixas era aproximadamente R$ 50 cada. O que daria um total de R$ 20.000 (o MEU custo nÆo estava computado, porque era uma a‡Æo volunt ria e solid ria). Este valor correspondia ao de cinco atendimentos de emergˆncia. A campanha nÆo foi realizada. Motivo: falta de verba. Tanto a CET, quanto a revista que eu representava na ‚poca ainda nos empenhamos na busca de parceiros que se dispusessem a investir R$ 20.000 e nÆo conseguimos. Um valor inferior a um mensalÆo. Vinte mil reais deve ser uma quantia que se perde por segundo em corrup‡Æo no Brasil. Mas ‚ alto quando se trata de salvar vidas.

Gra‡as a esta constata‡Æo cruel, em oposi‡Æo …s quantias incomensur veis que administradores p£blicos gastam para se auto-promoverem, tomei a decisÆo de nunca mais fazer qualquer a‡Æo volunt ria e solid ria em nome da seguran‡a de motociclistas. Se algum ¢rgÆo p£blico ou privado quiser se empenhar (e at‚ economizar) para reduzir acidentes com motociclistas e quiser minha experiˆncia ter  de pagar por ela. Sentir-me-ia um verdadeiro palha‡o se fizesse uma a‡Æo volunt ria e, no dia seguinte, ler a not¡cia de escƒndalo de desvio de verba na compra de ambulƒncias, por exemplo. Em termos de pol¡tica, minha cidade (SÆo Paulo) virou piada nacional: “vote no PSDB, seja governado pelo PFL e comandado pelo PCC”.

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Peru e Brasil. Lima e Fortaleza. Apenas dois exemplos estampados em primeiras p ginas de jornais da face mais crucial da administra‡Æo p£blica. Em vez de investir em educa‡Æo, sistema vi rio e sinaliza‡Æo para reduzir acidentes com motociclistas, a administra‡Æo p£blica, devidamente assessorada por uma imprensa criminosa e negligente, joga a culpa nos motociclistas. Nos motociclistas nÆo, no ve¡culo, na moto! Aposto meu diploma de Comunica‡Æo Social como em cada casa que estes jornais chegaram algu‚m viu as fotos de primeira p gina e comentou: “viu, como moto ‚ perigosa!”.

Volto a afirmar categoricamente: perigosas, sÆo as pessoas!