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A versão 636 da Kawasaki ZX-6R é ainda mais forte do que a 600.

Os pilotos da categoria Supersport correm com motos esportivas de até 600 cc. Azar deles, porque se um usuário comum encostar no balcão de qualquer concessionária Kawasaki pode sair montado em uma ZX-6RR 636, com motor de 636 cc, sem potência declarada, mas que pode creditar 120 cv a 13.500 rpm!

A 636 passou por grandes mudanças em 2005, quando o escape passou para baixo do banco, a bolha da carenagem ficou mais alta e a posição de pilotagem mais avançada, entre outras coisas. Essas novidades visaram especialmente deixar a 600 mais radical da atualidade ficar levemente mais confortável. Não estranhe os piscas laranjas com hastes, ao contrário da versão com piscas embutidos. Nossas 636 são importadas dos EUA e lá a legislação obriga a lente laranja e os piscas devem obedecer a uma distância mínima para a carenagem. Nos modelos europeus os piscas são embutidos e com lente laranja (ou branca). Mas se você fizer questão de piscas embutidos é só pedir como opcional. Em 2004 a Kawasaki fez uma série de mudanças em sua 600 esportiva. Começou criando a divisão entre R e RR a exemplo do que já fazia a Honda com a CBR 600. Depois fez uma subcategoria entre 600 e 636, esta última sim é a versão “de rua”.

Vista lateral Escape Balança opcional mais larga Motor Válvula de escape Borboleta da injeção Embreagem Painel

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Freio radial

Radiador

Transmissão

Raim-air

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As principais mudanças na versão atual são:

O escape por baixo do banco – até 2003/2004 o escape era lateral. Essa posição sob o banco não é apenas estética, como pensam alguns, mas tem um motivo técnico. Está cada vez mais difícil ganhar velocidade na potência e torque dos motores. A solução é reduzir ao máximo os arrastos aerodinâmicos. Com a eliminação daquele tubo ao lado da moto a penetração aerodinâmica melhorou sensivelmente. Mas (sempre tem um “mas”) a contra-indicação é que a posição provoca o refluxo dos gases do escape nas costas de quem vai na garupa. Em se tratando de Europa e EUA isso não representa um problema grave, pois a gasolina recebe aromatizantes que inibem o cheiro de monóxido. No Brasil pode-se optar pelas gasolinas tipo Premium, mas se precisar usar comum o garupa será defumado. Melhor mesmo é usar a capa que cobre o banco do garupa e retirar as pedaleiras, afinal essa moto é tão esportiva que não combina com garupa. Outro efeito colateral – por mais que neguem – é o aquecimento do banco. No inverno pode até ser agradável, mas no verão escaldante do Brasil, uf!

Bolha da carenagem mais alta – Esta alteração foi simplesmente para melhorar um pouco o conforto, mesmo assim continua apenas uma referência e só começa efetivamente a desviar o ar quando passa de 100 km/h. Essa é um dos desafios dos projetistas: como fazer uma esportiva cada vez mais radical sem comprometer demais o conforto? Não vai demorar muito para que a as esportivas se tornem monopostos e elimine por completo a garupa, como algumas Ducati e Aprilia.

Nova geometria – Outro desafio é fazer uma esportiva que seja pilotável também nas estradas. Nesse sentido, a ZX-6R teve uma pequena mudança na parte ciclística. O ângulo de cáster é ligeiramente mais “aberto” com 25° (antes era 24,5°) e a distância entre-eixos ficou mais curta. A mudança foi na balança traseira que foi encurtada. Para uso em competição existe a possibilidade de uma balança mais larga para receber pneu acima de 190 (o original é 180). Os discos de freio são do tipo margarida, recortado, com 300 mm de diâmetro e atacados por pinças radiais. O garfo dianteiro invertido é um Kayaba, substituindo o fornecedor anterior, a Showa.

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Motor – Outro desafio é aumentar a capacidade volumétrica (cilindrada) sem deixar o motor muito largo. Os motores atuais parecem embalagens a vácuo e pode-se ver claramente onde estão os prisioneiros e a configuração interna. Para crescer 37 cc (de 599 para 636), foi preciso mudar a posição do cárter para permitir um curso maior dos pistões. Na esteira do aumento da capacidade volumétrica foi preciso reforçar bielas e virabrequim. Também não adianta aumentar o volume se não conseguir fazer entrar mais mistura. Barriga grande exige pratos cheios! Para aumentar a “comida” para o motor as válvulas de admissão e escape tiveram os diâmetros levemente maiores, são as válvulas usadas pelo motor de competição da Kawasaki em 2003.

Válvula de escape – A exemplo das versões de corrida, essa 636 foi equipada com nova válvula controladora dos gases, colocada entre as curvas e o silenciador. A finalidade é estrangular a saída dos gases em baixa rotação para dar um pouco mais de torque.

Injeção com duplo injetor – Ainda na filosofia de sobrealimentar o motor, a injeção eletrônica foi totalmente reformulada e agora conta com dois bicos injetores para cada cilindro, algo até então inédito em 600 esportiva.

Embreagem – Como já é de costume nas esportivas modernas, a embreagem conta com sistema de alívio para evitar que a roda traseira trave nas reduções mais bruscas. Esse efeito é mais sensível quando se pilota em pista do que nas estradas.

O painel dessa 636 tem um display retangular (colocado dentro do contagiros) e indica a velocidade, hodômetros e temperatura da água. O conta-giros digital por barra pode ser moderninho, mas a visibilidade é mais difícil do que tradicional sistema analógico, eu prefiro o velho e bom ponteiro porque é mais fácil de VER e não precisa LER. Basta marcar uma referência no instrumento e com uma piscada de olho posso saber a rotação. No sistema digital é preciso ler o que está escrito. Os velhinhos como eu não enxergam de perto.

Em suma, a Kawasaki entrou na briga pela fatia das 600 cc, na qual estão modelos poderosos como Yamaha YZF R6, Honda CBR 600RR e Suzuki GSX-R 600. A briga na verdade é pelo título da categoria Supersport no campeonato mundial da modalidade. Nessa busca por desempenho as 600 estão cada vez mais parecidas com motos de corrida, inclusive nos números declarados pelos fabricantes. A barreira dos 250 km/h já foi rompida há muito tempo e especula-se que a 636 seja a mais veloz da categoria, atingindo 282 km/h de velocidade máxima e 2,6 seg para sair de 0 até 100 km/h. Não se assuste se os números sejam bem próximos aos de uma 1000 superesportiva. Atualmente quase não há diferenças de rendimento entre uma 600 e uma 1000, como ficou provado na abertura do campeonato Brasileiro de Motovelocidade. O preço desta verdinha sarada, em São Paulo, era de R$ 56.000.

600 mais rápida que 1000? Quem viu a primeira etapa do Campeonato Brasileiro de Motovelocidade pode ter estranhado as 1000 virando tempos mais altos do que os da 600 de 2005: a melhor volta das 600 ficou na casa dos 1min41seg, enquanto as 1000 viraram na casa dos 1min45seg. Isso se deveu a vários motivos

– As motos 600 têm preparação praticamente livre, por isso a potência vai bem além dos originais 120 CV. Já as 1000 são praticamente originais.

– A obrigatoriedade do uso de pneus Michelin para todas as motos. Na minha visão, uma medida protecionista, já que impediu que Gilson Scudeler usasse pneus Pirelli que são seus patrocinadores, além de nivelar de forma artificial a categoria. E pelo que apurei nos boxes, o rendimento apresentado pelo Michelin não agradou aos pilotos de ponta.

– As 600 estão com 4 anos de desenvolvimento do motor, enquanto a 1000 está em seu primeiro ano. Muitas motos chegaram na semana da corrida e mal tiveram tempo de amaciar.

– Segundo análise do meu colega Leandro Mello (que dividiu o teste da 636 na Duas Rodas), “as 600 são mais fáceis de pilotar e o piloto pode abrir o acelerador com vontade; enquanto na 1000 a aceleração brutal obriga o piloto a controlar a mão direita com mais carinho. Imagino que até o final do ano as 1000 estarão 1 ou 2 segundos mais rápidas que as 600”.

Tecnicamente a 636 é “melhor” que a 600, não apenas pelos 37 cc a mais. Mas porque alguns componentes do motor são herdados diretamente das 600 de corrida da Kawasaki. Por isso ela apresenta uma distribuição de potência típica das racers. Até 8.000 rpm o motor parece um gato gordo, sem desejos. Mas depois de ultrapassar as 12.000 rpm, a cavalaria acorda (120 cv estimados) e, segure-se firme na cadeira, ela vai a 15.000 rpm! A faixa nervosa de funcionamento é entre 11.500 e os 15.000 absurdos.

A exemplo das esportivas modernas, a suspensão dianteira invertida é cheia de regulagens e se você não é um especialista nem pense em mexer nesses parafusinhos. Uma vez desregulada vais gastar uma grana pra voltar ao original. Os freios radiais também é padrão nas motos atuais, bem como os cabos tipo aeroquip e manete de acionamento axial.

Com o sistema de indução de ar, conhecido como Ram-Air, essa 636 consegue um adicional de potência conforme aumenta a velocidade. Esse sistema tem funcionamento relativamente simples. O ar captado pela entrada frontal passa por “túneis” com venturis variados. Tanto fluidos, quanto ar, quando encontram um venturi (estrangulamento) aumenta a velocidade. Dessa forma, o Ram-Air funciona como um sobrealimentador de ar, mas ao contrário do turbo mecânico, que é acionado pelo próprio motor (ou escapamento), no sistema das motos quem movimenta o “turbo” é a natureza. As fábricas já fornecem dois dados de potência: simulando uma situação dinâmica (com pressurização do ar) e com o motor na bancada, parado. Mas , infelizmente, a Kawasaki não divulga a potência dessa moto.

O grande barato é o estilo. Ô moto bonita! Como estou cansado de escrever, não me vejo numa moto dessas levando garupa. Acabou esse papo de desfilar com a gatita pendurada no pescoço porque as motos esportivas cada vez mais são destinadas ao prazer solitário (hum, parece coisa de onanista). Mas é o preço a pagar pelo excesso de esportividade.

Cá pra nós: quando uma gatita senta na garupa dessas motos e se apóia no piloto, com o tronco jogado para a frente, o piloto até curte um pouco os dois montinhos macios batendo nas costas, mas a moça ficará com o derrière excessivamente exposto pra galera. É como levar a marmita e todo mundo ficar rodeando, func, func, cheirando pra saber o que tem dentro. Segundo uma amiga, para as moças a posição não é ruim, pelo contrário, e até divertida, sobretudo quando cruza o comando do motor e dá aquela vibraçãozinha interessante.

A parte chata é a situação atual da Kawasaki. Para o teste na revista usamos uma moto cedida por um importador de São Paulo. Não creio que a Kawasaki esteja com o mesmo pique mostrado no começo dos anos 90, quando as Ninjas desembarcaram no Brasil como os americanos no litoral da Normandia na II Guerra Mundial. Só faltou cair Kawasaki do céu! Desde as pequenas cross para crianças até as poderosas ZX-11, tinha de tudo. Bons tempos!

Atualmente a impressão que tenho é que a Kawasaki já fechou as portas, mas ainda não apagaram as luzes.

publicada em 16/04/2006 ……

Tite
Geraldo "Tite" Simões é jornalista e instrutor de pilotagem dos cursos BikeMaster e Abtrans.